Lá atrás, uma fotografia de José Águas. Uma imagem mítica do capitão encarnado a levantar a Taça dos Campeões Europeus. Cá à frente, o Velho Capitão, Mário Wilson, num discurso emocionante, a recordar o que passou num clube que amou, nas palavras dele, «desde o berço». Águas há muito que partiu. Eusébio e Coluna também. Numa imagem de qualquer um dos três, os benfiquistas olham a mística nos olhos. Dizem que é inexplicável, mas Mário Wilson, que nunca jogou no Benfica, verbalizou-a, antes de partir também ele, nesta segunda-feira, a duas semanas de completar 87 anos. O Velho Capitão vocalizou o benfiquismo, mas não foi um exclusivo da águia: a sua história diz-nos isso, o seu cavalheirismo também.

Levou com ele muitas histórias e deixou um legado de títulos, o primeiro com o símbolo do Sporting ao peito, curiosamente. Partilhou vida com Agostinho Neto, em Lisboa, e Almeida Santos, em Coimbra, onde ganhou a alcunha que lhe durou o resto da vida: Velho Capitão. A primeira, porém, era outra.

«Corina! Isso aparece de uma forma curiosa. Quando nasço, entra em voga em Moçambique uma música portuguesa. Ainda hoje a canto: «Corina, Mário morreu». E como tive o nome de Mário, a minha madrinha chamava-me de Corina.», in A Bola, 17 de outubro de 2009.

A avó era filha de um régulo, figura de autoridade no período colonialista português. O avô era americano e é daí que lhe vem o apelido. Mário Wilson nasceu em Lourenço Marques, hoje Maputo, a 17 de outubro de 1929. Jogava numa filial do Benfica, o Desportivo de Lourenço Marques e, um dia antes de completar 20 anos, estreou-se no Sporting. Wilson já despontava em Moçambique, quando o dono de uma papelaria o trouxe a ele e a Juca para Lisboa e para os leões.

Naquele discurso apaixonado sobre o que é ser benfiquista, Wilson afirmou que foi campeão pelo Sporting, mas que já era adepto encarnado. No entanto, garante que sempre respeitou rivalidades.

«Vinha para substituir o Peyroteo, um dos cinco violinos. A clubite doentia nunca foi muito apanágio meu. Continuo a ter os meus dois amores (Benfica e Académica), mas libertei-me cedo da forma doentia de sentir e dizer sou deste e não posso ver os outros», disse, em entrevista ao jornal A Bola, quando celebrou 80 anos.

Mário Wilson foi o sucessor do maior goleador do campeonato português, apontou 23 golos na época de estreia e só ficou atrás de Julinho, do Benfica, nessa temporada de 1949/50. Na época seguinte, foi campeão pelo Sporting, numa altura em que na capital confraternizava com Agostinho Neto e outras figuras relevantes na luta da independência das Colónias.A passagem pelo clube leonino foi rápida e terminou em 1950/51.  

Seguiu-se Coimbra. A Académica que lhe ocupou o coração também. Na Briosa, era capitão quem tinha mais habilitações. Cândido de Oliveira tinha outra ideia e nomeou Mário Wilson. Foi capitão para sempre, desde aí e liderou a Académica pelo meio de um regime fascista, quando em Coimbra se levantavam vozes contra ele. 

Na Briosa, o primeiro choque com José Maria Pedroto, a quem sucedeu e com o qual travou uma luta Norte-Sul, que se repercutiu em 1975/76, quando o Velho Capitão encontrou, por fim, o primeiro amor: o Benfica.

Depois de treinar a Académica, a qual levou o melhor lugar de sempre em 1966/67 (2º), Mário Wilson orientou o Belenenses e o Vitória, de Guimarães. Estava no Minho quando o Benfica lhe surgiu à porta. Queria recusar, mas não resistiu. E andou a passear o Benfica pelo mundo (a digressão de pré-época passou por Alemanha, Espanha, Austrália, Indonésia e França). 

Em 1975/76, bateu o Boavista de Pedroto na luta pelo campeonato e tornou-se no primeiro treinador português a ser campeão pelo Benfica (em 1967/68, Fernando Cabrita orientou os encarnados entre Fernando Riera e Otto Glória). 

Campeão na Luz, parte para o Bessa. Mas volta em 1979/80: aí, lançou o primeiro estrangeiro no futebol encarnado, Jorge Gomes. E venceu uma Taça de Portugal, algo que voltaria a fazer quando o Benfica mais necessitou dele.

Em 1995/96, foi chamado a intervir após a saída de Artur Jorge (curiosamente, lançou-o como jogador, tal como Nené ou Chalana). Protegeu património do Benfica como o era João Vieira Pinto na altura, e naquela que ficou conhecida como a final do very-light, o Benfica bateu o Sporting por 3-1 e conquistou a Taça de Portugal no Jamor. Será o último título encarnado durante largos anos. Wilson sairá de novo da Luz, voltará em 97/98 e terminará a carreira de treinador no Alverca, presidido por Luís Filipe Vieira. 

Para além dos clubes já referidos, treinou a seleção nacional em 1980 e ainda Tirsense, Estoril-Praia, Cova da Piedade, Louletano, Torreense, Olhanense e Águeda. Tem 548 jogos no primeiro escalão do futebol nacional.

Na Luz, Águas deixou uma imagem icónica, Coluna uma postura, Eusébio deixou sobretudo os golos. Mário Wilson deixou sentimento naqueles que estiveram ao lado dele, como Toni, a quem sempre chamou de filho, como o mais velho que teve, que nasceu num 25 de abril (de 54) e cumpriu o destino do pai ao jogar de encarnado (Mário Valdez Wilson fez 17 jogos pelo Benfica entre1977 e 1980).

«Era um homem bom, uma figura incontornável do desporto português. Um treinador que marcou os jogadores que treinou e que partiu. O seu ‘filho branco’ verga-se perante aquele que foi o seu segundo pai. As últimas palavras que ouvi dele, há pouco tempo, foram de saudação, já com a voz muito embargada: Toni, Toni, Toni. Há muito tempo que o ‘capitão’ caminhava para o fim e o meu receio é não ter palavras que traduzam o que sinto por alguém que, se não fosse ele, não estaria aqui.», Toni, in CMTV.

Dirão os adeptos da Luz que partiu mais um bocado de Benfica. As reações de Sporting, V. Guimarães e Académica lembram-nos que partiu muito mais do que isso.