Hernâni resolve no Bessa, Hernâni resolve no Mar. O homem adora dérbis. Lançado aos 100 minutos por Conceição, o extremo fez o 2-1 final aos 118 e evitou o desempate através de grandes penalidades. Grande jogo, combate de duros, a cair para o lado mais forte.

120 minutos vividos a um ritmo frenético. A lembrar outros tempos, outros filmes. Imaginem uma fita de Charlot, a preto e branco, e os atores num fast forward constante. Ninguém pode parar, ninguém pode abrandar, ninguém pode estragar a cena.

A diferença, enorme aliás, é que este Leixões-FC Porto não foi um filme mudo. Nem por sombras. No Estádio do Mar as gentes cantam até que a voz lhes doa. Foi bonito ver mais de seis mil almas a encher este campo mítico e a evocar espíritos de outras eras.

 

E até o relvado, em mau estado, ajudou a recuperar a identidade dos anos 80 e 90.


FICHA DE JOGO E AO MINUTO DO LEIXÕES-FC PORTO: 1-2

 

Neste corrupio de arte e representação, o FC Porto roubou as primeiras falas. Boa entrada dos dragões, a não facilitarem um milímetro e a empurrarem o Leixões para o seu canto defensivo.

 

 

O golo, logo aos dez minutos, deu a consequência lógica a esse bom arranque. Caros leitores, o passe do pequeno Óliver Torres é um poema à inteligência e ao futebol refinado. Pé direito a picar a bola e a levantá-la por cima da defesa do Leixões. Herrera fez o resto: receção perfeita de pé direito e remate colocadíssimo de esquerdo.

 

Com o estreante Pepe a fazer o jogo 90 de dragão ao peito – 12 anos depois do anterior – e Felipe a limpar tudo o que podia ao seu lado, o FC Porto foi controlando com alguma facilidade o dérbi.

 

Mbemba aguentava-se na direita, Alex Telles respirava na esquerda, mas o avançar dos minutos deixou a equipa de Sérgio Conceição demasiado confortável. Decidiu baixar a intensidade, as linhas e entregar a bola ao Leixões, talvez a pensar que os de Matosinhos não teriam capacidade de fazer estragos.

DESTAQUES DO JOGO: o herói Hernâni e o menino Ofori

 

Os dragões enganaram-se. O golo de Zé Paulo apareceu apenas a 12 minutos do fim, mas ao longo de todo o segundo tempo o Leixões mostrou que podia perfeitamente chatear os campeões nacionais.

 

 

Lawrence Ofori, talento em 170 centímetros, encheu o campo, muito bem acompanhado pelo experiente Luís Silva e pelo lateral Jorge Silva, que foi muitas vezes um extremo.

 

A perceber o filme e a ver a equipa a cair, Conceição ainda lançou Éder Militão. Primeiro para o meio-campo, depois para lateral direito. Mas demasiado tarde. Zé Paulo, reforço de inverno, entrou inspirado e atirou o duelo para o prolongamento que o FC Porto quis evitar.

 

Numa fase em que o calendário aperta como nunca, o Porto teve de fazer horas extras e não deu descanso a uma mão cheia de atletas que tanto dele precisa: Alex Telles e Herrera são os casos mais evidentes.

 

A admirável resposta do Leixões merece um aplauso enorme e levanta uma questão: esta equipa não deveria andar a lutar por posições superiores na II Liga?

 

No prolongamento sofreu fisicamente, sim senhor, até porque o FC Porto passou a fazer o que melhor sabe: pressão altíssima, reação extraordinária à perda, bola nas costas da defesa oposta à procura dos movimentos de Marega. E aí, sem dúvida, o Leixões foi feliz.

 

Foi feliz até numa decisão infelicíssima da equipa de arbitragem. Tiquinho Soares fez golo em posição legal e o árbitro assistente assinalou fora-de-jogo. E ainda há quem critique a existência do VAR – a ferramenta não existe nesta fase da prova.

 

A dois minutos do fim, já com os penáltis à espreita, Hernâni decidiu. Como no Bessa, aqui a poucos quilómetros. O Leixões caiu carregado de alma, o clube merece e tem tudo para voltar rapidamente ao escalão maior: público, história e, agora, uma equipa.

 

O FC Porto segue em frente e vai ter o Sp. Braga como último obstáculo. O Jamor está perto.