Referência do futebol soviético e três vezes semifinalista da maior competição de clubes da Europa, o Dinamo Kiev volta a encontrar-se com o Benfica na Liga milionária, quando se completam as bodas de prata dos míticos confrontos entre ambos na primeira fase de grupos da história da Taça/Liga dos Campeões. E se, à época, as coisas não correram nada bem aos «encarnados» na capital ucraniana (derrota por uma bola a zero), desta feita seria importante garantir um resultado positivo, sob risco de hipotecar seriamente a continuidade na Europa dos poderosos.

Pela frente, estará um campeão ucraniano a viver um arranque de época intermitente, algo confirmado pelo facto de apenas somar 50 por cento de vitórias esta temporada. Curiosamente, o Dinamo até arrancou bem, somando uma conquista (a Supertaça), frente ao Shakhtar Donetsk de Paulo Fonseca, após penáltis. No campeonato, a distância para o maior rival já é de seis pontos, ao cabo de 11 jornadas, tendo ainda o Zorya à perna, com a mesma pontuação (23). Na Europa, e depois da derrota caseira a abrir frente ao Nápoles (1-2), o histórico emblema de Kiev conseguiu somar um importante ponto na deslocação a Istambul para defrontar o Besiktas (1-1).

À partida para a temporada 2016/2017, porém, registaram-se duas saídas que enfraqueceram um pouco o Dinamo: o central Dragovic saiu para o Bayer Leverkusen (pela soma avultada de 18 milhões de euros) e Miguel Veloso terminou contrato, tendo regressado ao Genova. Outros jogadores de qualidade indiscutível mas sem espaço no plantel acabaram emprestados (Belhanda, Teodorczyk, Kravets ou Mbokani, por exemplo) e, por sua vez, chegaram apenas dois reforços a Kiev: o avançado internacional ucraniano Oleksandr Gladkiy (que cessou o contrato com o «inimigo» Shakhtar) e o ala Artem Gromov, recrutado na mesma circunstância, depois de seis anos ao serviço da equipa principal do Vorskla Poltava.

De resto, o antigo craque do Dinamo e agora treinador, Sergiy Rebrov, pôde continuar a contar com os jogadores que serviram de base ao bicampeonato conquistado nas últimas duas épocas. Esse acaba, no fundo, por ser o grande desafio do técnico de 42 anos: voltar a fazer deste grupo de jogadores uma equipa vencedora.

1-4-1-4-1 com Yarmolenko a marcar a diferença

ONZE-TIPO:

O Dinamo Kiev costuma apresentar-se num 1-4-1-4-1, desdobrável em 1-4-3-3 e nalgumas situações defensivas em 1-4-5-1. Sergiy Rebrov é apologista de um jogo apoiado e bem pensado, variando entre a zona interior e o flanco e aproveitando as características individuais dos homens da frente, em situação de ataque rápido ou contra-ataque. Nos jogos europeus, aliás, a equipa notabiliza-se mais nos momentos em que procura jogar de forma mais direta e rápida, especialmente procurando a referência Andriy Yarmolenko.

Para o encontro desta quarta-feira frente ao campeão português, no Estádio Olímpico de Kiev, é de esperar a manutenção da aposta em Rudko na baliza, guarda-redes que entrou para a equipa à nona jornada do campeonato e não mais abandonou o lugar. Na defesa, teremos Morozyuk (ou Danilo Silva) no lado direito, Khacheridi e Vida a complementarem-se no eixo e o internacional português Antunes na lateral esquerda. Rybalka será ao que tudo indica o médio mais recuado, com Sydorchuk e Garmash (embora também possam aparecer por aqui Fedorchuk ou Buyalskiy) como interiores e Yarmolenko e Derlis González, jogador que passou ainda jovem pelo Benfica nas alas. O avançado será, à partida, o brasileiro Júnior Moraes.

No momento ofensivo, é notória a tendência na busca de Yarmolenko. O canhoto, que joga habitualmente descaído na direita, é provavelmente o elemento mais determinante do plantel do Dinamo, pese embora o arranque de temporada nem esteja a ser brilhante. Tanto em ataque posicional como em jogadas de transição rápida, é percetível a tentação de os colegas deixarem a bola nos pés do «10», de forma a que este possa inventar uma jogada, conjugando atributos como velocidade, condução, qualidade de passe, visão de jogo e remate. Yarmolenko procura associar-se aos companheiros que jogam em zonas mais centrais, fazendo diagonais de forma constante. É também muito comum vê-lo recuar para se conectar ao jogo ou receber passes longos, muitos deles a virar o centro do jogo para o «seu» espaço.

Yarmolenko recebeu um passe longo, variando o flanco, ataca o espaço, ganha no um-para-um e cruza junto à linha para a finalização do companheiro que aparece aqui à entrada da área
A reconhecida calibragem no cruzamento de Yarmolenko. Aqui mete a bola ao segundo poste, onde Tsygankov ganha a bola e assiste Garmash para o golo

Se a saída de bola acaba por ser algo lenta e previsível em variadas situações (como iremos ver mais à frente), é quando procura atacar os espaços em velocidade que este Dinamo se torna mais letal. Tanto com Yarmolenko, na direita, como com Derlis González (ou ainda o promissor Tsygankov e o reforço Gromov), mais na esquerda, a equipa consegue imprimir velocidade e repentismo nas ações de ataque rápido e contra-ataque. Além do mais, é também notório o envolvimento de Garmash nessas jogadas de ataque, podendo ser muito útil tanto ao nível do último passe como também no remate de meia-distância. Na frente, está um avançado que não vira a cara à luta, é feroz, rápido e remata de toda a forma e feitio (Júnior Moraes).

A ação de Garmash no último passe, lançando o veloz Júnior Moraes entre o central e o lateral-esquerdo

Os desequilíbrios defensivos e os problemas na saída de bola

O Dinamo em fase defensiva, assumindo um claro 1-4-1-4-1

Como já indicado, a equipa apresenta-se em 1-4-1-4-1, assumindo um 1-4-3-3 quando faz subir os alas. Certo é que em organização defensiva ou no momento da reação à perda, os homens do flanco tendem a baixar, nalguns momentos até bem perto dos dois laterais. Se a equipa perder a bola mais perto da baliza, há momentos em que chega a parecer estar num 1-4-5-1 bem compacto. De facto, é notória uma certa tendência em alguns momentos para fechar muito por dentro, o que convida os adversários a ganhar superioridade nos corredores laterais, buscando igualmente a profundidade.

Dois momentos, em jogos diferentes (Shakhtar e Besiktas), nos quais a linha defensiva fecha muito por dentro, «convidando» o adversário ao cruzamento

Outra situação que o Benfica pode (e deve) procurar explorar nestes momentos são os espaços que podem surgir à entrada da área para remate. Como o Dinamo aglomera muita gente na área nalgumas destas jogadas, há sempre a possibilidade de se abrir uma brecha, uma hipótese para que um jogador que venha desde trás possa surpreender e atirar de fora da área ou à entrada da área.

A zona assinalada pode ser aproveitada por um jogador contrário, quer seja na sequência de uma segunda bola ou de cruzamento atrasado

Outro ponto importante é a pressão que a equipa benfiquista será capaz de efetuar (ou não) no momento de início de construção do Dinamo. O campeão ucraniano quando tenta sair em apoio fá-lo muitas vezes de forma lenta e algo previsível, ora recuando Rybalka para o meio dos centrais ou deixando-o a ele (ou a um colega) algo desapoiados no momento de soltar a bola. Pressionar o homem que garante a saída de bola desde trás e com isso poder proporcionar situações de recuperação de bola e posterior transição ofensiva, às quais à formação de Rebrov não reage tão bem, pode ser a chave para o sucesso.

Repare-se neste caso como Rybalka é pressionado e acaba por ver o processo de construção condicionado logo à partida
Situações como a contida na imagem anterior podem levar a desequilíbrios crassos na estrutura defensiva do Dinamo Kiev. Aqui, uma perda de bola gerou uma situação de perigo (que viria até a resultar no livre que deu o golo de Quaresma)

Apesar de muito fortes no espaço aéreo, os centrais Khacheridi e Vida podem ser batidos neste tipo de jogadas, em especial se os cruzamentos do lado contrário forem bem lançados, para as costas destes dois elementos. Aliás, no jogo frente ao Nápoles, foi notória a aposta da equipa de Maurizio Sarri nesse tipo de jogadas (assim fizeram os dois golos).

Milik, assinalado com um círculo, ganha o espaço nas costas de Vida e cabeceia em direção da baliza. Estava feito o empate do Nápoles em Kiev

Bolas paradas

O Dinamo é uma equipa com um aproveitamento interessante ao nível das bolas paradas ofensivas, até porque tem excelentes executantes nesse tipo de jogadas (Yarmolenko é a referência na marcação, se bem que Rybalka seja também especialista a cobrar livres laterais), tanto em livres diretos como laterais (ou cantos).

Tendência a meter as bolas para o segundo poste em situação de bola parada lateral. O lance do golo em Istambul é um retrato do padrão habitualmente seguido pela equipa de Sergiy Rebrov neste tipo de jogada
Canto favorável ao Dinamo, com cinco homens a atacar a área contrária. É também comum vermos o campeão ucraniano marcar cantos curtos, de forma a baralhar a organização defensiva contrária

Já nos cantos em zona defensiva, é comum vermos uma marcação mista, com um preenchimento zonal do primeiro poste e algumas marcações individuais aos homens mais perigosos que surjam no centro da área ou ao segundo poste.