Em ano de múltiplas crises nos históricos do futebol brasileiro (Corinthians, São Paulo, Flamengo, Fluminense, Internacional, Vasco…), houve um campeão inesperado que agarrou o título a cinco jornadas do fim.

À 34.ª jornada, a cinco rondas do fim, o Cruzeiro festejou o título brasileiro, com grande vantagem pontual sobre o Atlético Paranaense, Grêmio, Goiás e Botafogo.

Um arranque de época em grande estilo deu à Raposa uma vantagem tão confortável como inesperada. E nem uma clara desaceleração no entre setembro e outubro comprometeu o título.

A recuperação da equipa de Marcelo Oliveira, sobretudo o triunfo claro ao Grêmio (3-0), no passado domingo, tirou as últimas dúvidas. 

O Cruzeiro festeja com o maior número de vitórias, o melhor ataque e a segunda melhor defesa (só atrás do Corinthians).

Lideranças cíclicas

Miguel Lourenço Pereira, editor da «Futebol Magazine», tem-se dedicado à história do futebol internacional e publicou recentemente o livro «Noites Europeias», em co-autoria com João Nuno Coelho.

Em declarações ao Maisfutebol, este jornalista e historiador aponta as razões que podem explicar esta vantagem confortável do Cruzeiro: «Sobretudo a grande dificuldade do futebol brasileiro em criar ciclos de hegemonia largos. A rotação nas posições cimeiras do Brasileirão de ano para ano tem mais a ver com a perda recorrente de figuras influentes e do enfoque que os clubes dão à Libertadores, muito por cima da renovação do título, do que propriamente pela competitividade da competição. Tanto o Atlético Mineiro como o Fluminense, o São Paulo e o Corinthians, equipas que têm melhores planteis que a Raposa pagaram este ano preço dessa instabilidade e estão muito longe do que podem e devem fazer. Essa realidade permite a equipas como o Cruzeiro, sem ambições particulares, ser mais regulares na liga, o que lhes dá um bom colchão emocional, tal como o Flu teve no ano passado quando o Atlético Mineiro quase se aproximou no fim.»

A força do coletivo

O sucesso do Cruzeiro mostra como é importante, numa prova de longo prazo como é o Brasileirão, ter um coletivo coeso, mesmo que ele não exiba grandes estrelas.

Miguel Lourenço Pereira destaca: «É um plantel sem grandes estrelas como tinham o Fluminense e o Atlético Mineiro no ano passado (Fred, Nem, Deco, Ronaldinho, Jô, Bernard), que apesar de ter o melhor ataque da prova não tem um só goleador entre os 15 primeiros da liga. Funciona, sobretudo, como um coletivo compacto e regular e tem aquele que é para mim um dos guarda-redes mais em forma da América do Sul, o excelente Fábio. Também merece destaque a surpreendente época do Everton Ribeiro e o jovem Lucas Silva».

A referência a Everton Ribeiro é, de facto, inevitável. O médio-ofensivo, de 24 anos, tem sido uma das grandes figuras deste Brasileirão, liderando os diferentes rankings de pontuação feitos pelos media brasileiros. 

A explicação: presença constante, titularidade indiscutível, regularidade impressionante nos desempenhos individuais. Contratado ao Coritiba, é produto das camadas jovens do Corinthians, mas nunca vingou na primeira equipa do Timão e andou emprestado ao São Caetano até conseguir firmar-se como titular Coritiba e, agora, Cruzeiro. 

Experiência e irreverência

Mesmo sem grandes estrelas, o plantel do líder destaca d o do Brasileirão mostra uma junção de experiência e irreverência. 

Há nomes firmados com muita rodagem no futebol brasileiro e até internacional ( Júlio Baptista , Borges , Dedé ou Tinga , que chegou a passar pelo Sporting entre 2003 e 2005, jogando mais tarde na Alemanha, no Borussia Dortmund), mas há também uma ponta de irreverência, em jogadores mais novos que pretendem mostrar no Cruzeiro que têm condições de chegarem aos maiores emblemas (Luan, Everton Ribeiro, Lucas Silva, Nilton, Bruno Rodrigo, Eliandro, Ricardo Goulart).

A grande reformulação feita em relação à época passada (cerca de 70% da composição do plantel foi alterada) parece ter dado certo, com a injeção de sangue novo a dar resultado.

No entanto, com a garantia do título brasileiro e já a certeza da presença na Libertadores 2014, os dirigentes do clube mineiro já desenham eventuais contratações para se prepararem para os novos objetivos que aí vêm.


A afirmação de Ricardo Goulart

Se Everton Ribeiro tem sido o elemento mais regular, a grandes revelações estão a ser Lucas Silva e Ricardo Goulart.

Aos 20 anos, Lucas Silva é uma das surpresas deste Brasileirão. Produto da base da Raposa, rodou no Nacional de Pato, também em Minas Gerais. É o «queridinho da torcida» e as suas exibições já levaram o Cruzeiro a «blindá-lo», com um ajustamento contratual acordado há semanas.

Também Ricardo Goulart é um nome a seguir com atenção. O jovem avançado, de 22 anos, formado no Santo André, foi dispensado do Internacional de Porto Alegre. O Colorado emprestou-o, no ano passado, ao Goiás, e no início de 2013 o Cruzeiro apostou nele. Em boa hora: Ricardo Goulart é o melhor marcador da equipa, com oito golos.

Dá para entrar no «top 20», mas nem sequer chega para constar nos 15 melhores goleadores da prova, um claro indicador do protagonismo partilhado com que o Cruzeiro tem encarado a época.

Atua como médio-ofensivo e como segundo avançado, tem agressividade, bom toque de bola e capacidade concretizadora.

O dedo de Marcelo Oliveira

Marcelo Oliveira é um técnico com um percurso discreto no futebol brasileiro. Mas atingiu uma glória inesperada, com o título brasileiro de 2013 no horizonte. Inesperada, talvez até para ele…

«No Brasil, infelizmente, o papel do treinador continua a ser excessivamente subvalorizado e isso nota-se na instabilidade geral das equipas e na constante rotação de técnicos e o próprio Marcelo tem sido vítima disso apesar do bom trabalho geral que deixou para trás. Tem sido fundamental no sucesso do Cruzeiro, sobretudo porque montou uma equipa muito sólida, sem estrelas, capaz de aguentar muito bem a pressão e isso que chegava com a desconfiança habitual dos adeptos pelo seu passado no Atlético», explica Miguel Lourenço Pereira. 

O ano da graça do futebol mineiro

Em ano de Atlético Mineiro campeão sul-americano, o Cruzeiro acaba de se sagrar campeão brasileiro. O que é que o futebol mineiro está a fazer de especial para isto acontecer? 

Para o editor da «Futebol Magazine», isso decorre, essencialmente, do falhanço do futebol paulista: «O sucesso mineiro deve-se em grande parte à profunda crise do futebol paulista, historicamente o mais forte do país, e de todos os seus clubes, e da incapacidade dos clubes do Rio de darem a volta a uma situação de problemas financeiros que já tem vários anos. Essa realidade permitiu às equipas do Rio Grande do Sul e de Minas de recuperarem um pouco o estatuto perdido nas últimas décadas. Em Minas há um importante investimento financeiro que ajuda a explicar esta recuperação, para ambos os clubes, sobretudo através do BMG, que também tem agora uma parceria estratégica com o FC Porto.»

Mesmo estando longe da tradição desportiva dos maiores emblemas brasileiros, o Cruzeiro é o maior clube do país fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo. Um dado que pode ajudar a explicar esta liderança inesperada: «O Cruzeiro, também é preciso não esquecer, é o maior clube do país fora do eixo Rio-Sampa e tem uma excelente infraestrutura de base que lhe permite manter-se com condições para discutir todos os anos as primeiras posições do Brasileirão», recorda Miguel Lourenço Pereira.

A goleada do Cruzeiro ao rival At. Mineiro