Álvaro Gregório é o protagonista da rubrica Depois do Adeus. Aos 41 anos, a antiga promessa do FC Porto trabalha num pão quente em Vila Nova de Gaia. Foi campeão europeu de sub-16, ultrapassou as quarenta internacionalizações nas camadas jovens da seleção mas teve de se reinventar após o final da carreira.

A história do  funcionário do pão quente com 42 internacionalizações.
 
Condicionado por duas graves lesões entre 1995 e 1996, o ex-lateral esquerdo não encheu o pé-de-meia desejado e foi procurando novos caminhos para garantir a subsistência. Olhando para trás, reconhece que não estava preparado para a dura batalha no mercado de trabalho. Nem ele, nem a grande maioria dos jogadores de futebol.

O divórcio – outra situação comum após o final das carreiras – provocou mais um rombo no património. O dinheiro fácil era coisa do passado.

«Hoje em dia, sinto que sou muito mais forte em termos emocionais do que a maioria dos ex-profissionais. Uns continuam ligados ao futebol mas recebem apenas quando trabalham, o que nem sempre acontece. Outros tiveram de se habituar a rendimentos baixos em empregos de que não gostam. Eu felizmente tenho prazer no que faço», garante, ao Maisfutebol.

Álvaro Gregório cresceu a jogar com nomes como Luís Figo, Rui Costa ou Emílio Peixe. Não ganhou tanto como estes, bem pelo contrário, mas admite que a questão é mais abrangente.

«Nem todos foram Figos e outros nomes desse calibre, e mesmo alguns desses investiram tudo o que tinham e hoje passam por dificuldades como os outros. Ganha-se dinheiro tão cedo que se esquecem os estudos e nunca se pensa no fim. Os jogadores de futebol vivem num mundo de ilusão, de ilusão do momento.»

Álvaro sente que nada mudou nesse aspeto. «Os clubes pagam três ou quatro salários por ano. No fundo, é uma ninharia, mas os jogadores querem viver da aparência e fazem créditos para carros e apartamentos. Quando os mais jovens vêm aqui ao pão quente, digo-lhes para guardarem o dinheiro e estudarem. O meu pai dizia-me isso, que o futebol acaba um dia, mas a tentação era mais forte.»

«Ganha-se dinheiro fácil e é ainda mais fácil gastar o dinheiro. Se ganhas 10, governas-te com 8 ou 9. Se ganhas 100, nem pensas muito e gastas 110 ou 120. Com 23 anos, estava tão bem que comprei um apartamento no Algarve só para passar férias. Foram anos fantásticos, claro.»

Álvaro Gregório agarra-se a essas recordações para fazer um balanço extremamente positivo.

«A transição é muito difícil, claro, mas são quinze, vinte anos fantásticos como profissional de futebol. É o sonho de qualquer criança e só uma minoria consegue concretizá-lo. Ficou um período lindo da vida, era tudo fácil e bom.» 

[Foto: Álvaro Gregório surge à direita, com Abel Xavier em destaque ao centro] 
 
«Quando comecei a trabalhar, achei que não aguentava»

O antigo lateral esquerdo representou Salgueiros, Belenenses e União de Leiria no escalão principal. Entretanto, contraiu duas graves lesões e regressou para jogar nos escalões inferiores.

Em 2003, com 28 anos, Álvaro Gregório aceita o convite para rumar ao Luxemburgo e jogar mais alguns anos.

«Estava no ISMAI a fazer o curso de Gestão de Desporto, estava no 3ª ano e iria provavelmente ser o primeiro antigo internacional a ter esse curso. Carlos Godinho, que está na Federação, dizia que esse era o futuro, incentivava-me, mas parei para ir para o Luxemburgo…»

A proposta do F91 Dudelange, porém, ficou abaixo do esperado. «Queria jogar mais uns anos e a perspetiva era boa, porque o Dudelange ia jogar as pré-eliminatórias da Liga dos Campeões. Mas quando lá cheguei, o salário era baixo, ao nível do que recebia em Portugal. Acabei por recusar.»

Álvaro Gregório viria a assinar por outro clube do Luxemburgo: Sp. Mertzig.

«Ofereceram-me o contrato e um emprego. Foi quando comecei a fazer a transição para o mundo do trabalho. O presidente do clube tinha uma empresa de distribuição alimentar, com um armazém de venda ao público. Eu fazia reposição.»

O jogador não estava preparado. «Foi a época mais dura da minha vida. Trabalhava oito ou nove horas e depois ia treinar e jogar. Quase que adormecia nas palestras! Ficava esgotado mas foi uma experiência importante. Agora, se tiver de trabalhar dez ou doze horas, não custa nada.»

A carreira terminou aos 32 anos mas tudo corria da melhor forma no Luxemburgo. «Tinha uma escola de futebol com o Ádamo, antigo guarda-redes, e funcionava bem. Levei também muitos colegas para o Luxemburgo, cheguei a ter oito jogadores a dormir em minha casa e eles hoje em dia estão bem por lá, fico feliz.»

Álvaro Gregório regressou entretanto a Portugal - «a família falou mais alto» – e abriu um snack-bar/restaurante no Porto.

«Era um espaço fantástico, com oito empregados, trabalhava-se muito mas continuava a ser uma vida boa. Entretanto surgiu o divórcio e outras questões, as coisas complicaram-se.»

O antigo jogador passou a trabalhar por conta de outrem. Hoje em dia, é um simples funcionário de pão quente. Porém, continua a ter sonhos.

«Sempre que posso, faço as minhas formações na Escola de Hotelaria. Para além disso, ambiciono terminar o meu curso de Gestão de Desporto e tenho o II Nível do curso de treinadores. Com 41 anos, não estou acabado!»