Ora então sejam bem-vindos a este admirável mundo de um Portugal novo: uma espécie de Portugal 2.0.

Uma coisa bem contemporânea, moderna, vanguardista.

Durante décadas a Seleção Nacional foi aquela equipa que jogava como nunca e perdia como sempre. Não estava nas grandes decisões, é verdade, mas tínhamos um orgulho tremendo nela. Hoje virou-se do avesso: joga mal, mas vence como nunca. Nós esforçamo-nos por esquecer o acessório para nos concentrarmos no essencial: e dessa forma mantermos o orgulho tremendo nela.

É difícil? É sobretudo doloroso. Custa muito sofrer desta forma.

É certo que é por um bem maior, por uma vitória, por um apuramento, por um título. E não há coisa mais bonita do que uma vitória ou um título. Mas como dizia Jorge Valdano, se isto é um jogo convém que também consigamos desfrutar dele. O que muitas vezes a equipa nacional torna difícil.

Esta tarde, por exemplo, no Estádio Luzhniki, Portugal voltou a vencer. Tem por isso o apuramento praticamente garantido: um ponto no último jogo deve ser suficiente.

Mas para lá dessa evidência numérica, sobraram uma ansiedade e uma angústia atrozes.

É verdade que Marrocos não é uma seleção fácil, não senhor. Sabe jogar à bola e é intensa. Disputa todas as bolas com se delas dependesse a própria vida, é durinha, às vezes até excessiva.

Confira a ficha de jogo e as notas dos jogadores

A pressão que colocou desde o início do jogo sobre o meio campo de Portugal foi uma coisa violenta. A partir daí ganhava todos os duelos e ficava sempre com as segundas bolas.

A Seleção Nacional não conseguia simplesmente segurar o jogo, obrigava-se a recuar no terreno, aceitava ser pior para apostar tudo na defesa da magra vantagem conseguida muito cedo no jogo.

Ora por falar disso, da magra vantagem conseguida no jogo, é obrigatório fazer um parêntesis para sublinhar um nome: Cristiano Ronaldo, obviamente. Impressionante como Portugal depende dele.

Abriu o marcador logo aos três minutos, com um excelente golpe de cabeça após cruzamento de Moutinho, ficou a centímetros de bisar logo a seguir, após tirar um adversário da frente com um toque de calcanhar, e serviu Gonçalo Guedes para a últimas das boas ocasiões de golo da seleção.

Pelo caminho chegou ao quarto golo em dois jogos, o que é uma média admirável, voltou a isolar-se na liderança dos goleadores do Mundial e colecionou o segundo prémio de melhor em campo.

Nada mais lógica, nada mais justo.

Portugal é hoje muito Cristiano Ronaldo, até porque falta tudo o resto. Falta por exemplo ter capacidade de dominar o jogo, de controlar os momentos, de segurar a bola, de tirar o melhor de cada jogador. Portugal passa a maior parte dos minutos a correr atrás do adversário e a confiança dos atletas vai descendo à medida que a frustração por não ser superior ao adversário cresce.

Cristiano Ronaldo, quem mais: veja aqui os destaques do jogo

Ora por isso o que sobra? Ronaldo, pois claro.

A velocidade de Ronaldo, o remate de Ronaldo, a finalização de Ronaldo.

Para já vai chegando, até porque os deuses da fortuna não têm sido ingratos connosco. Basta aliás olhar para a quantidade de ocasiões de golo que Marrocos teve. Sobretudo nos dez minutos finais a pressão da seleção africana em cima da baliza de Rui Patrício chegou a ser asfixiante.

A verdade é que esta tarde a Seleção Nacional raramente teve talento para sair, fartou-se de perder bolas em transições, nunca encontrou forma de explorar bem o contra-ataque.

Jogou pior do que Marrocos mas ganhou. Por isso está quase apurado, sem ainda ter feito um bom jogo, enquanto a equipa africana está eliminada do Mundial depois de duas boas exibições.

Bem-vindos a este Portugal 2.0.