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Fora do jogo  |  

Observador: o treinador que informa sobre o jogo sem o relatar

Sabe o tipo que está num ponto alto de uma das bancadas, de auricular no ouvido e com um computador à sua frente? São os olhos aéreos dos treinadores. Nuno Batista, membro da equipa técnica de Miguel Cardoso, explica no que consiste a função de quem está a transmitir a informação para o banco, do que tem de ver e como ver.

Durante os jogos, há funções que passam despercebidas ou que fogem aos olhares mais atentos. Como a do tipo que está num ponto alto de uma das bancadas, de auricular no ouvido à frente de um computador: eis a figura do observador das equipas técnicas.  «Para mim esse trabalho de observação é fundamental. Quando trabalhei no FC Porto antes de trabalhar com o Vítor [Pereira], já havia treinadores que subiam a bancada do estádio principal do Olival e iam ver algum tipo de comportamentos numa posição mais elevada», relata Nuno Batista em conversa com o Maisfutebol. Batista, como é conhecido no futebol, começou o percurso de treinador no Fiães e acabou por chegar rapidamente ao FC Porto. Esteve no Olival durante dez épocas antes de acompanhar Vítor Pereira na aventura na Arábia Saudita. O treinador de 42 anos foi ainda adjunto de Domingos Paciência (APOEL), Capucho e Luís Castro (Rio Ave) e, no ano seguinte, fixou-se na equipa técnica de Miguel Cardoso, vivendo experiências no próprio Rio Ave, no Celta de Vigo e no AEK Atenas. Um currículo rico e interessante, sem dúvida. Antes de ser adjunto, Nuno Batista foi observador da equipa técnica na bancada e explicou-nos em que consiste essa função. «Já tive funções de observador, preparador físico, de número 2 e de adjunto. O futebol está a crescer de forma muito rápida e em diferentes áreas de intervenção. Por várias razões, queremos ter uma noção diferente da visão de um treinador ou adjunto ao nível da relva. É comum saírmos do contexto do jogo ou do treino e ir para uma posição mais elevada. Por vezes, estamos tão envolvidos no treino que não temos uma noção tão clara de questões como a largura ou a profundidade. Isso levou a que haja comunicação durante o jogo com alguém que está num plano superior porque tem uma perspetiva diferente», esclareceu.  

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Nuno Batista com Miguel Cardoso no AEK, época 2019/20

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A comunicação é, portanto, uma constante durante os 90 minutos. Mas, afinal, o que compete ao observador ver e transmitir a um membro da equipa técnica? O princípio chave, segundo Batista, é conhecer por completo o «modelo e a forma de estar da equipa em campo». «A principal função é identificar, mas o quê? Se temos um modelo, uma forma de jogar e um conjunto de comportamentos que queremos ver durante o jogo dentro de um plano, temos de ver se isso está a acontecer ou não. Tendo em conta o que analisámos do adversário, sem fugir ao nosso modelo, perceber se estamos a ter sucesso ou não. Além disso, há que saber de que forma podemos intervir para potenciar a nossa forma de jogar de acordo com os problemas que nos estão a criar. Acima de tudo, temos de dar soluções e alertar para pequenos aspetos», referiu.

A conversa prossegue e Nuno Batista agarra-se a questões práticas para sustentar a explicação. «Analisamos uma equipa e identificamos determinadas características, mas não alteramos o nosso processo. Com toda a informação que quem está lá em cima tem, pode dizer que temos de forçar mais determinado aspeto ou não. Isto só funciona se houver identificação e participação por parte de todos desde a planificação, ao treino, à intervenção, à análise, à abordagem, à informação e à seleção da informação. Ou estamos todos por dentro, ou a função torna-se difícil ou inútil e não chega onde queremos que chegue», sublinhou. A função de observador implica ver duas equipas ao mesmo tempo, uma dificuldade que desaparece com o tempo, segundo o técnico de 43 anos. «Com algum treino é possível ver as duas equipas ao mesmo tempo. Na equipa técnica da qual faço parte, a nossa forma de estar no campo é clara para todos. Se estamos a cumprir o que está previsto, é muito fácil de identificar. Não existe uma ficha tipo de observação, mas temos pontos nos quais podemos tocar e um conjunto de comportamentos que queremos ver. Quando vemos a outra equipa, percebemos que abrem espaços em determinado lugar. Se isso acontecer, está dentro do plano. Caso contrário, somos obrigados a adaptar-nos. A adaptação é fundamental.»  

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Nuno Batista ao lado de Miguel Cardoso quando estavam no Celta de Vigo, época 2018/19

O material necessário para esta função é simples: uma placa de internet, um computador e um programa concebido para o efeito. E olhos bem abertos. Só assim é possível dar feedback positivo ou corrigir certos comportamentos ao minuto. O intervalo é visto como uma paragem importante para transmitir a informação aos atletas. «A equipa técnica reúne mal começa o intervalo. Em alguns estádios, é difícil comunicar para quem está do outro lado. Se for preciso mostrar algo ao intervalo, visto que é um momento de absorção por parte dos jogadores, temos capacidade para passar as imagens para um tablet e mostrar-lhes se o comportamento que pedimos está ou não a acontecer. Podemos fazê-lo de forma individual, sectorial ou coletiva. Esse papel é desempenhado por quem está a observar de cima», diz. Comunicar os comportamentos analisados não significa relatar o jogo, atenção. «Quando a música é muito alta, torna-se ruído. Só são transmitidos os parâmetros que queremos observar. Imagine, se está a acontecer uma coisa que planeamos é perfeito, porque assim vamos demonstrar a estrutura deles. Tocamos certas campainhas e fazemos pequenas correções. Caso contrário, a comunicação perde-se», sublinhou. Além de observador, Nuno Batista foi o número 2, ou seja, fez o papel do adjunto que recebe a informação de quem está a ver num patamar elevado do estádio. Quais as diferenças da função? «Temos de ser concretos e de selecionar a informação. É difícil dizer dois ou três tópicos, quanto mais frases. Há também o lado emotivo. Temos de desligar-nos do jogo e ser racionais. Caso contrário, vamos passar a informação de uma forma que não é vantajosa e que cria instabilidade. Depois há a questão do momento. Há coisas que têm de ser imediatas, outras podes comunicar ao treinador dois minutos depois», explica antes de utilizar a um exemplo concreto. «O caso das bolas paradas, por exemplo. Antes da equipa técnica do Bruno Lage o fazer, nós já o fazíamos. Aquando de uma bola parada, o Miguel [Cardoso] sentava-se e eu falava. Por vezes, precisava de ajuda do homem que está em cima para perceber o posicionamento do guarda-redes. Só conseguia corrigir porque tinha essa informação. A intervenção, neste caso, tem de ser imediata.» Recebida e filtrada a informação é preciso transmiti-la ao chefe de equipa, ou seja, ao técnico principal. Nuno Batista alerta para a questão da sensibilidade na hora de comunicar e introduz o conceito de «inteligência emocional». «O jogo pode estar instável e tens de ter sensibilidade para dizer as coisas. Quando o treinador vem desabafar, aproveitas para questionar algumas situações e dar a tua opinião. A relação humana é muito importante. O treinador e os jogadores precisam de conforto. O momento e a forma como se diz são fundamentais. Estar num estádio cheio, com todos emocionalmente ligados… o teu coração bate de maneira diferente. Tens de ter capacidade de abstrair-te do que envolve o jogo. Há colegas que chamam a isso inteligência emocional e é cada vez mais importante», atentou.

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Para além de todas as tarefas acima citadas, o adjunto número 2 tem de estar atento ao jogo. «O treinador adjunto também está a ver o jogo. Por exemplo, as bolas paradas são da minha responsabilidade na nossa equipa técnica. Cada um tem de ver as coisas que estão definidas. A comunicação funciona como um complemento», destacou. Por último, importa sublinhar que a comunicação é feita de cima para baixo e de baixo para cima. «O campo tem 100 metros e é importante comunicar para cima para saber se estamos ajustados em determinada situação, por exemplo. A noção de espaço de quem vê em cima é completamente diferente», concluiu. No fundo, é um treinador de bancada que sabe ver o jogo e como o ver.

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Fora do jogo é uma rubrica do Maisfutebol que dá voz a agentes desportivos sem participação direta no jogo. Relatos de quem vive por dentro o dia a dia dos clubes e faz o trabalho invisível longe do espaço mediático. Críticas e sugestões para smpires@mediacapital.pt ou vem.externo@medcap.pt.

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