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Mais longe e mais alto  |  

«É muito bom acordar de manhã e poder dizer que sou campeão da Europa»

Iúri Leitão conquistou o primeiro ouro português de sempre nos Europeus de pista e ainda trouxe uma prata e um bronze. As medalhas «já estão a ficar riscadas» de tanto uso e a «camisola ainda não saiu da cabeceira». Entrou no ciclismo «porque sim», mas garante: «Agora é a minha vida»

Mais longe e mais alto é uma rubrica do Maisfutebol que olha para atletas e modalidades além do futebol. Histórias de esforço, superação, de sucessos e dificuldades.

Há pouco mais de uma semana, Iúri Leitão fez história ao sagrar-se campeão europeu de scratch nos Europeus de ciclismo de pista. Foi a primeira medalha de ouro de sempre em elites, a primeira vez que a Portuguesa foi tocada numa competição desta dimensão.

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Até cortar a meta, e apesar da grande vantagem, Iúri Leitão não queria acreditar que iria vencer, temia «um azar» até ao final. O azar nunca chegou e o ciclista de 22 anos subiu mesmo ao lugar mais alto do pódio… nesse dia.

Isto porque o jovem ciclista de Viana do Castelo voltou de Plovdiv, na Bulgária, com três medalhas, uma de cada metal (além do ouro no scratch, foi prata em eliminação e bronze em omnium), que juntou às três medalhas de prata conquistadas um mês antes nos Europeus de sub-23 (eliminação, pontos e scratch). Momentos altos num ano em que viu fugir o sonho olímpico por uma posição, mas que apontam para um futuro promissor de um atleta que só há ano e meio representa a seleção nacional de pista.

Mais recomposto da euforia desta conquista, o atleta, que se divide entre a estrada e a pista, falou ao Maisfutebol sobre a sensação de ser campeão europeu, e pedalou pelos 16 anos de carreira, com os olhos já a apontar para o futuro.

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Maisfutebol: Atacou cedo e, apesar de levar uma volta de avanço, disse que só no final acreditou que era campeão da Europa. Como foram essas últimas voltas? Iúri Leitão: Só no final porque há o medo de algum azar ou desilusão. Que haja um furo, uma queda... Estamos sempre com medo de que alguma coisa aconteça. Demorei a acreditar. Depois ouvir o hino é uma sensação que ainda nem sei descrever. Foi maravilhoso.

MF: Já tem os pés assentes na terra? IL: Está a ser um processo. Ainda me estou a habituar à ideia de que sou campeão da Europa. Têm sido uns dias felizes e um pouco estranhos, na verdade, porque é uma realidade diferente. Não é que eu tenha mudado, ou que a minha vida tenha mudado, mas acordar de manhã e poder dizer a mim mesmo que sou campeão da Europa e que este grande objetivo, que este grande sonho, já foi alcançado é muito bom.»

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MF: Venceu três medalhas nos Europeus, esperava fazer resultados a este nível? IL: Andando um bocadinho para trás, no mês passado tive o campeonato da Europa de juniores e sub-23, porque na verdade eu ainda sou sub-23, e já tinha conseguido três medalhas de prata em três disciplinas, algumas comuns com aquelas em que consegui medalhas nestes europeus. Por isso parti um pouco sem pressão porque já tinha mostrado o meu valor, já tinha tirado o peso das costas. Fui um pouco descontraído, mas claro, eu acho que ninguém que entra naquela pista não corre para ganhar. Portanto eu fui mesmo com o objetivo de fazer o melhor possível, de aplicar tudo o que sei, tudo o que a equipa, a seleção, o treinador e os colegas… tudo o que nós desenvolvemos. Fomos lá para dar o nosso melhor. Corri para ganhar, mas não podia sonhar, antes do campeonato da Europa, que viria para casa com três medalhas, sendo uma delas um título.

Iúri Leitão (arquivo pessoal)

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MF: Depois destes resultados, já não dá para ir sem pressão para uma prova? IL: Eu gosto de ver as coisas ao contrário. Quando tenho um grande objetivo, sofro por antecipação, até o conseguir, mas depois fico mais descontraído porque já não tenho nada que provar a mim mesmo. Tenho só de trabalhar e melhorar a minha condição e conseguir mais títulos e construir um currículo melhor.

MF: Já conseguiu largar as medalhas? IL: Estou a tentar evitar andar com elas porque, de tantas vezes que já precisei de as levar, estão a ficar riscadas. Tento poupá-las, mas tem sido impossível. Ainda tenho de escolher um sítio para as colocar. Para já, estão guardadas numa gaveta. A camisola de campeão é que ainda não saiu da cabeceira.

MF: Tem sido muito solicitado nestes dias? IL: Sim, muito, muito. Tenho estado com o telemóvel ao rubro, as minhas redes sociais estão a disparar, então tenho tentado responder a toda a gente. Nós trabalhámos para trazer o melhor resultado possível para nós e para o nosso país, mas claro que depois chegar ao final do dia e ter vários jornalistas a contactarem-nos, ter várias pessoas felizes por nós, deixar o nosso país orgulhoso e sentir isso é muito bom. Durante o campeonato recebi muitas mensagens, mas as que, sinceramente, mais gostei de receber foram de pessoas de Viana de Castelo, da minha cidade, a dizerem que têm muito orgulho de terem um vianense a levar o nome do país e da cidade às bocas da Europa. Ficaram muito orgulhosos e eu também.

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MF: Este é um ano bom para o ciclismo português com as seis medalhas dos Europeus, a participação do João Almeida e do Rúben Guerreiro no Giro… IL: Este ano temos tido a felicidade de ter resultados tão variados e tão importantes que saltam à vista de toda a gente. Por exemplo, eu fui vice-campeão da Europa três vezes o mês passado, mas não é um resultado tão relevante assim para toda a gente. Ser campeão da Europa é. Ou como o João Almeida que andou 15 dias na liderança da Volta a Itália. São resultados de extrema relevância. Nós trabalhámos muito para isso, não há segredo. Conseguirmos tanto destaque é bom para nós, para o ciclismo, para que tenhamos o reconhecimento, por nós e pelos nossos colegas que trabalham para isso. É bom para toda a gente. Se continuarmos a ter este tipo de resultados, as pessoas terão mais interesse pela modalidade.

MF: Bom também para que cheguem os apoios necessários… IL: Sim, por mais que nós preferíssemos que não fosse assim, é essencial termos apoios porque sem boas condições não podemos ter uma preparação ao melhor nível.

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MF: Este é também um ano estranho para o mundo inteiro. Como é que as restrições por causa da pandemia o afetaram? IL: Foi sobretudo a parte das competições porque eu tinha um documento especial que me permitia treinar sem limitações, mesmo durante o confinamento, por causa do estatuto de atleta de alto rendimento. Mas o problema foi não termos competições. Quando temos um objetivo delineado, uma data marcada, uma prova que sabemos que vai acontecer, trabalhamos com vista a algo. Neste ano, nós trabalhámos para nada. Não sabíamos se ia haver competições e quando. Tivemos de nos focar em algo que não existia. Aconteceu uma prova ter sido cancelada com menos de uma semana de antecedência.

Com o selecionador nacional Gabriel Mendes  (foto UEC)

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MF: Já lhe aconteceu ter crianças a dizerem-lhe que as inspira? IL: Sim, já aconteceu numa ou noutra ocasião, mas espero que a partir de agora seja mais recorrente, porque assim como eu fui inspirado por outros atletas que brilhavam, espero inspirar mais gente.

MF: Quem eram esses atletas que o inspiravam? IL: Desde que eu entrei no ciclismo, houve muitos atletas, portugueses e internacionais, como o Alberto Contador, o Mark Cavendish, o Rui Sousa.

MF: Como é que começou no ciclismo? IL: Foi uma coisa que aconteceu naturalmente e eu na verdade não tive escolha porque era bastante criança. O meu pai chegou a competir quando era miúdo, correu dois anos quando tinha 15/16 anos. Era uma grande paixão dele só que, infelizmente, não pôde seguir. Daí tirou várias amizades, entre elas o Vítor Pedreira, um colega dele que passou a ser mais tarde diretor da equipa de formação onde eu cresci, a Escola de Ciclismo Santa Marta. Um dia ele foi buscar-me a casa e inventou a desculpa ao meu pai de que ia haver um evento. Disse ao meu pai para ir buscar-me a certas horas e, quando ele chegou, eu já estava equipado e já lá estavam os papeis para o meu pai assinar para me federar. Eu tinha seis anos. Na altura, entrei porque sim, mas, com o passar dos anos, fui gostando cada vez mais, e agora é a minha vida.

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Iúri Leitão (arquivo pessoal)

MF: Já mostrava algum talento com aquela idade? IL: Eu penso que a dedicação e o trabalho são a chave de tudo, mas claro que tem de haver sempre algum talento. 90% do que é um atleta é o seu talento e dedicação, mas, na altura, foi por uma questão de amizade. Ele conhece-me desde que eu nasci, sempre gostou muito de mim, e meteu na cabeça que eu tinha de ser ciclista. Até hoje é o meu grande mentor. Apesar de já ter passado por muitas equipas, tenha mudado de treinador, ele continua a ser o meu grande apoiante até hoje.

MF: Quando era miúdo, andava sempre com a bicicleta? IL: Sim. Andava com a bicicleta para todo o lado. Nem sei ao certo quando aprendi a andar. Aos seis comecei a competir, mas já sabia andar de bicicleta, provavelmente era muito pequenino. Ando desde sempre, não me lembro de fazer outra coisa.

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MF: Lembra-se da primeira bicicleta que teve? IL: Quando era mais pequenito, eu usava bicicletas do clube. Eram mais pequeninas para formação, treinar a destreza. Depois, quando tinha dez anos, os meus pais ofereceram-me uma bicicleta porque a competição começava a ser mais a sério.

Iúri Leitão (arquivo pessoal)

MF: Chegou a experimentar praticar outras modalidades? IL: Nunca experimentei, nem sequer tive intenção disso. Era aquilo que eu queria fazer, era andar de bicicleta.

MF: Quando não está a treinar também anda de bicicleta? IL: Sim, várias vezes.

MF: Não se farta? IL: Não, não. Se me fartasse não conseguiria ser feliz a ser ciclista.

MF: Quando era mais novo, como foi conciliar o desporto com a escola e as outras atividades? IL: Sempre estive bastante ciente de que queria fazer isto da minha vida. Estudei até ao 12.º ano e depois dediquei-me a 100% ao ciclismo. É praticamente impossível render a 100% nas duas vertentes. Se eu estiver a fazer uma licenciatura, não conseguirei ser o melhor atleta que posso. Prefiro dedicar-me a uma coisa só, que é fazer aquilo de que mais gosto.

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Iúri Leitão (foto UEC)

MF: Não é fácil ser atleta profissional, a família e os amigos não o aconselharam a não seguir este caminho? IL: É difícil fazer carreira no desporto em Portugal. Eu sempre soube dessas dificuldades. Ser ciclista, na parte da formação, é bastante dispendioso para os nossos pais, mas sempre fui bastante incentivado a continuar, a esforçar-me ao máximo, sempre tive muito apoio. A família e as pessoas que estão diretamente a trabalhar comigo ou ao meu redor são fundamentais para que eu consiga ter uma vida estável, tranquila, e estar 100% focado no ciclismo, porque não é fácil para ninguém.

MF: Pensou alguma vez em desistir? IL: Há sempre momentos difíceis em que nos passa pela cabeça desistir, mas o importante nessas fases é manter a cabeça fria, dormir sobre o assunto, acordar no dia seguinte e arranjar motivação para continuar. Todos nós passámos por momentos difíceis, os nossos adversários e os nossos colegas também.

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MF: Quais foram os momentos mais difíceis nestes 16 anos de carreira? IL: Já por várias ocasiões tive lesões ou quedas graves, que me obrigaram a parar, às vezes por meses, que levaram a que perdesse toda a forma que tinha, a começar todo o trabalho do zero. São os momentos mais difíceis. Ver que todos os meses, anos de trabalho que temos para trás foram perdidos. Nesses momentos é preciso acreditar muito em nós mesmos, ter muito apoio de quem está à nossa volta e não baixar os braços. Como isso já me aconteceu, e hoje consigo dizer que sou campeão da Europa, acho que qualquer um pode.

MF: Que lesões foram essas? IL: Já tive de ser operado a um joelho e estar três meses parado, já tive uma queda grave que me impediu de andar durante algumas semanas, fiquei com feridas nos joelhos que iam até ao osso. Foi em estrada, caí a 90 km/hora, bati com a cabeça, desmaiei e fui de rastos. E é mais difícil para quem me é próximo do que para mim porque eu enfrento a dor, os curativos, e volto ao trabalho de cabeça fria, mas quem gosta de mim e me vê nessas situações… por vontade das pessoas que estão à minha volta, eu não voltava. Por exemplo, em dezembro do ano passado, estava a competir em Hong Kong, tinha a minha namorada a ver a corrida pela televisão, e caí uma vez, faltavam 140 voltas para o fim. No final da corrida voltei a cair, parti o braço, tive de ir para o hospital e voltar de Hong Kong sozinho porque a comitiva foi para outra prova para a Austrália. Regressei sozinho, cheio de feridas, com o braço ao peito, com um monte de malas, e a minha namorada à minha espera com o coração nas mãos. É melhor voltar com o peito cheio de medalhas que é só ir ao aeroporto receber, como ela fez desta vez.

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Com a medalha de ouro (foto UEC)

MF: Quais são os seus objetivos para o futuro? IL: Todas a provas que aparecerem, eu vou dar o meu melhor e espero voltar a fazer um bom resultado. No ciclismo, toda a gente sonha em ser campeão do mundo. Eu ando no ciclismo de pista há pouco tempo, já conseguir ser campeão da Europa é muito bom para mim, muito gratificante, mas, claro, que ser campeão do mundo é mesmo o grande objetivo. E, quem sabe, chegar aos Jogos Olímpicos.

MF: Tóquio já não dá… IL: Falhámos a qualificação por uma posição. Foi mesmo por pouco. Na última competição fomos ultrapassados por uma seleção que nos roubou o último lugar. Foi um balde de água fria porque estávamos bem encaminhados na qualificação olímpica. Não conseguimos, mas agora estamos completamente focados em fazer um bom trabalho e fazer uma boa qualificação olímpica para 2024. Com toda a certeza que virei mais forte.

Com o selecionador nacional Gabriel Mendes  (foto UEC)

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