Luiz Felipe Scolari termina 2004 como o homem que levou a selecção portuguesa ao ponto mais alto do seu historial e entra em 2005 como o homem que pode cumprir o percurso mais tranquilo de sempre na qualificação para um Campeonato do Mundo. O seleccionador de Portugal viveu um ano em cheio, tanto mais que o seu discurso populista, música para os ouvidos lusos na euforia folclórica do Europeu, o transformou em herói nacional ¿ com condecoração presidencial e tudo ¿ durante esse Verão quente.
Curiosamente, este gaúcho de 56 anos deixou também expostos, ao longo do ano, todos os defeitos que lhe tinham sido apontados antes da consagração. Mas, com os resultados a ajudar, quase toda a gente transformou defeitos em virtudes e deu a Scolari todo o crédito que ele reclamou.
Olhando friamente, durante o Europeu, o mérito maior de Scolari, depois de um início desastroso com a Grécia, foi dar o braço a torcer - sem o assumir em público, que Felipão não gosta de dar sinais de fraqueza. Deixando cair as ideias que tinha defendido ao longo de ano e meio, para aplicar, em contra-relógio, alguns dos ingredientes do sucesso recente do F.C. Porto, logo a partir do segundo jogo, com a Rússia, Scolari ganhou uma equipa pressionante e rejuvenescida e levou um povo atrás, sabendo repartir o sucesso na altura certa.
Não é mérito pequeno, tanto mais que, em campo, o improvável símbolo da «nova» selecção se revelava ser o ex-proscrito Maniche. A explosão de Ronaldo (que Scolari garantira não ir acontecer, pouco antes do início da prova) e o inegável «olho clínico» em substituições abençoadas ajudaram a cumprir um percurso de sonho. Até à meia-final, cinco dos seis golos lusos vieram do banco. E foram Maniche e Ronaldo a carimbar, com a Holanda, a presença no jogo mais importante da história do futebol português.
As críticas após a segunda derrota com a Grécia (recusa em apostar em dois homens de área na parte final do jogo, aposta excessivamente demorada num Pauleta fora de forma) foram atenuadas pela certeza de que nunca se tinha ido tão longe como até aí. A equipa que acabou o Europeu era suficientemente rejuvenescida para encarar com confiança o desafio do Mundial-2006, a tal ponto que nem as despedidas de Rui Costa e Figo se tornaram factor de preocupação para as etapas seguintes.
Os jogos seguintes confirmaram que o rumo estava certo e a escolha do elenco globalmente correcta, fora um ou outro caso para alimentar as discussões de café. E o humilhante empate com o Liechtenstein, na sequência de uma das mais desmazeladas exibições de sempre de uma selecção lusa, foi compensado quatro dias depois, com a arrepiante demolição da Rússia, em Alvalade, num jogo em que Portugal atingiu níveis de eficácia nunca antes vistos e em que Scolari voltou a demonstrar que lida pior com as críticas do que os seus jogadores.
Para todos os efeitos, este devoto da Senhora do Caravaggio é uma das figuras incontornáveis de um ano de gratas recordações. Com qualidades evidentes na consolidação de um grupo, com um populismo que marca pontos em momentos de pouca racionalidade, Scolari entra no seu terceiro ano de seleccionador com uma imagem muito mais consolidada do que no início. Na História da Selecção são poucos os que se podem gabar disso.