A primeira estrela dos Mundiais de futebol chamava-se Conte Verde. Tinha 170,5 metros de comprimento, pesava 18,765 toneladas e tinha duas vistosas chaminés. Não se lhe conhecem grandes capacidades para lidar com a bola, e no entanto, sem ele a história do futebol mundial seria completamente diferente. Construído nos estaleiros de Glasgow, em 1923, este transatlântico transferiu-se para a linha Génova-River Plate nos primeiros anos de vida. E foi com esse estatuto que, no seu 7º aniversário se tornou um dos grandes protagonistas do primeiro Campeonato do Mundo de Futebol, nascido do sonho ambicioso do francês Jules Rimet, presidente da FIFA.

Rimet, acompanhado pela filha, foi um dos passageiros que embarcaram em Villfranche-sur-Mer, primeira escala do Conte Verde depois da partida de Génova a 19 de Junho de 1930. A bordo já estava a selecção romena, escolhida por decreto pelo Rei Carol, depois de sucessivas demonstrações de incompetência por parte dos responsáveis da federação. Em França, a 21 de Junho, os romenos ganharam a companhia dos belgas, jugoslavos e, claro, da selecção francesa.

Com capacidade para 640 passageiros, o Conte Verde recebia um contingente de 100 gloriosos futebolistas pioneiros, com a missão de não deixar morrer o sonho de Rimet. Depois dos boicotes de Inglaterra, Alemanha e Espanha, entre outros países europeus, o Mundial corria o risco de morrer à nascença se não houvesse delegações europeias dispostas a cumprir as quase duas semanas de viagem rumo a Montevideu, sede escolhida para o primeiro tira-teimas planetário do pontapé na bola.

A viagem não teve grande história, para os padrões da época, mas recordada agora reveste-se de pormenores deliciosos. Algumas fotos nebulosas mostram os jogadores exercitando-se no convés e no acanhado ginásio de bordo - foi necessário organizar turnos para que todas as selecções pudessem pelo menos desentorpecer os membros ao longo da viagem. Os restantes passageiros divertiam-se com o espectáculo, debruçados nos varandins.

A Taça do Mundo viajou tranquila e anonimamente numa das malas de Jules Rimet. O francês, nos tradicionais festejos pela passagem do Equador, confraternizou com as quatro selecções, com a filha pela mão. A 29 de Junho, o Conte Verde atracou no Rio de Janeiro, recebendo a bordo a sua quinta selecção, o Brasil. Seis dias depois, finalmente, a chegada a Montevideu, onde a 13 de Julho o Mundial arrancou com uma goleada da França sobre o México (4-1).

Sobre o sucesso do Mundial não vale a pena escrever aqui. Mas talvez valha a pena recordar o aventuroso resto de vida do transatlântico, que não ficou no Uruguai para ver a celeste levantar a Taça. Em 1932, o Conte Verde transferiu-se para o percurso Trieste-Xangai, não voltando a cruzar-se com a história do futebol. Em 1937 sobreviveu a um furacão ao largo de Hong Kong. Em 1940, já com a II Guerra Mundial em pleno curso, o navio atracou de vez em Xangai, passando a funcionar como transporte de prisoneiros entre a China e o Japão, em obediência a uma requisição do governo japonês.

Em 1943, depois da capitulação italiana diante dos Aliados, a tripulação decidiu afundá-lo antes que caísse nas mãos dos japoneses mas estes recuperaram-no, transformando-o num navio de transporte de tropas. Por pouco tempo: em 1944, um raid aéreo dos americanos afundou o antigo transatlântico ao largo de Maizuru. Quatro anos depois da guerra, os restos do navio foram retirados do fundo do mar. Desmantelado e refundido, o Conte Verde teve então a sua derradeira e menos romântica morte, enquanto o Mundial, superado o travão da guerra, entrava em velocidade de cruzeiro, a caminho da glória eterna.