Neymar surpreendeu o planeta quando anunciou, contra todas as expetativas, que o Mundial 2022 ia ser o último da sua carreira. Surpreendeu sobretudo o Brasil, que não estava preparado. A notícia caiu no futebol brasileiro como uma bomba e teve repercussões em vários pontos do globo.

«Acho que será o meu último Mundial. Eu encaro como sendo o último porque não sei se terei condições, de cabeça, para aguentar mais o futebol», disse Neymar.

Os Mundiais estão para o futebol brasileiro como Fátima está para os peregrinos: é o sonho de qualquer jogador, qualquer treinador, qualquer adepto. Neymar abdicou desse sonho aos 30 anos, quando ainda poderia estar em perfeitas condições de disputar mais um Campeonato do Mundo.

Por isso a pergunta repete-se: porquê? Porque não tem mais condições de cabeça?

«Esta declaração do Neymar pode ser uma maneira de procurar chamar a atenção, um pedido de ajuda. No futebol é preciso ter muita inteligência emocional», diz Fabiano de Abreu ao Maisfutebol.

Fabiano de Abreu é um neurocientista, com formação também em neuropsicologia, psicologia, neurolinguística e neuroplasticidade. Nascido no Brasil, filho de portugueses, é diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito, membro da Federação Europeia de Neurociências e da Sociedade Brasileira e Portuguesa de Neurociências.

«O lobo frontal, região da lógica, tomada de decisões, prevenção, precisa de estar desenvolvido de maneira a controlar a emoção, que fica no lobo temporal do cérebro. Ambas as regiões se comunicam e, quando emocionalmente afetadas, por diversas circunstâncias, a comunicação pode não funcionar da maneira correta, trazendo consequências comportamentais e levando à tristeza.»

No fundo o grito de alerta de Neymar podia ser comum a vários jogadores. Mas no caso do brasileiro, todos estes obstáculos identificados pela neurociência atingem um ponto mais crítico.

Por tudo o que envolve ser Neymar, há no jogador do PSG uma necessidade mais urgente de satisfazer o sistema de recompensa no cérebro, o que acaba por o conduzir a uma maior ansiedade e descontrolo emocional, a revelar imaturidade e necessidade de chamar atenção.

«São sintomas do transtorno de personalidade dramática», refere Fabiano de Abreu.

«Isso está relacionado também com uma criação de proteção desde a infância, quando o pai deposita no filho a confiança e responsabilidade do sucesso. Muitos jogadores apresentam este reflexo. Deveriam ter cumprido cada fase com as diretrizes corretas, entre elas, o tão necessário ‘não’, que os pais precisam de dar para que os filhos entendam os limites e possam ter o discernimento entre o que está certo e o que está errado, para um melhor comportamento.»

O neurocientista diz que o futebol está cheio de crianças grandes, que não amadureceram intelectualmente como era suposto, numa realidade que tem crescido exponencialmente nos últimos tempos, sobretudo depois da explosão das redes sociais.

«As redes sociais estão a prolongar a infância. A imaturidade é aumentada pela necessidade de chamar a atenção e isso tem uma relação com as redes sociais, com o sistema de recompensa do cérebro e com a cultura de destaque contínuo que elas fornecem», sublinha.

«O narcisismo exacerbado tornou-se um dos sintomas mais aparentes, o que conduz a uma impulsividade e incoerência. Por isso tomam-se decisões sem prevenção das consequências.»

O que acaba por coincidir com os traços da personalidade que se encontram em Neymar. O brasileiro é um frequentador compulsivo de redes sociais e aparece frequentemente, nas imagens que mostram a intimidade da equipa principal do PSG, a mexer no telemóvel.

«As redes sociais, principalmente para os atletas famosos, são uma arma perigosa, como foi revelado nos Jogos Olímpicos. O exagero de utilização das redes sociais atinge capacidades como a concentração, a manipulação da inteligência emocional e a neuroplasticidade cerebral», diz.

«Por isso exercícios como a leitura, os jogos de lógica e a diminuição do tempo nas redes sociais são um trabalho psicológico essencial que todas as equipas deveriam tratar nos jogadores.»

Fabiano de Abreu aproveita até para estabelecer um contraponto: Cristiano Ronaldo. O capitão da Seleção Nacional apresenta os sinais de ser o oposto do que é Neymar, o que se pode confirmar nas informações que nos chegam da forma como passa os tempos livres e usa as redes sociais.

«Cristiano Ronaldo tem um ótimo controlo da inteligência emocional, que se reflete nos recordes que bate, ele que é o ser humano mais seguido no Instagram em todo o mundo», refere.

«Apesar de ser extremamente famoso em todo o planeta, Ronaldo consegue manter o controlo, principalmente do narcisismo, onde poderia ter maiores consequências aparentes. Não podemos confundir uma grande vaidade com comportamentos de sintomas de transtornos narcisistas.» 

Por isso o neurocientista diz que é fundamental os pais não burlarem aos filhos as etapas da vida tão necessárias para o amadurecimento intelectual. Neymar, diz, pode ser um grito de alerta.