Quarta-feira, 24 de Abril de 1974. O Sporting defrontou o Magdeburgo, na Alemanha (Oriental), a antiga República Democrática Alemã, em jogo das meias-finais da Taça dos Vencedores das Taças. Os leões perderam 1-2 e foram eliminados depois de, na primeira mão, em Alvalade, terem consentido um empate (1-1). Com a desilusão na bagagem, a comitiva sportinguista iniciou a viagem de regresso a casa. Em Portugal, às 22h55, a transmissão dos Emissores Associados de Lisboa da canção «E depois do Adeus», interpretada por Paulo de Carvalho, era a senha para o arranque de uma operação militar...
Quinta-feira, 25 de Abril de 1974: 00h20. O programa Limite, da Rádio Renascença, transmitiu a canção «Grândola Vila Morena», de José Afonso. Estava feita a (contra-)senha que confirmava ao Movimento das Forças Armadas (MFA) que a Revolução está em marcha e é irreversível. O golpe de Estado que pôs fim ao Antigo Regime dava os primeiros passos nas ruas de Portugal e, sobretudo, em Lisboa, com a ocupação dos principais pontos-chave da capital.
No centro da Europa, entretanto, o Sporting viajava entre Alemanhas, da Oriental para a Ocidental, e foi neste percurso, longe de casa, que a comitiva leonina tomou conhecimento do que se passava em Portugal. «Tivemos conhecimento quando estávamos já a fazer a viagem da Alemanha Oriental para a Alemanha Ocidental», contou Fernando Tomé, antigo jogador do Sporting, ao Maisfutebol. «Mandaram-nos parar o autocarro», prosseguiu Tomé, na continuação do relato da epopeia leonina: «O Sr. João Rocha ia à frente, mandou encostar o autocarro, dirigiu-se lá dentro e, depois, disse a toda a gente que tinha havido um golpe de Estado em Portugal.»
«Milhares de mortos e centenas de feridos»
Contou Tomé que a «apreensão foi grande», com todos a exprimirem as suas opiniões, mesmo que «umas mais abalizadas do que outras, como é normal». Vitorino Bastos, outros dos jogadores da comitiva, contou um dos exemplos: «Estávamos na desportiva, Isto deve ser tanga!» «Ninguém acreditava que havia um golpe de Estado em Portugal. Não imaginávamos uma coisa daquelas, pois não estávamos preparados. Principalmente, porque não tínhamos contacto com a família», confessou.
«Mas quando chegámos à Alemanha ocidental, a Frankfurt, aí é que ficámos mais preocupados porque nos foi transmitido que a BBC estava a dizer que havia milhares de mortos e centenas de milhar de feridos», confessou Tomé, sem esconder, porém, que houve outros momentos que acabaram por quebrar a tensão: «Um dos acompanhantes que ia connosco teve a expressão Oh ..., deixei o meu carro na baixa. Não se preocupou com a família, preocupou-se foi o carro estar todo partido.»
«De Frankfurt, viemos de avião até Madrid e depois de autocarro até Badajoz», pois, «as fronteiras aéreas estavam fechadas», explicou Bastos. Uma viagem «turbulenta» no que respeitou ao descanso e à alimentação, mas, como relembrou Tomé, o pesadelo não terminou logo: «Chegámos à noite, fomos directos à fronteira do Caia e como é evidente não conseguimos passar.» De volta a Badajoz, «os hotéis estavam todos cheios, não havia lugares e alguns de nós tiveram de dormir no autocarro durante a noite», recordou Bastos.
Tomé foi um dos que não teve tanto azar e recuperou o relato: «Eu e o Zezinho fomos os últimos a ir para o hotel, eram quatro-e-meia, um-quarto-para-as-cinco da madrugada. Às oito da manhã estava tudo na fronteira para poder passar.» «O presidente João Rocha contactou com a Cova da Moura, com o general Spínola e com os elementos das Forças Armadas que estavam no local e conseguiu então uma aberta para podermos entrar [em Portugal]. Entrámos então a meio da manhã de 26 [de Abril]», explicou o antigo médio leonino.
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