«Sakho desiludiu-me, desiludiu-me face ao que ele disse sobre mim recentemente. Mas o futebol é assim, ele deu a sua opinião. É assim a vida, não importa»

Franck Ribéry não gostou de saber que Mamadou Sakho votaria em Cristiano Ronaldo para a Bola de Ouro. Ao defesa, de nada adiantou dizer que o seu voto de coração iria para o compatriota. Jamais iremos saber o que ele faria, ou poderia fazer, se de facto votasse.

Nem quero imaginar o que aconteceria ao pobre Sakho se não tivesse saído do Paris Saint-Germain em setembro. Zlatan Ibrahimovic estaria em cima dele.

Thiago Silva colocou o sueco em segundo lugar, atrás de Messi, mas chegou a pensar no primeiro. Ronaldo ficou para o fim do pódio. «Ele não conquistou títulos no ano passado», justificou o capitão do Brasil.

Como se isso fosse argumento válido, per si. Quando vejo um pano gigante de Victor Fernández no Estádio do Dragão, por ter vencido a Taça Intercontinental, percebo que a glória é não raras vezes uma questão de timing. Estar no sítio certo à hora certa.

Adiante. Podemos criticar a FIFA, que se coloca a jeito diariamente, mas é demasiado fácil. Óbvio até. Casillas está na lista para melhor guarda-redes do ano e isso basta. Fica o essencial: a Bola de Ouro deixou de fazer sentido nos moldes atuais.

Não se trata de uma ode a Cristiano Ronaldo. Michel Platini acha que a FIFA está a emendar a patetice de Blatter com o prolongamento do prazo e o defensor de CR7 irrita-se: ultraje! Mas pensar o contrário, encontrar ali uma forma de prejudicar ainda mais Ronaldo, é um exercício complexo.

Pormenores. Hoje em dia, um voto para a Bola de Ouro é como um voto para o delegado de turma. Ia fazer outra analogia, recordando o Festival da Canção, mas entretanto lembrei-me que os portugueses mandaram os Homens da Luta para a Eurovisão em 2011. A liberdade de escolha é assim.

Voltemos então ao exemplo anterior. O delegado de turma raramente é o mais competente para o cargo. Um adolescente não pensa nisso. Nomeia o mais popular, o amigo. Se não é amigo, gostaria que fosse.

A lógica propaga-se ao longo da vida estudantil. O delegado, o tipo porreiro, ganha tarimba – um termo fantástico – e toma-lhe o gosto, ganha apoios, segue-se a associação de estudantes e até o cargo supremo: o presidente da Associação de Estudantes. Meio caminho andado para a política.

Os anos passam, o tipo aparece nos jornais e damos por nós a pensar: «Afinal, porque é que votámos nele? No fundo, por ser um tipo do caraças. Tolo, mas um gajo porreiro.»

É assim na política estudantil, na outra que parece ainda ser, no mundo de trabalho, no quotidiano. No fundo, a culpa é de cada um de nós.

A malta não quer arranjar chatices. E quando falo em malta, recordo os meus colegas de escola e todos os outros. O profissional de futebol, homem feito e independente, entra na onda. O voto obedece a um conceito de proximidade.

Este ano, haverá pouco espaço para dúvidas, imagina-se. Porém é urgente repensar a lógica. Sobretudo, esquecer a ideia de que o problema é dos outros, da FIFA, dos amigos de Messi, dos que tem medo de Ibrahimovic e dos compadres de Ribery.

Na edição anterior, Bruno Alves votou como capitão de Portugal, puxou por Ronaldo e deixou Messi fora do pódio. Paulo Bento deu o terceiro lugar ao argentino. Estamos fortes mas nem sempre chega. Os outros podem ter mais amigos que nós.

Entre Linhas é um espaço de opinião com origem em declarações de treinadores, jogadores e restantes agentes desportivos. Autoria de Vítor Hugo Alvarenga, jornalista do Maisfutebol (valvarenga@mediacapital.pt)