O Maisfutebol desafiou os jogadores e treinadores portugueses que atuam no estrangeiro, em vários cantos do mundo, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

PAULO MORGADO, MANAUS FC (BRASIL)


«Boa noite aos leitores do Maisfutebol,


Estou atualmente a treinar o Manaus FC mas esta minha aventura na Amazónia já leva quase três anos. Em 2011, cheguei a Manaus com a expectativa de ter assinado com um grupo grande da região, o mesmo clube que tinha acabado de contratar o Super Mário Jardel.


Logo à chegada, surgiu o primeiro episódio desta aventura, com uma carreata que nos esperava no aeroporto. Lá fui com o Mário Jardel em cima de um carro dos bombeiros, com toda a torcida do Rio Negro atrás, percorrendo a cidade até chegar à sede do clube. Foi o primeiro escalão na minha careca.


Saí de Lisboa em janeiro, com apenas 10 graus, e cheguei à Amazóna onde estavam 40 graus! Depois da apresentação à imprensa local surgiu o segundo episódio na novela Rio Negrou. «O português anulou o primeiro treino.»


O problema esteve relacionado com os equipamentos novos ao campo onde iríamos fazer o nosso primeiro treino, com toda a imprensa presente. Para o diretor do clube, o atraso foi «só» de uma hora.


O Rio Negro foi, nos anos 80 e 90, o maior clube do Amazonas mas esses dias de glórias já estão longe e todos os anos acabava o campeonato com dois ou três meses de ordenados em atraso. Os campos que o clube utilizada para treinar mais pareciam um jardim abandonado com a relva pela canela e até balizas tortas.


A minha aventura na Amazónia seria uma novela engraçada se se limitasse ao futebol. Fora dele, há cenas dignas de um filme de comédia e aventura. Certa noite, cheguei a casa e tinha uma cobra cascavel à porta do quarto. Lá tive de esperar uma hora para que o simpático réptil saísse do meu caminho.


Aqui é assim. Em certos locais, temos de ter os olhos bem abertos pois a qualquer momento um jacaré aparece no nosso quintal ou uma cobral coral resolve atrapalhar um treino com um passeio pelo relvado.


No campeonato estadual amazonense, a maioria dos clubes é do interior. Para quem não sabe, como eu não sabia, a melhor forma de viajar entre cidades é de barco. A Amazónia tem dezenas de rios e o maior, o Amazonas, tem 5825 kms de extensão.


Se saímos para cidade de Manaus para jogarmos em Manicoré, por exemplos, são 18 horas de lancha rápida! Pelo caminho, ficamos maravilhados com as belezas da selva amazónica.


Nesta altura estou no Manaus FC, um clube com outra estrutura e sem ordenados em atraso, para além de um centro de treinos de fazer inveja a muitos clubes em Portugal.


Sinto que esta aventura no maior estado do Brasil me tornou um treinador mais bem preparado. Aqui, a pressão sobre os treinadores é mil vez maior que na Europa. Os técnicos têm um período de vida muito curta nos clubes, os adeptos cobram muito e nunca com razão.


A perspectiva para o futebol brasileiro é de evolução e o Mundial 2014 vai ajudar a resolver o grande problema do futebol do Amazonas nesta altura: novos estádios e principalmente novos centros de treino.


Penso que o mercado brasileiro é óptimo para os treinadores portugueses e espero ter sucesso para abrir portas a outros portugas.


Até breve, um abraço,


Paulo Morgado»