O encadeamento de circunstâncias que viria a resultar na maior tragédia do futebol italiano do século XX, agora contada em documentário, começou dois meses antes do fatídico acidente de Superga. Mais precisamente, a 27 de fevereiro de 1949, quando a seleção italiana, com seis jogadores do Torino no onze, goleou a portuguesa, em Génova (4-1).
O capitão de Portugal era Francisco Ferreira, o de Itália, Valentino Mazzola. Dos contactos que mantiveram antes e depois do jogo nasceu uma relação de respeito e amizade, reforçada pela sondagem do presidente do Torino, o comendador Ferruccio Novo, que mostra interesse em levar o médio português para o «calcio».
Daí à formulação do convite foi um curto passo: em maio, Francisco Ferreira iria ser alvo de um jogo de homenagem por parte do seu clube, o Benfica. O Torino era o adversário ideal. Entre avanços e recuos, motivados pelo facto de o título italiano estar em fase decisiva, Novo concorda com a data de 3 de maio.
A 1 de maio, 24 horas depois de um empate com o Inter que lhe deixa as portas do pentacampeonato escancaradas, aquela que é para muitos a melhor equipa europeia do momento, aterra em Lisboa, liderada pelo treinador inglês Leslie Livesley. Dois dias mais tarde, perante 40 mil espectadores, as equipas protagonizam um grande jogo no Jamor, com vitória do Benfica por 4-3. Em seguida, confraternizam no Parque Mayer.
A 4 de maio, a visibilidade é reduzida nos arredores de Turim. Quando o Fiat-G212 da ALI faz a aproximação, embate numa catedral e provoca a morte imediata dos seus 31 ocupantes: 18 jogadores, dez dos quais internacionais italianos, seis dirigentes e técnicos, três jornalistas e quatro tripulantes. A tragédia deixa Itália em choque, e são mais de 500 mil a acompanhar os funerais, que se realizam a 6 de maio.
A federação italiana decide atribuir o título ao Torino, que na altura do acidente liderava com quatro pontos de avanço sobre o Inter. Nas últimas quatro jornadas, o clube das camisolas grenás alinha com a equipa júnior, e o mesmo fazem os seus adversários. Um ano depois da tragédia, é uma Itália dizimada e desmoralizada que viaja de barco para o Brasil, onde participa sem brilho no Mundial, sendo eliminada na primeira fase. Faltam-lhe Bacigalupo, Ballarin, Rigamonti e Castigliano, entre outros. Mas principalmente Valentino Mazzola, ídolo, goleador e capitão, o melhor da sua geração.
Após Superga, o Torino perde o estatuto de maior clube italiano. Depois, deixa mesmo de ser o maior da cidade de Turim, perdendo terreno para o poderio da Juventus. Em 1959, dez anos depois da tragédia, desce pela primeira vez à Série B. Só em 1976 o «Toro» volta a ganhar um «scudetto» de enorme carga emocional. Mas o Grande Torino não volta mais: parte antes das transmissões televisivas e dos troféus europeus de clubes. Demasiado cedo para deixar no futebol europeu uma marca tão forte como a que deixou nos adeptos do «calcio».
Veja o trailer do documentário «Benfica-Torino, 4-3»: