O apelido Águas carrega o peso de 482 golos marcados com a camisola do Benfica, mas José e Rui também estiveram do outro lado, e ambos marcaram ao clube que mais vincou as suas carreiras. Na próxima sexta-feira, em jogo da Taça de Portugal, o Benfica voltará a ter um elemento da família Águas pela frente:  Martim, jogador do 1º Dezembro.

A ligação da família Águas ao Benfica começa precisamente do lado oposto do campo. As águias fizeram uma digressão por África depois da conquista da Taça Latina, em 1950, e a 19 de agosto perderam com uma seleção do Lobito (3-1). Jogador do Lusitano local, José Águas foi convocado e apontou dois golos ao clube pelo qual já batia o coração, por influência paterna.

O Benfica agarrou de imediato aquele avançado centro nascido em Angola, que depois representaria o clube durante catorze anos. Que conquistaria dois títulos europeus, seis campeonatos nacionais e sete taças. Que marcaria 379 golos de águia ao peito.

A história de Rui, o filho, já é um pouco diferente. Tinha passado pela formação do Benfica, mas também teve de marcar ao clube do coração para cumprir o sonho de representar a sua equipa principal. E neste caso num jogo a valer.

Depois de passagens por Sesimbra e Atlético, Rui Águas chegou ao principal escalão pela porta do Portimonense, clube que representou entre 1983 e 1985. Logo na primeira época foi titular nos dois duelos com o Benfica, mas não marcou. Na temporada seguinte, porém, disputou o jogo da primeira volta, na Luz, e marcou o tento de honra da equipa algarvia, que saiu goleada (5-1).

«Foi na fase em que me afirmava na Primeira Divisão. O Portimonense fez a melhor classificação de sempre: 5º lugar. Tínhamos uma equipa boa, mas essa visita à Luz não nos correu bem. Fiz um golo ao Bento, na altura o 2-1, e na segunda parte voltei a marcar, mas foi anulado», recorda Rui Águas à MF Total.

«Naquela altura tudo o que era um golo era importante, para um jovem como eu, ainda mais no antigo Estádio da Luz, que ainda estava por fechar», acrescenta o antigo avançado, que não tem dúvidas de que esse golo contribuiu para que o Benfica o contratasse no verão seguinte.

Rui Águas marcou 103 golos de águia ao peito, camisola que vestiu sete épocas, intercaladas por uma passagem polémica pelo FC Porto. Pelos dragões foi adversário do Benfica em mais quatro ocasiões, mas não marcou. O último desses duelos foi a 11 de março de 1990.

Vinte e seis anos depois, a família Águas volta a ser adversária do Benfica, desta vez representada por Martim.

O encontro com a terceira geração

«Foi difícil acreditar. Fiquei em estado de choque durante dois dias, mas foi uma alegria enorme. Vi o sorteio num café, com uns amigos, e fartei-me de correr quando saiu o Benfica», conta o neto de José Águas e filho de Rui Águas.

Curiosamente, o sorteio da 3ª eliminatória da Taça de Portugal foi realizado dois dias depois de Martim ter feito uma tatuagem com a icónica imagem do avô a levantar a Taça dos Campeões Europeus. «Era algo que já estava para fazer há algum tempo. Enviei uma fotografia à minha irmã e ela disse que agora é que ia mesmo calhar o Benfica. Parece que estava mesmo escrito», acrescenta o jogador de 23 anos, que também representou as águias na formação, tal como Sporting, Marítimo, Sp. Braga, Real Massamá e Casa Pia.

 

🙌🏻🙏🏻 avô 🙏🏻🙌🏻 @hugo_bravo_tattoo

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Martim encara o jogo com o Benfica como «um privilégio para qualquer jogador, profissional ou amador», e «uma oportunidade muito boa». «Sinceramente nem se pensa muito no resultado, pensa-se em aproveitar este privilégio de defrontar aqueles craques todos», admite, embora acrescente que «é inevitável sonhar na festa da taça».

E embora seja médio ofensivo e não avançado, como o pai e o avô, será que Martim já perguntou lá em casa qual a sensação de marcar ao Benfica? «Ainda não, mas é uma boa pergunta para fazer ao meu pai. Já pensei nisso, claro, mas não estou com a expectativa assim tão alta, até porque prefiro pensar no que a equipa pode fazer. É assim que me guio em todos os jogos, pois assim as coisas aparecem com naturalidade», responde.

«Mas é claro que já imaginei esse momento, como todos os meus colegas já devem ter imaginado. Mas ainda está tudo um bocado enevoado. Acho que a primeira coisa que fazia era meter as mãos à cabeça», diz.

A ansiedade é tão evidente quanto natural, mas Rui mistura a experiência de antigo jogador e agora treinador com os cuidados de pai: «É claro que não é só mais um jogo. Toda a gente o sabe e sente. Mas a mensagem é tirar o máximo partido do jogo, para que seja um dia feliz e proveitoso, e não o contrário. É uma data para aproveitar e não para sofrer».

O antigo internacional português, que vai assistir ao encontro no Estoril, acredita que o filho «joga o suficiente para dar também uma ideia da qualidade que existe nestes escalões inferiores».

Carreira em equação

Para Martim esta é uma fase crucial do percurso desportivo. Depois de passagens por Casa Pia e Vitória de Sernache, já como sénior, o médio de 23 anos sente que o profissionalismo tem de chegar em breve.

«Houve um ano ou outro em que não estive cem por cento focado no futebol, para manter os estudos. Agora congelei a minha matrícula na universidade (Línguas, Literaturas e Culturas). Falta um ano mas estou a dar o máximo para conseguir chegar a profissional», explica-nos.

«Este ano e o próximo são muito importantes. Não vou jogar até aos 30 e tal anos se não chegar a profissional entretanto. Tenho noção que há vida para além do futebol, e a carreira de jogador já é curta. Se não der o salto nos próximos anos tenho de fazer-me à vida e acabar o curso», acrescenta.

Martim sempre teve de viver com o legado da familia, mas diz que este «já foi mais pesado». «Hoje em dia já me abstraio um pouco, até porque não tento encará-lo como uma responsabilidade. Não seria justo. Apesar de todo o orgulho que tenho no nome que carrego, e naquilo que o meu pai e o meu avô fizeram, não me sinto obrigado a seguir essas pisadas. Sinto-me obrigado a seguir um sonho, que por sinal é o mesmo. Mas sempre com os pés assentes na terra, e a tentar trilhar o meu próprio caminho», conclui.