Ricardo Araújo Pereira chegou na sexta-feira a Moscovo para acompanhar o Mundial 2018. O cronista recebeu um convite da Folha de São Paulo para escrever três textos semanais sobre Portugal e o Campeonato do Mundo, convite esse que veio embrulhado numa viagem à Rússia.

Ora depois de um jantar num restaurante que estaria ali entre o arménio e o cazaque, onde se comeu uma borsch e se falou de futebol, Ricardo Araújo Pereira conversou com o Maisfutebol.

«Acredito que Portugal pode ganhar. Acredito que é dificílimo e improvável, mas acredito que sim. E acredito que sim sobretudo por causa do último Europeu. Aquilo que aconteceu no Euro 2016 aproximou-me da Seleção, não por terem ganho, mas por causa daquela atitude», disse.

«Quando Portugal ganha, os jogadores vão buscar a taça e ficam a cinco metros do Presidente da França a cantar e esta merda é toda nossa, olé, olé, aquela desfaçatez é uma maneira de ser português que eu não conhecia e não é frequente. A maneira de ser português é olha, ganhámos, desculpe lá meu amigo, nós vamos já meter a taça no saco. E o que aconteceu ali foi ganhámos, claro que sim, por que é não teríamos direito a ganhar? E esta merda é toda nossa

Ora por isso Ricardo Araújo Pereira está confiante, mas está sobretudo envolvido. O que aconteceu há dois anos encheu-o de um orgulho tão grande que o benfiquista redescobriu a seleção.

«Reclamar a posse do território francês a cinco metros do Presidente da França é um tipo de portugalidade nova e que me agrada muito. É uma espécie de maioridade. Já era tempo de sermos maiores de idade ao fim de 900 anos de vida. É aquela ideia do somos tanto quanto os outros.»

«Cristiano Ronaldo está a tentar por todos os meios derrotar a natureza»

Na análise a esta espécie de nova portugalidade, como diz Araújo Pereira, ganha um destaque enorme Cristiano Ronaldo. O capitão da seleção já perdeu a discrição e o recato há muito tempo.

Por isso o cronista não aceita que se diga que Ronaldo não parece português.

«O que me parece é que Cristiano Ronaldo neste momento é uma espécie de emblema do que é ser português. De um certo tipo de ser português que é novo, mas que tem a ver com isso, que é: eu quero isto e claro que vou consegui-lo. E mais, vou consegui-lo através do meu esforço, através da minha obsessão. Ele é uma coisa absolutamente extraordinária», sublinha.

«As notícias que nós meia volta lemos de antigos colegas que dizem que ir a casa dele é uma chatice, porque ele só quer treinar e dar uns toques, não mas eu ainda estou a comer, diz lá um. Outro quer ir-se embora e o Ronaldo ainda quer ir para a piscina. Este rigor, esta disciplina, esta obsessão em ser melhor a cada dia é admirável. Absolutamente admirável. E ele está a conseguir fazê-lo. Vai ser uma pena quando o corpo não conseguir, mas ele está a tentar por todos os meios derrotar a natureza. É incrível. É possível que ele esteja mais rápido agora do que era há uns anos.»

Parece até alemão?, pergunta-se.

«Eu não sei se ele parece alemão. Ele é, como dizia, o português novo. Nós conseguimos reconhecer-nos nele. Mesmo os nossos defeitos, que conseguem ser encantadores, a gente vê nele: a malandrice, por exemplo. A novidade nele é a vaidade sem vergonha. Ele não tem vergonha nenhuma de ser vaidoso. Nenhuma vergonha», acrescenta.

«E na realidade não há vergonha nenhuma para ter. Até acho que ele é modesto. Se eu tivesse nascido na Madeira, tivesse vindo para Lisboa com onze anos e só à custa do meu esforço tivesse conseguido o que o Ronaldo conseguiu, é pá, eu não me calava. As pessoas dizem ah e tal, é um bocado vaidoso. Não, ele é modesto. Tendo em conta o que ele conseguiu construir, ele é modesto. Eu teria feito uma placa em néon com setas a apontar para mim a dizer: Chegou o maior

«Se o que está em causa é uma taça, eu não quero flores»

Ricardo Araújo Pereira fala, portanto, num novo paradigma, ele que espera comprovar tudo ao vivo nesta segunda-feira, em Saransk: já tem agendado ir ver pelo menos o Portugal-Irão e, mais tarde, o Panamá-Tunísia. Só depois disso regressa a Moscovo, para ver o que se segue.

Enquanto isso, e por falar de novo em Portugal, refira-se que o humorista não tem problema nenhum com o baixo nível exibicional da Seleção Nacional nos primeiros dois jogos.

«A seleção portuguesa habituou-nos no Europeu a ganhar, não jogando um futebol deslumbrante. Ainda ontem o Miguel Esteves Cardoso dizia isso: nós ficamos mais entusiasmados com o empate contra a Espanha do que com a vitória sobre Marrocos. Porque como jogámos mal com Marrocos, ficámos desiludidos. Mas na verdade o que interessa são os pontos e são as vitórias», refere.

«Se formos campeões a jogar todos os jogos como jogámos contra Marrocos, eu compro já. Sou como Fernando Santos, assinava já uma vitória por 1-0 de todos os jogos. Quando gosto de uma equipa, o que eu quero é a taça no museu. Como adepto desinteressado, então ponham-me jogadas lindas. Mas se o que está em causa é uma taça, eu prefiro a taça em vez de flores.»

Até porque, acrescenta, ainda é muito cedo para tirar conclusões definitivas.

Nisto dos Mundiais, é história que está a acontecer, e como história que está a acontecer nós só temos noção dela uns tempos depois de acabar, quando estivermos naquele período de ressaca.

«A gente só descobre o que foi o Mundial duas semanas depois de ter acabado. Nessa altura é que se retém algumas coisas que aconteceram e que ficam para a história. Estou a lembrar-me, por exemplo, daquela fotografia de Maradona marcado por seis belgas. Foi uma coisa que só demos por ela depois do Mundial», sublinha.

«Nesta altura do torneio estamos a apalpar terreno, estamos a tentar ver se o Brasil vem jogar aquele futebol samba ou se vem jogar um futebol que não se distingue dos outros - nesse ponto tem sido uma desilusão, porque o futebol do Brasil não se destaca dos outros -, e estamos a tentar descobrir quem é para já a figura do Mundial: essa não deixa dúvidas, é óbvio que é o Cristiano Ronaldo. E ainda bem. Estou a torcer para que este seja o Mundial do Cristiano, assim como o Mundial de 86 foi do Maradona.»