25 de Janeiro de 2004. Noite. As televisões da redacção ligadas com as imagens do V. Guimarães-Benfica. Um cartão amarelo. As mãos nos joelhos. A queda desamparada. O drama intensifica a velocidade, em flashes fotográficos no meio de um silêncio profundo. O aparato que se gera intensifica o choque. Sokota de volta de Miki. Todos de volta de Miki. Todos tentamos sentir-lhe o pulso. A ambulância, os aplausos a dar força.

Seis jornalistas, se a memória não me trai, param de escrever e esquecem o resto do mundo. A Irene, hoje na TVI, chora convulsivamente. Acho que a Magda também. Estaria a Cláudia lá? Acho que sim. Ou seria a Mary? Talvez a Mary... Os rapazes ficam em silêncio. Todos têm consciência do que está a acontecer. Todos têm consciência das probabilidades, apesar de não as dizerem em voz alta. Lembro-me que abanei dez vezes a cabeça e amaldiçoei essa negação por ter medo que influenciasse o destino. Era eu quem estava a editar o Maisfutebol nesse dia.

O Nuno Madureira já tinha pedido ao Filipe Caetano, hoje na TVI24, para ir para o hospital atrás de Fehér. Mesmo não estando ali reagiu antes de mim. Sei que o Luís Sobral andava pelo Porto, mas não sei porquê. Chegaria horas depois, quando o país já estava de luto. A notícia foi muitas vezes oficiosa sem ser oficial. Nas TV e nas rádios, sobretudo. Uma e outra vez. O Filipe já me tinha ligado e dito várias vezes que era certo, que já lhe tinha confirmado um médico. Mas segurei a informação nas mãos. Mesmo que tivesse dez fontes a dizer o mesmo só escreveria quando fosse oficial. Uma notícia tão dura assim tinha de ser oficial. Era sério de mais para haver precipitações. Quando fosse seria, não antes. Não há nenhum furo jornalístico na morte.

Não estava nenhum webdesigner naquela altura na redacção. Tinha de ser eu a preparar a manchete. Nem de isso me livrava. Pesquisei uma foto e encontrei a que fazia sentido. Naquela altura ainda se escrevia por cima, com a ajuda do Photoshop. Teclei «Que susto, Miki» para enganar a sorte. Não gravei. Deixei-a ficar ali a marcar aquela encruzilhada da vida. Sem que mais alguém ouvisse, pedi ao Paulo Pedrosa, hoje na SportTV, para actualizar um texto antigo sobre as mortes em campo. Mas sem escrever ainda alguma coisa do que se passava. A sua missão era apenas recuperar o artigo e deixá-lo pairar no ecrã. As lágrimas continuavam, o silêncio também, prolongado pelas poucas teclas que batiam.

Vinha aí o relatório que tornava tudo numa verdade dolorosa. Voltei a abrir a manchete e gravei-lhe por cima o que escreveria a um amigo. Não pestanejei. Que mais poderia escrever? «Até sempre, Miki!». Segundos depois, estava online. O adepto fechava-se sobre si mesmo e reagia o jornalista. Do outro lado da mesa, ainda se chorava. Mandei-as para casa, já não me lembro se foram ou não. Espero que tenham ido.

Choveram milhares de comentários. O trabalho prolongou-se até de madrugada. Fez-se um site especial. A Irene representaria o Maisfutebol no funeral, em Gyor, na Hungria. A frase martelou-me na cabeça dias e dias depois. Não o conhecia, mas conhecia-o. «Até sempre, Miki». Que mais poderia eu escrever?

P.S. O adeus a Miki foi um momento de intensidade única que marca sempre, mas em nove anos e meio acontece muita coisa. O pouco patriotismo que há em mim arrepiou-se da ponta dos dedos às orelhas com os milhares que encheram a Luz na final do Euro-2004. Vibrei com Mourinho, Milito e o resto do Inter na final da Champions deste ano do Bernabéu. Entrevistei Pauleta em Bordéus, Peter Schmeichel em Copenhaga, Paulo Sousa em Barcelona, Arsène Wenger em Coimbra e, entre muitos outros, Tiago em Madrid. Acompanhei como profissional a era de ouro do desporto português. E apesar da responsabilidade do nascimento deste site não ser minha tenho muito orgulho em poder dizer de peito feito: o Maisfutebol também sou eu!