Rimet, acompanhado pela filha, foi um dos passageiros que embarcaram em Villfranche-sur-Mer, primeira escala do Conte Verde depois da partida de Génova a 19 de Junho de 1930. A bordo já estava a selecção romena, escolhida por decreto pelo Rei Carol, depois de sucessivas demonstrações de incompetência por parte dos responsáveis da federação. Em França, a 21 de Junho, os romenos ganharam a companhia dos belgas, jugoslavos e, claro, da selecção francesa.
Com capacidade para 640 passageiros, o Conte Verde recebia um contingente de 100 gloriosos futebolistas pioneiros, com a missão de não deixar morrer o sonho de Rimet. Depois dos boicotes de Inglaterra, Alemanha e Espanha, entre outros países europeus, o Mundial corria o risco de morrer à nascença se não houvesse delegações europeias dispostas a cumprir as quase duas semanas de viagem rumo a Montevideu, sede escolhida para o primeiro tira-teimas planetário do pontapé na bola.
A viagem não teve grande história, para os padrões da época, mas recordada agora reveste-se de pormenores deliciosos. Algumas fotos nebulosas mostram os jogadores exercitando-se no convés e no acanhado ginásio de bordo - foi necessário organizar turnos para que todas as selecções pudessem pelo menos desentorpecer os membros ao longo da viagem. Os restantes passageiros divertiam-se com o espectáculo, debruçados nos varandins.
A Taça do Mundo viajou tranquila e anonimamente numa das malas de Jules Rimet. O francês, nos tradicionais festejos pela passagem do Equador, confraternizou com as quatro selecções, com a filha pela mão. A 29 de Junho, o Conte Verde atracou no Rio de Janeiro, recebendo a bordo a sua quinta selecção, o Brasil. Seis dias depois, finalmente, a chegada a Montevideu, onde a 13 de Julho o Mundial arrancou com uma goleada da França sobre o México (4-1).
Sobre o sucesso do Mundial não vale a pena escrever aqui. Mas talvez valha a pena recordar o aventuroso resto de vida do transatlântico, que não ficou no Uruguai para ver a celeste levantar a Taça. Em 1932, o Conte Verde transferiu-se para o percurso Trieste-Xangai, não voltando a cruzar-se com a história do futebol. Em 1937 sobreviveu a um furacão ao largo de Hong Kong. Em 1940, já com a II Guerra Mundial em pleno curso, o navio atracou de vez em Xangai, passando a funcionar como transporte de prisoneiros entre a China e o Japão, em obediência a uma requisição do governo japonês.
Em 1943, depois da capitulação italiana diante dos Aliados, a tripulação decidiu afundá-lo antes que caísse nas mãos dos japoneses mas estes recuperaram-no, transformando-o num navio de transporte de tropas. Por pouco tempo: em 1944, um raid aéreo dos americanos afundou o antigo transatlântico ao largo de Maizuru. Quatro anos depois da guerra, os restos do navio foram retirados do fundo do mar. Desmantelado e refundido, o Conte Verde teve então a sua derradeira e menos romântica morte, enquanto o Mundial, superado o travão da guerra, entrava em velocidade de cruzeiro, a caminho da glória eterna.