* e Henrique Mateus

P - Atendendo ao momento da seleção, e aos jogadores disponíveis, faz sentido unir esta base para uma boa qualificação no Euro 2016 ou saltar uma etapa e reconstruir uma equipa, que aponte já baterias para o Mundial 2018?

R - É uma ótima pergunta, mas a resposta deve ser coletiva. Acho que não deve, nem pode, ser o novo selecionador a chegar e a ditar lei. Tem de haver um projeto de federação, completamente assumido, e que o treinador receba em mãos os objetivos definidos: o que queremos é isto. Obviamente que o selecionador tem de estar de acordo. É uma pergunta pertinente, e se calhar - se fosse convidado para ser selecionador, que não serei - era exatamente a primeira que faria ao presidente ou à estrutura federativa: quais são os objetivos? Só depois de definir claramente objetivos se podem definir as estratégias que vão levar à sua prossecução.

- Que perfil acha adequado para o novo selecionador?
- Vamos esperar para ver. Normalmente as minhas palavras têm alguma repercussão e não me parece correto fazer campanha. O que me dá tranquilidade é saber que Portugal tem três, quatro, cinco treinadores portugueses com qualidade para o lugar. Se tu me perguntares, essa deve ser a primeira premissa, ser português. Se for estrangeiro, é, e será o meu treinador também, mas acho que o espaço das seleções devia ser só para portugueses. E acho que Portugal tem esses três, quatro, cinco treinadores diferenciados, com características, processos de formação e estados de maturação diferentes, e que podem perfeitamente treinar a seleção. Acho que deve ser um espaço de estabilidade, de maturidade, de alguém confortável naquela função e não de alguém que esteja à procura de um trampolim para a carreira. Exatamente o contrário: é um espaço muito específico, completamente diferenciado dos clubes. Se Portugal tiver dificuldades para escolher, não será por falta de opções e de competência.

- E em relação a jogadores? Há jogadores em quantidade para manter os resultados da última década?
- Não vejo muitos jogos do campeonato português, não vejo seguramente jogos da Liga de Honra, salvo um ou outro, mais por curiosidade. Não conheço em profundidade o que há nas camadas jovens, na Liga de Honra e, mesmo, nas equipas da Liga fora dos grandes, que são os que acompanhamos mais. Mas recordo o nosso Porto de 2002/04, com o Paulo Ferreira do V. Setúbal, o Pedro Emanuel e o Bosingwa, do Boavista, o Nuno Valente e o Tiago, do U. Leiria, o César Peixoto, do Belenenses, o Maniche do Alverca, o Deco do Salgueiros, mais os grandes monstros feitos na casa, como o Vítor (Baía) e o Jorge (Costa). É isto possível? É. E também é possível que depois uma seleção dure uma série de anos, com base nesta estrutura e nos grandes craques que estavam fora, como Figo, Rui Costa e o início do Cristiano. Isto é possível, e é uma coisa em que se deve pensar.

- Então acredita que os jogadores existem?
- Lembro-me de uma coisa que no outro dia discutimos durante o estágio, com os nossos jogadores brasileiros, em especial com o Oscar, que jogou a final do Mundial sub-20 contra Portugal. Eu perguntava-lhe: quantos brasileiros dessa equipa é que já foram internacionais A? Ele começou a contar e chegou aos oito, mais dois ou três, como o Neymar, que tinham idade para estar no Mundial mas já estavam na seleção principal. Portanto, estamos a falar de dez ou onze jogadores para a seleção A. Depois fiz a mesma pergunta ao Rui e ao Silvino: quantos portugueses chegaram à seleção A. E o Oscar perguntava: onde é que anda aquele rapaz muito rápido que jogava lá na frente, o Oliveira? E eu nem lhe soube responder onde é que andava o Oliveira... Só lhe soube dizer que esteve no Europeu há dois anos, e que agora não sei onde anda.

- Onde é que o aproveitamento se perde?
- Há coisas que se podem questionar, há perguntas a responder, e quem de direito que tire as conclusões mais importantes. É Ilídio Vale um grande treinador de formação? Grande treinador de formação! Onde é que estão estes miúdos? Haverá ou não em equipas portuguesas mais pequenas outros Paulos Ferreiras e outros Nuno Valentes, capazes de jogarem mais de 50 vezes na seleção e de estarem em Europeus e Mundiais? Eu acho que sim. Ainda agora Portugal jogou uma final de um Europeu de sub-19. Vamos ver daqui a uns anos quantos alemães vão chegar e quantos portugueses vão chegar às suas seleções principais. De quem é a culpa?

- O que está em causa é a mentalidade de treinadores ou a mentalidade de dirigentes?
- ... Pergunto eu! Aqueles que dizem que encontram jogadores no Chiado, e em Chelas, e que fazem deles os melhores do mundo, que agarrem nestes miúdos e façam deles os grandes craques. Porque, principalmente para quem está fora, é triste ver Portugal, neste momento, a não conseguir ganhar à Albânia.

- Em 2010, após a saída de Carlos Queiroz, esteve perto de assumir o cargo de selecionador…
- Não, não! Fui selecionador durante umas horas (risos). É uma história, foi tudo inesperado, o dr. João Rodrigues e o dr. Madaíl foram a minha casa a Madrid, foram perspicazes, conseguiram tocar-me no coração, e levaram-me a aceitar. Comecei, na minha cabeça, a preparar o jogo que estava quase a chegar, e falei com presidente Florentino, que me deixou as portas entreabertas e me pediu algum tempo para pensar. Quando ele depois me diz: “é impossível permitir essa situação, tenho de defender-me a mim próprio, ao Real Madrid e também a ti” eu não aceitei muito bem. Mas passado um dia ou dois, mão à palmatória, tive de dizer ao presidente “estou inteiramente de acordo consigo, é uma situação completamente impossível num grande clube”. E tão completamente de acordo fiquei que logo ali decidi que no futuro não haveria a mínima hipótese de a situação se repetir, é uma situação completamente inaceitável, até do ponto de vista ético. Já para a seleção era capaz de ser bom, porque disse imediatamente à Federação que eu, o Rui, o Silvino e o Morais íamos sem contrato.