Dono de um currículo de luxo nos anos noventa, Abílio Novais foi figura de destaque no campeonato português, ao serviço do Leixões, FC Porto, Belenenses, Salgueiros e Campomaiorense. «Empurrado» por Carlos Carvalhal e Manuel José para trocar as chuteiras pretas pelo fato e gravata, é hoje treinador do SC Canidelo de Vila Nova de Gaia, e caminha a passos largos para a subida à Divisão de Elite. Numa conversa cheia de memórias com o Maisfutebol, o antigo médio recordou a sua longa carreira dentro das quatro linhas, admitindo as «saudades» dos relvados.

«Tenho imensas saudades de ir lá para dentro jogar, era uma paixão tremenda. Quando deixei fiquei mesmo triste. É tão bom ser jogador, ser atleta. Guardo muitas recordações, das palhaçadas de balneário.»

Leia também: Abílio, «agora o pai do João Novais», está perto de festejar no banco

«Não me posso esquecer dos sete anos no Salgueiros. Foi o meu melhor período. Nem sei explicar, havia uma mística incrível: treinávamos em pelados, tínhamos imensas dificuldades, quando chovia até os pés afundavam no lamaçal, mas era um gozo tremendo. Ainda tive a oportunidade e começar e terminar a carreira no Leixões, foi fechar de um ciclo, eles é que me deram a conhecer ao futebol, sempre desejei isso e consegui.»

Depois de duas épocas em Matosinhos, Abílio juntou-se aos quadros do FC Porto, onde passou mais dois anos: «A primeira época foi difícil, mas na segunda temporada joguei mais. Contrataram-me para lateral direito, posição que nunca tinha jogado. Ainda fiz boas exibições, um jogador inteligente joga em todo o lado, mas o João Pinto não dava hipóteses. Na segunda época, o Artur Jorge pôs-me a jogar no meio campo, acho que era mais jogador para aí.»

«Nunca fui titular indiscutível, mas joguei mais, joguei uma final da Taça de Portugal. Orgulho-me imenso, é um clube de topo, o grupo só queria palhaçada no balneário, Jaime Magalhães, João Pinto, entre outros. E ainda tinham o melhor jogador que já vi, o mais completo: Madjer. Era pé direito, pé esquerdo, de cabeça, tinha tudo, até a correr era elegante. Foi o jogador que mais admirei», adicionou.

Abílio recorda várias estórias do balneário portista, e a «praxe» que os colegas mais velhos lhe faziam: «Tínhamos um grupo muito porreiro. Treinávamos ao sábado, antes de começar o estágio, e alguém tinha sempre de ir buscar as chamuças e os bolinhos de bacalhau à Praça Velásquez, e eu era sempre o cristo que tinha de ir e pagar tudo. Era o mais novo. Era cerveja para todos. Vinham para trás do autocarro comer e beber até ao hotel, e ainda íamos almoçar depois», contou, entre várias gargalhadas à medida que se ia recordando de novas estórias.

«Era outro espírito. Quando íamos jogar ao sul, parávamos sempre na Mealhada, e vinha o roupeiro com champanhe e leitão para os jogadores todos. Claro que isso agora é quase impensável», adicionou.

«Uma vez no Salgueiros meti um balde em cima da porta, e o Filipovic, que era o treinador e andava sempre de fato, entrou e levou com a água toda em cima. Começou a insultar-nos na língua dele, e eu só me ria», contou.

Apesar de o seu coração estar no Estádio do Bessa, Abílio não poupou elogios ao clube rival: «O FC Porto é monstruoso, e tem o melhor presidente que tive. Se o vir hoje faz uma festa e eu nem fui daqueles jogadores importantes, mas reconhece quem ajudou. Tudo o que ele pudesse fazer por nós, fazia.»

Hoje com 50 anos, o ex-jogador admitiu que esteve perto de assinar pelo Boavista, Benfica e Sporting. «Estive duas vezes perto de assinar com o Boavista. Sou do clube desde pequenino. A minha maior mágoa como atleta é nunca ter jogado lá. Era adepto de bandeira e cachecol. Numa família de portistas, era o único boavisteiro. Com treze anos ia ver a todo lado, é o meu clube do coração. Estava no Porto e o Boavista recusou-se a pagar o vencimento. Anos depois, estive no Bessa a negociar, mas não chegámos a acordo», contou.

A história toma contornos mais complicados quando se trata da transferência para o Sporting: «Quando ainda estava no Leixões, estive para ir para o Sporting. Fui a Lisboa falar com eles e tudo, mas dependia das eleições. Se ganhasse o António Figueiredo, eu ia para o Sporting, estava tudo preparado. Ele perdeu e mandaram o treinador embora, então já não fui.»

«Na segunda oportunidade, o Carlos Manuel, que era o meu treinador do Salgueiros, foi treinar o Sporting e quis-me lá. O presidente não deixou. Deixava levar qualquer um, mas eu só podia sair no fim do ano. Não fui e fiquei chateado. Estava tudo acordado para o fim da época e o Carlos Manuel foi despedido a duas jornadas do fim, e já não fui. Ia ganhar uma pipa de massa. Era o contrato de uma vida», contou, entre risos.

Depois da transferência falhada, entrou em quezília com o presidente do Salgueiros, e esteve inclusive afastado dos treinados da equipa principal. Seguiu-se o Campomaiorense, onde foi orientado novamente por Carlos Manuel, treinador muito importante na carreira de Abílio.

Esteve igualmente perto de representar o Benfica, na mesma altura em que se transferiu para o FC Porto: «Há uns dias faleceu um antigo jogador do Canidelo, e no funeral estava a pessoa que me quis levar para o Benfica. Foi engraçado recordarmos. Na altura vieram de Lisboa cá a Gaia a casa dos meus pais, mas eu já tinha dado a minha palavra ao Pinto da Costa. Falei com um antigo treinador meu, que tinha uma costela portista, e então fui pelo que ele disse. Recusei. Nem sequer tinha assinado com o Porto, mas estava tudo acordado», disse.

Questionado sobre oportunidades no estrangeiro, Abílio contou que esteve perto de ir jogar na América: «Quase fui para o México, mas o presidente do Salgueiros também não deixou. Nem me lembro do nome do clube direito, só sei que o presidente deles tinha uma cadeia de pizzarias. Eles davam-me uma pipa de massa, ia lá seis meses e voltava de bolsos cheios, mas não me deixaram. Foi a única vez que veio uma proposta do estrangeiro.»

Para Abílio, o futebol tem vindo a perder a sua identidade e irreverência. «Agora há cada vez menos criatividade. Antigamente vínhamos da rua. Hoje os miúdos já vão para o sintético. Comecei nas ruas da Afurada e na Praia do Areinho. Há outras condições, há menos espaço para jogar à bola. Tem é sempre de haver lugar para aquele jogador irreverente, malandro, mas estão a escassear.»

«Hoje em dia são muito vaidosos os jogadores. Mesmo num nível inferior, na minha equipa, tenho dois miúdos com condições fantásticas, mas não têm vontade de treinar, nem de aprender. Não vão dar nada. Já lhes disse isso, e dou-lhes na cabeça. Se não quiserem aprender, nem falo com eles. Falta humildade, e isso é a minha maior mágoa. Gosto de potenciar os jogadores, podiam ganhar alguma coisa no futebol, mas não querem. Veem os ídolos e já acham que são iguais, mas têm muito que aprender até chegar lá. Faltam uns cachaços à antiga», rematou.

Não jogou no Benfica, nem no Sporting, mas continua a ser dono de um currículo invejável nos anos noventa do futebol português, marcando uma geração de ouro na história do Salgueiros. Hoje, as prioridades são outras e trocou as chuteiras pretas e a lama nas pernas pelo banco de suplentes.

A carreira de jogador de Abílio Novais:

2002/03 - Leixões

2001/02 - Leixões

2000/01 - Desp. Aves

1999/00 - Campomaiorense

1998/99 - Salgueiros

1997/98 - Salgueiros

1996/97 - Salgueiros

1995/96 - Salgueiros

1994/95 - Belenenses

1993/94 - Salgueiros

1992/93 - Salgueiros

1991/92 - Salgueiros

1990/91 - FC Porto

1989/90 - FC Porto

1988/89 - Leixões

1987/88 - Leixões