O Maisfutebol desafiou os jogadores e treinadores portugueses que atuam no estrangeiro, em vários cantos do mundo, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

EDUARDO ALMEIDA, T-TEAM (MALÁSIA)

«Olá a todos.

Será que o futebol é igual em todo o lado?

Cá estou a escrever novamente, desta vez para abordar um pouco as diferenças entre Ásia e África, a nível cultural e desportivo. Ao recordar o passado e analisar o presente, considero que existem diferenças entre treinar nos dois continentes.

Em África, conheço bem a realidade de Tanzânia e Quénia. Penso que não diferente muito da maioria dos outros países. Por norma, são países pobres em que o futebol é pura paixão. O jogador africano tem talento e o futebol para ele é tudo. Jogar fora de portas é o sonho de qualquer um.

Na Ásia, o jogador tem mais em atenção a parte monetária. Muitas vezes vai para equipas inferiores, nomeadamente a segunda divisão em vez da primeira, para ganhar mais dinheiro. Em África todos querem jogar nos chamados clubes grandes. Existe aqui uma diferença na forma como os jogadores estão no futebol.

Em África o jogador encara o treino com paixão. Tenta aprender, está sempre disposto a treinar, parece que nunca se cansa. Na Asia é mais complicado manter o gosto e a vontade do atleta em se focar no treino. Para mim, penso que é mais fácil introduzir ideias em África do que na Ásia.

Os próprios treinadores locais em África tem a mente mais aberta, gostam de aprender. Aqui é mais difícil, regem-se muito pelas suas ideias e inserir algo é complicado. Existe alguma resistência à entrada de estrangeiros, ao contrário do que acontece no continente africano, onde cada vez mais gostam de trabalhar connosco. 

Estas são algumas diferenças, mas há outras como a logística, por exemplo. Aqui há tudo, enquanto em África, por vezes, até é dificil ter bolas para treinar. Por isso, também o treino por vezes tem de ser diferenciado e adaptado à realidade em que estamos.

Já que falei em logística vou só contar uma pequena história de uma viagem que fiz com a minha equipa para jogar na cidade de Mbwea, na fronteira entre a Tanzânia e Moçambique.

O início da viagem estava previsto para as 6 da manhã mas só arrancámos às 9. Era uma viagem de 18 horas e seria feita, segundo o plano, num autocarro de 40 lugares, com ar condicionado, etc. O autocarro que arranjaram só tinha 20. Lá fomos quatro em pé.

Iniciámos um verdadeiro safari, passando por reservas e por selvas. Ainda nos atrasámos mais vinte minutos porque uma senhora girafa (sim, uma girafa mesmo) não queria sair do caminho. É complicado mas não deixa de ser lindo observar estes animais.

A viagem foi um tanto ao quanto louca mas o melhor estava para vir.

No dia do jogo fomos no nosso autocarro para o estádio. Lá chegados, o motorista começou a fazer manobras para entrar de marcha atrás. Pensei que haveria pouco espaço lá dentro, mas enganei-me. Entrámos de marcha atrás, demos duas voltas ao campo, numa pista de terra batida, e parámos. Parámos mas ninguém podia sair do autocarro.

Porquê? Voodoo. Tínhamos de esperar que o senhor do voodoo fizesse o seu trabalho. Só que estava um calor insuportável e decidi sair antes. Moral da história? Perdemos por 1-0 e parecia que a bola não queria entrar. Nunca tinha visto algo assim.

Não sei se o voodoo existe mas sei que algo de estranho se passou nesse dia. Essas situações são frequentes em África e é algo a que nos temos de adaptar, faz parte da vida das pessoas.

Devo dizer que adorei a minha passagem por África. A Tanzânia é um país lindo e com muito talento por ali perdido. Há muitos jogadores de qualidade e para mim um está acima da média: Mbwanna Samatta. Foi o melhor marcador da CAF este ano, nomeado para melhor jogador africano a actuar em África e internacional pelo seu país.

Penso que é um nome a reter. Hoje joga no TP Mazembe do Congo mas tem qualidade para jogar na Europa, em equipas de topo. Há uns anos indiquei o Mbwanna Samatta ao Benfica. Porém, na altura, não foi possível devido a problemas com vistos.

Acho que os clubes portugueses deviam ver este e outros talentos que surgem nesses países. Não coloco em causa a qualidade do jogador português, que é imensa, mas se for um atleta de fora que possa trazer mais qualidade, deve sempre ser bem vindo.

Um abraço e até breve,

Eduardo Almeida»