A 17 de junho de 2013, num descampado de uma zona industrial no Massachusets, a menos de dois quilómetros da sua mansão em North Attleborough, o jogador da NFL Aaron Hernandez pegou numa pistola Glock .45 e disparou seis tiros, que mataram o seu ex-amigo Odin Lloyd, um jogador semiprofissional de 27 anos, que namorava com a irmã da noiva de Hernandez. Esta foi a versão dos factos oficialmente confirmada em tribunal, nesta quarta-feira: após 35 horas de deliberação, espalhadas por seis dias, o júri considerou o antigo tight end dos New England Patriots culpado de homicídio em primeiro grau, o que vai determinar a sua condenação a prisão perpétua.

Em circunstâncias normais, isto seria o ponto mais baixo de uma descida aos infernos de um ídolo do desporto norte.americano. Mas as circunstâncias que rodeiam Aaron Hernandez são tudo menos normais: a sua situação vai piorar, com toda a probabilidade, uma vez que ainda terá pela frente novo julgamento por um duplo homicídio em Boston, em 2012, depois de um desentendimento com dois desconhecidos, num bar.


Um frame de videovigilância mostra Hernandez com o que parece ser a arma do crime

A principal testemunha de acusação é o seu ex-amigo Alexander Bradley, que admite tê-lo ajudado a cometer os crimes. Não é surpresa que Bradley esteja disposto a testemunhar contra Hernandez: em 2013 os dois amigos zangaram-se e Hernandez alvejou Bradley na cara. Também este caso irá em breve a julgamento.

Este encadeamento de circunstâncias transforma Aaron Hernandez – que em 2014, já depois de estar detido, teria ameaçado de morte um guarda prisional e a respetiva família – no maior bad boy da atualidade no universo do desporto americano. Um universo ao qual deixou de pertencer, formalmente, a 26 de junho de 2013. Apenas nove dias depois da morte de Lloyd e 90 minutos depois de a polícia o ter levado de casa algemado, os Patriots anunciavam, em comunicado, que rescindiam o contrato milionário que tinha feito Aaron Hernandes ganhar 12 milhões de dólares em bónus, menos de um ano antes.



A concorrência ao rótulo de bad boy é fortíssima, em especial no interior da NFL - além da natureza brutalmente competitiva e agressiva do jogo, o campo de recrutamento parte, muitas vezes, das zonas socialmente mais problemáticas. E organizações de ex-praticantes acusam os responsáveis da Liga, e dos clubes, de não serem meticulosos no chamado vetting process, que em teoria deveria ajudar a perceber o perfil psicológic dos candidatos a profissionais e a filtrar os casos mais incontroláveis.

O campeonato que movimenta mais dinheiro no planeta também é a liga com o maior cadastro criminal do Universo: segundo um estudo efetuado pelo diário «U-T San Diego», da Califórnia, entre o ano 2000 a atualidade, registaram-se quase 700 detenções entre jogadores e ex-profissionais de futebol americano. Todas as 32 equipas já tiveram jogadores detidos, seja por atentado ao pudor, por condução com álcool ou drogas, seja por homicídio.

Antes do julgamento de Hernandez, que se arrastou por vários meses e movimentou mais de 130 testemunhas, o último nome a manchar seriamente a reputação da NFL tinha sido o de Ray Rice. Em fevereiro de 2014, a estrela dos Baltimore Ravens tinha agredido a noiva com particular brutalidade, deixando-a inconsciente, sendo despedido pelo clube, depois do clamor gerado pelas imagens. No entanto, uma decisão judicial posterior anulou a suspensão por tempo indeterminado, decidida pela Liga, e tornou Rice novamente elegível para qualquer clube.



Na extensa galeria de casos da NFL o mais mediático será o de O.J. Simpson, um dos maiores nomes na história da modalidade. Em 1994, já depois de ter terminado a carreira, reconvertendo-se em comentador de TV e ator, Simpson deixou os EUA em suspenso do julgamento pelo homicídio da ex-mulher, Nicole Brown Smith, e de um amigo desta, Ronald Goldman. Ilibado num primeiro julgamento, foi condenado em 1997, numa ação cível, a pagar 33,5 milhões de dólares aos familiares das vítimas. Nunca tendo convencido o público da sua inocência, Simpson foi de novo preso em 2008, acusado de vários crimes, entre os quais assalto à mão armada, e condenado a 33 anos de prisão.



Menos mediático, o caso de Rae Carruth não é menos impressionante: o antigo jogador dos Carolina Panthers cumpre pena de 24 anos por, em 1999, ter ordenado a execução da sua namorada, grávida de oito meses. O bebé sobreviveu, a namorada não. Outro nome da NFL, Darryl Henley, cumpre 41 anos, por tentar contratar a execução do juiz que ia julgá-lo por tráfico de droga. Já a condenação de Eric Naposki chegou com 17 anos de atraso: a antiga estrela dos New England Patriots estava na reforma, em 2011, quando foi condenado a prisão perpétua pelo homicídio do marido da sua amante, em 1994, a pedido desta.

Ainda mais perturbador, o caso de Robert Rozier, que depois de ser dispensado dos St. Louis Cardinals, em 1980, se juntou a um culto de supremacistas negros, que procedia a assassinatos rituais. Rozier admitiu ter participado em sete, sendo condenado a 22 anos de prisão.

De Pistorius a Bruno: nenhuma modalidade está a salvo

Mas seria errado considerar que os crimes violentos praticados por desportistas se circunscrevem ao universo da NFL. Bastaria recordar o caso de Oscar Pistorius para percebermos que assassinatos, passionais ou premeditados, violações e sequestros, integram uma lista negra que toca em quase todas as modalidades.



Se a lista do futebol americano é longa, a do boxe não lhe fica atrás. Mike Tyson, preso por violação em 1992, e diversos incidentes de menor gravidade depois disso, é o caso mais óbvio, mas nem de longe o mais violento. O argentino Carlos Monzon, que defendeu 14 vezes o título mundial de pesos médios, foi condenado a 11 anos de prisão por assassinar a mulher, em 1988, morrendo numa saída precária. Um destino comum ao do campeão venezuelano Edwin Valero, que em 2010 se enforcou na cela, depois de confessar homicídio conjugal.

O futebol não fica fora da lista, claro: o guarda-redes brasileiro Bruno Fernandes, que jogava no Flamengo, foi condenado a 17 anos de prisão pelo sequestro e desaparecimento da namorada, Eliza Samudio, em 2010. E em Inglaterra, Gavin Grant, jogador do Bradford, cumpre desde 2010 uma pena de 25 anos por homicídio.

A NBA também tem a sua quota-parte de crimes de sangue, fazendo com que processos mediáticos como os de Allen Iverson ou Kobe Bryant pareçam quase irrelevantes. Basta referir o caso de Jayson Williams, ex-jogador dos Nets, que cumpriu dois anos pelo homicídio de um chauffeur de limousine, recriação involuntária de uma das cenas mais famosas do filme «Pulp Fiction». Do judo ao bodybuilding, do sumo à patinagem artística, ninguém está a salvo: o lado negro do desporto não reconhece exceções.