DESTINOS é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINOS.

A viagem arranca a 12 de dezembro. Mais importante do que escolher bem o destino, é ter em conta o caminho a percorrer. Afinal, está em curso uma aventura mágica pelo passado do futebol nacional.

O DESTINOS chega ao número 100, quase sete anos após a primeira entrevista. O dia é especial e tem um convidado de honra. Não é um futebolista, não é um dirigente, mas tem uma memória enciclopédica e um ror de inconfidências prontas a disparar.

O Maisfutebol lança um desafio a Rui Miguel Tovar, o nosso protagonista nesta edição «best of»: escolher três dos 99 entrevistados deste espaço e, a partir daí, soltar a imaginação e os pedaços de histórias que aguardam o palco devido.

A lista é longa, mas as escolhas chegam a bom porto. Tovar opta por três esquerdinos, dois com íntima ligação ao Sporting dos anos 90 e um com passagens fortes por FC Porto e, sobretudo, Boavista.

Senhoras e senhores, venham connosco revisitar a vida e obra de Emmanuel Amunike, Krassimir Balakov e Ion Timofte. Com Rui Miguel Tovar.

«A chegada do Amunike a Alvalade foi um cambalacho incrível»

Junho de 1995, há rumores a apontar um nigeriano de qualidade ao Sporting, mas Rui Miguel só sabe de tudo na manhã seguinte. A escola não ficava perto e as horas de deitar eram religiosamente cumpridas na casa dos Tovar.

«O folhetim da chegada dele ao Sporting foi um cambalacho imperdível. Cintra, Duisburgo, Zamalek, uma maluqueira.»

«Estamos a falar de um tempo em que eu sabia das coisas através dos jornais do dia a seguir. Eu acordava às seis da manhã para ir para a escola em Lisboa, porque morava em Póvoa de Santo Adrião. Ia de autocarro para a escola, nas empresas Barraqueiro ou Isidoro Duarte.»

Rui deitava-se tão cedo que nem os jogos da Liga dos Campeões conseguia ver. Um pecado, uma heresia, uma revolta.

«Às nove horas, no máximo nove e meia, estava a dormir. Vejam lá que nem consegui ver em direto o Milan-Gotemburgo, o jogo do poker do Van Basten, antes de ir para a cama. E eu adorava o meu Milan. Só na manhã seguinte ao acordar é que soube do resultado, porque o meu pai me deixou um bilhete, que era até mais uma carta, a dizer o resultado e a descrever o jogo. O Van Basten era o meu ídolo e fez um golo de bicicleta de fora da área, mas eu não via os jogos à noite.»

«Tudo isto para dizer que eu estava completamente desinformado sobre a chegada do Amunike. Nunca tinha ouvido falar dele até chegar a Alvalade. No Mundial de 1994 percebi que ele era diferente, principalmente no jogo da Nigéria contra a Itália do Roberto Baggio.»

Lentamente, Amunike agarra o coração de Rui Miguel Tovar. Principalmente pelo que faz num dérbi.

«A minha memória mais forte do Amunike é a do golo marcado ao Benfica, num 1-0 em Alvalade. Fui ao jogo com amigos benfiquistas e o golo aconteceu na bancada do outro lado. Acho que foi no dia 1 de dezembro [de 1994]. O Amunike era um tipo que aproveitava bem as bolas soltas na área e não deu hipóteses ao grande PreudHomme. A minha admiração por ele nasceu nesse jogo.»

E que Amunike guarda Rui Miguel na cabeça e nas cassetes VHS?

«O Amunike era um extremo um bocado errático, mas muito positivo. Muito vertical. Pegava na bola, enchia o peito e jogava com alegria. Não era um portento de técnica, mas era um tipo que adorava os jogos grandes e sobressaía nesses jogos. Era um trator.»

«Marcou o golo decisivo na final olímpica de 96 contra a Argentina. Fiquei louco. Estava a jantar com os meus pais nessa noite e estava a ver o jogo pelo canto do olho. Quando vi o Amunike a encostar para golo, eh eh eh, que loucura.»

«Cheguei a ter uma camisola dele com o número 11, mas ofereci-a ao filho de um amigo meu.»

Amunike não levará a mal, caro Rui. Amigos para sempre.

VÍDEO: o golo de Amunike ao Benfica (imagens RTP)

«Estava uma nuvem do caraças no relvado e nem vimos a bola a entrar»

No Natal de 1990, há uma prenda búlgara no sapatinho de Rui Miguel Tovar: Krasimir Balakov. Não desceu pela chaminé, nem entrou pela lareira, mas ficou para sempre eternizado na sala, no quarto e na cozinha dos Tovar. Balakov é um deus búlgaro e as imagens ultrapassam as palavras na hora de descrevê-lo.

«O meu pai foi fazer o jogo de estreia do Balakov. Sporting-Penafiel, 2-0, e o Balakov entrou ao intervalo. Eu ouvi esse jogo pela rádio. À noite, ao jantar, começou a dar o resumo desse jogo e nós a ouvirmos a voz do meu pai na televisão. Perguntei-lhe pelo Balakov e ele apontou para a televisão: ‘Balakov entrou ao intervalo e deixou boas indicações’. Só isso. Mas foi bom, para mim já era bom saber que o meu pai tinha gostado do Balakov.»

Rui Miguel Tovar não esquece dois golos do genial esquerdino ao Benfica. Um logo aos 12 segundos de um dérbi e o outro numa execução técnica só ao alcance de um predestinado sobrenatural.

«O Balakov marcou o primeiro golo de uma transmissão em direto da SIC. E logo contra o Benfica. Estava uma nuvem do caraças no relvado e nem vimos a bola a entrar na baliza. Há um remate e… onde está a bola?»

«Ele tem esse grande golo ao Benfica e tem ainda aquele chapéu maravilhoso ao PreudHomme. Só um gajo genial era capaz de fazer esse golo.»

Quatro anos e meio em Lisboa e mais oito em Estugarda. Balakov é fiel aos emblemas que escolhe e até isso agrada a Rui Miguel Tovar, alérgico a mercantilismos bacocos e mercenários de vão de escada.

«O Balakov era um jogador incrível. Só é pena não ter tido uma carreira melhor. Saiu do Sporting e fez seis anos no Estugarda, com o Bobic e o Élber. Aquele Bulgária-Alemanha em 94, por exemplo, faz-nos abanar a cabeça. A Alemanha entra a ganhar e depois a Bulgária dá a volta ao marcador, vinda sabe-se lá de onde. Grande Balakov.»

VÍDEO: o «chapéu» de Balakov a PreudHomme na Luz (imagens RTP)

«O Timofte era o gajo mais cool do mundo, estava sempre tudo bem»

Falso lento? Intensidade zero? Sonolento? Deixem-se de tretas, nem se atrevam a dizer mal de Ion Timofte. O romeno é mais um dos génios nos livros da antologia Tovariana e aqui só recebe elogios.

«Tenho na memória um golo do Timofte ao Kralj nas Antas. Aquilo foi um pontapé de treino. Mesmo de longe, longe. Acho que ainda raspa num jogador e entra. O Timofte era o gajo mais cool do mundo, estava sempre tudo bem para ele.»

«Era um virtuoso que sabia estar. Fazia tudo bem. Merecia ter jogado mais vezes na Roménia e tenho pena que ele não tenha estado no Mundial de 94 naquela grande seleção.»

Aos três anos no FC Porto, Timofte acrescenta mais seis temporadas no Boavista. É um romeno com pronúncia do Norte e um talento inato para ganhar na Luz. Com qualquer um dos emblemas portuenses.

«Na Luz baralhou completamente a defesa do Benfica nas bolas paradas. Eu estava na Aroeira, em casa de um amigo meu com alguns benfiquistas, e disse-lhes que queria ver o Benfica-Boavista porque o Timofte era o melhor estrangeiro a jogar em Portugal. Riram-se. O Boavista ganhou e o Timofte fez duas assistências para golo.»

«O Timofte tanto jogava bem contra o Leça como contra o FC Porto ou o Benfica. Logo que houvesse uma bola, o Timofte reagia bem.»

Rui Miguel Tovar adora esquerdinos e estes são os esquerdinos da sua vida na liga portuguesa. Emmanuel Amunike, Krasimir Balakov e Ion Timofte. O «best of» do DESTINOS.

VÍDEO: a «bomba» de Timofte nas Antas (imagens SIC)



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91. Tony Sealy: «O Damas era o Sean Connery, o 007 do Sporting»

92. Artur: «Saí do FC Porto porque stressei com o Fernando Santos»

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96. Balakov: «Vivi ao lado da Luz e espiei muitos treinos do Benfica»

97. Drulovic: «O Robson não me convocou e disse 'não há lugar no avião'»

98. Serifo: «Fui herói em Leça, tive um enfarte e vivo do Rendimento Mínimo»

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