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Estórias Made In  |  

Há um português «preso» no Rochedo

Bernardo Lopes fez parte da formação no Benfica com João Cancelo, Ivan Cavaleiro, André Gomes e Bernardo Silva, mas está, nesta altura, numa situação bem distinta dos antigos companheiros. Aliciado por um empresário está a há quatro anos «esquecido» no campeonato de Gibraltar.

Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

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Bernardo Lopes está encalhado em Gibraltar há quase quatro anos. Um central que teve uma formação meteórica, passando pelo Tires e Estoril-Praia antes de ser chamado pelo Benfica onde chegou a jogar com João Cancelo, Ivan Cavaleiro e Bernardo Silva. Na passagem para sénior, jogou no Louletano e no Marítimo, antes de ser aliciado por um empresário para ir jogar para o Rochedo, como é conhecida a pequena península no sul de Espanha decorada por uma enorme rocha com mais de 400 metros de altura. Fomos ao encontro do jovem central, atualmente com 25 anos, para perceber como é que é jogar num país com pouco mais de seis quilómetros quadrados. «Quando se chega aqui as pessoas acabam por ser esquecidas».

Mas vamos primeiro ao início desta história que começa em Tires, no Concelho de Cascais, onde o pequeno Bernardo, estimulado pelo pai, deu os primeiros pontapés na bola. «Ia desde pequenino, desde os cinco ou seis anos, assistir aos jogos do Tires que era ali mesmo ao pé da minha casa. O meu pai foi guarda-redes, nunca chegou aos grandes clubes, mas jogou em vários clubes ali da zona. Ia com ele aos jogos, ao intervalo dava uns toques na bola com ele».

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Bernardo acaba por começar a formação no Tires onde joga até aos 11 anos, altura em que recebe um convite do Estoril-Praia. O futebol deixava de ser uma brincadeira, começava agora a ser mais sério. «Aí as coisas já foram diferentes, havia mais exigência, havia outro nível. Passei lá uns bons anos». Bernardo estava acima da média e já tinha altura para se destacar como central. Benfica e Sporting, sempre atentos ao talento, já estavam a controlar o jovem defesa.

«Foi no primeiro ano de juniores, logo nas primeiras jornadas do campeonato, jogámos contra o Benfica e, depois do jogo, entraram em contato comigo. Ligou-me o Aurélio Pereira, do Sporting, para falar comigo e o Benfica propôs-me ir fazer um jogo de treino, no norte, frente a uma equipa que se ia apresentar aos adeptos, acho que era o Merelinense». Estava feito. Bernardo convenceu e assinou de imediato com o Benfica onde cumpriu dois anos de juniores. «Sempre gostei de jogar futebol e tinha o sonho de chegar a esses patamares. É tudo diferente, é tudo muito mais profissional. Quando soube que havia o interesse dos dois mais fortes de Lisboa fiquei muito contente».

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A vida de Bernardo dava mais um salto. Num ápice estava integrado numa das melhores fornadas da formação do Benfica dos últimos anos. «No primeiro ano estava o Rúben Pinto, Bruno Gaspar, Miguel Herlein, Ivan Cavaleiro, o Cafú. No ano a seguir juntou-se o Fábio Cardoso, o Bernardo Silva, João Cancelo, André Gomes, Hélder Costa… Estes dois anos foram os melhores anos da minha vida, com jogadores que se via que tinham muito potencial». Já passaram dez anos, mas Bernardo não esquece algumas histórias. «O Cafú [atualmente no Legia de Varsóvia] era uma pessoa super-extrovertida. Uma vez o Cancelo meteu-se com ele e ele atirou-lhe uma vassoura de um lado ao outro do balneário. Ninguém estava à espera, mas foi engraçado, ele era mesmo assim, muito impulsivo. Era cinco estrelas».

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Quando chega à idade de sénior, Bernardo Lopes chega a assinar contrato profissional com o Benfica, mas a carreira começava aqui a conhecer os primeiros obstáculos. «Assinei um contrato de três anos com o Benfica, já no segundo ano de júnior já tinha contrato profissional, mas depois as coisas não correram bem. Tive problemas com empresários, eu também não era o jogador que sou hoje em dia, não me cuidava, apesar das condições que me davam. No primeiro ano fui emprestado ao Louletano e no segundo acabei por rescindir por mutuo acordo».

Bernardo volta ao Louletano para jogar «a sério» no Campeonato de Portugal. «Foi uma coisa completamente diferente. Deu para crescer como jogador, para ganhar experiência com os mais velhos. Quando um jogador sai do Benfica a realidade é completamente diferente, foi uma boa altura para crescer». Bernardo Lopes faz uma boa época e chama a atenção do Marítimo. «Quando soube do interesse fiquei com dúvidas porque ainda não sabia bem o que era o futebol e como era a vida. Mas vi como se fosse mais uma etapa e aceitei».

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No Funchal, Bernardo integra a equipa B do Marítimo, mas na segunda época já fez a pré-época com a equipa principal, mas é nesta altura que o jovem defesa é aliciado para mudar de ares. «Fizemos a pré-época no Porto e quando voltámos à Madeira o meu empresário disse que tinha uma possibilidade de ir para o estrangeiro jogar para uma liga que não era muito falada, mas que, no fim do ano, tinha a possibilidade de jogar na Liga dos Campeões ou na Liga Europa. Disse-me que era uma equipa que normalmente era campeã e, portanto, quase de certeza que havia a possibilidade de jogar na Europa, pelo menos, nas pré-eliminatórias».

Aliciante. A proposta era fazer uma ou duas épocas, aproveitar a «montra» europeia, para depois dar o salto. Tudo se desmoronou quando Bernardo percebeu que o país era afinal Gibraltar e o clube o modesto Lincoln Red Imps, crónico campeão da pequena nação. «Foi complicado. É um país muito pequeno, não há demonstração de gosto pelo futebol, não há paixão. Quando cheguei, o futebol era uma coisa à parte, muito amadora. As pessoas trabalham, depois o futebol é apenas um hobby. Não havia muita informação sobre a liga. Quando cheguei aqui é que percebi que não era uma liga profissional. Foi complicado. Era uma realidade completamente diferente do Benfica, do Marítimo ou do Louletano. Nesse primeiro ano era tudo muito amador, havia jogadores que trabalhavam e depois iam treinar. Outros eram profissionais e só viviam do futebol».

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Bernardo Lopes acabou por adaptar-se até porque o Lincoln e a própria liga estavam a caminho de profissionalizar-se. Mais tarde chegaram outros portugueses como António Livramento e Rúben Freitas e o nosso interlocutor ficou mais à vontade. Bernardo não vive propriamente no Rochedo, vive em Espanha, em Estepona, mesmo ali ao lado da turística Marbella. «Treinamos ao fim do dia, ainda não está completa a fase de profissionalização da liga, nem das equipas. A minha equipa é das mais profissionais, quase todos os jogadores são profissionais. O facto do campeonato contar com uma equipa na Champions e duas na Liga Europa atraiu investidores e as coisas estão a a mudar».

O defesa português acaba por ter uma vida pacata. «Acordo cedo, faço o meu ginásio, almoço, ao final do dia descanso um pouco à espera que chegue a hora do treino».

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Ao fim de semana começam os jogos entre as dez equipas da liga que jogam todas no mesmo estádio, o único do Rochedo. «Aquilo é tão pequeno e tem aquela famosa rocha no meio, portanto não há muito espaço. Tem esse estádio onde jogam todas as equipas, tem mais dois campos ao lado, mas sei que há um projeto para se fazer mais um estádio em Gibraltar. Sei que será para a seleção, não sei se também será para os jogos europeus das equipas da Liga. O estádio onde jogamos agora também vai ser todo reformado para cumprir as exigências da UEFA».  

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Os companheiros portugueses deixaram, entretanto, o clube. António Livramento ainda jogou no Farense antes de terminar a carreira, enquanto Rúben Freitas passou pelo Vilafranquense e está agora no Mafra. «Dava-me muito bem com eles, mas cada tem de tomar as suas decisões. Eles, felizmente, conseguiram encontrar algo que lhes agradasse e seguiram o caminho deles. Eu, por outros problemas que tive pelo meio, ainda não consegui sair daqui. Pelo menos vou tentando e acreditando que vai ser possível».

Nesta altura, Bernardo continua preso ao Rochedo, um território sob administração inglesa, mas que está ligado por uma estreita península a Espanha. O conflito entre os dois países já é antigo, com a Espanha a reclamar persistentemente o pequeno território, mas ganhou agora uma nova vida com o Brexit. «Não se sente muito no dia a dia, é mais uma questão política. Isto é inglês, mas os espanhóis querem ficar com isto, mas não é uma coisa que tire muito tempo às pessoas. Há muitos espanhóis a trabalhar em Gibraltar, não vejo conflitos nenhuns. Agora fala-se muito no Brexit, mas ainda não percebi qual vai ser a posição de Gibraltar. Uns aceitam mudar, outros não, vai ser complicado», referiu.

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Bernardo Lopes, como campeão, voltou a ter esta época a oportunidade de voltar a jogar paras as competições europeias, mas com a particularidade de não ter saído do Rochedo. «Este ano foi um modelo diferente. Fizeram um mini-torneio para a Liga dos Campeões, aqui em Gibraltar, com quatro equipas, duas meias-finais e uma final. Ganhámos o primeiro jogo, mas a final não correu tão bem e passámos para a Liga Europa onde fizemos mais um jogo», conta.

De resto, Bernardo passa pouco temo no Rochedo. «Quando vou a Gibraltar ou é para treinar ou é para jogar. Vivo no lado espanhol e aproveito para passear. Tenho Málaga ao pé, tenho Marbella, um pouco mais longe, tenho Sevilha. Vou conhecendo aqui a zona, porque não há muito mais para fazer».

O que havia para ver em Gibraltar, Bernardo já viu nos primeiros meses ao serviço do Lincoln. «Eu aconselho a quem não conhece a visitar Gibraltar. É um país completamente diferente. Tem o rochedo no meio que chama muito a atenção. Há a possibilidade de ir até um certo nível da rocha. Tem uma vista espetacular de Gibraltar, de Espanha e, se tiver um dia bom, até se vê Marrocos. Tem macacos lá em cima, andam lá ao pé de nós, dos carros, é muito engraçado. O melhor de Gibraltar é mesmo a rocha [The rock, como dizem os ingleses]».

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A rocha onde Bernardo está preso, mas sem perder a esperança. «Acredito no que virá, acredito no meu trabalho. Estou aqui longe, longe da família, longe de tudo e tento ir apanhando um pouco de tudo o que fui aprendendo, no Benfica, no Louletano, no Marítimo. Tento juntar numa coisa positiva, passar para o meu dia a dia e esperar. Sinto que quando se chega aqui as pessoas acabam por ser esquecidas. É uma liga muito pouco falada. Ao vir para cá, caí um bocado no esquecimento», desabafou ainda.

Mas sem desanimar. Bernardo Lopes acredita que o seu momento chegará. «Tenho falado com algumas pessoas, nesta altura não tenho empresário, o que às vezes torna as coisas mais difíceis, mas vão-me chegando algumas coisas. Ainda não foi o que quero, mas um dia chegará».

[artigo originalmente publicado às 23h47, 22-01-2019]

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