«O Giovanni tem tudo para ser um grande jogador. Mas é meu filho. Infelizmente, nunca irei contratá-lo. Seria impossível para mim ter um filho dentro do balneário. Para a nossa relação não seria positivo.»

Diego Simeone recusou sempre treinar o filho, Giovanni. Nunca olhou ao valor do atual avançado do Cagliari, mas sim à ligação de sangue que os unirá para sempre. O treinador do Atlético Madrid tem uma opinião que é, pelo menos, compreensível.

Há muitas questões a levantar sobre uma relação profissional num clube de futebol entre pai e filho. E nenhuma com uma resposta capaz de satisfazer a angústia que a dúvida instala. É maravilhoso assistir em público a um abraço como o de Sérgio a Francisco, mas antes e depois disso há um mundo de zonas cinzentas.  

. Como reagiria o plantel quando Giovanni fosse titular em detrimento de alguém que o grupo entenderia ser melhor?

. Como ficaria o próprio Giovanni ao escutar comentários menos simpáticos entre colegas sobre o pai treinador?

. De que forma seriam pai e filho capazes de separar o amor familiar das funções profissionais?

. Até que ponto o pai teria a frieza que se impunha ao analisar o futebol e o rendimento do filho?

Diego Simeone prefere não lidar com as incertezas e decidiu não trabalhar com Giovanni. Aceitável, como aceitável seria precisamente o oposto. Este é um tema sem lado certo e lado errado, mas sim um quadro raro e de características naturalmente sensíveis.

O tema surge a propósito da estreia (mais do que prometedora) de Francisco Conceição na equipa principal do FC Porto. E, já agora, a de Bernardo Folha na equipa B dos dragões, um dia depois – esta, infelizmente, com menos motivos bons para ser recordada em casa.

Num mundo perfeito, nada mais deveria importar a não ser o rendimento. Se Francisco tem valor para jogar, então jogará. Se Bernardo é suficientemente bom para ser titular, então será. Seja o Sérgio ou seja o António esse treinador.

Infelizmente, nem sempre esta capacidade para analisar as coisas de forma justa está presente. E talvez por isso seja tão raro encontrar casos idênticos ao de Sérgio-Francisco Conceição na história da I Liga.

Quantas vezes aconteceu? O Maisfutebol identificou dois exemplos em Portugal. António Sousa treinou o filho Ricardo no Beira-Mar durante três épocas na I Liga: 1998/99, 2000/01 e 2002/03. Ricardo foi sempre titular e um dos melhores jogadores da equipa. Sem constrangimentos de parte a parte.

«Nunca me pesou. Todos os anos em que joguei com o meu pai fiz sempre mais de 15 golos/ano. Se calhar se a produção não fosse boa eu poderia ficar com algum receio daquilo que as pessoas pudessem pensar, mas quando na I Divisão uma pessoa faz sempre acima de 15 golos/ano pouco existe a dizer. Sabia que tinha de treinar mais e melhor do que os outros para ninguém nos apontar nada», contou Ricardo Sousa ao Expresso, anos mais tarde.

«Em casa não se falava de futebol. Nada, zero. Uma das coisas que nos habituámos a fazer foi, a partir do momento em que entrámos em casa, o futebol fica à porta, e dificilmente falamos de futebol. Só porventura quando estamos a ver um jogo na televisão, discutimos um bocado de futebol, mas à exceção disso, nada.»

Outro exemplo antigo: José Mourinho, ele mesmo, foi treinado pelo pai Mourinho Félix no Rio Ave, época 1981/82, também na I Divisão Nacional. Mourinho filho era um médio habilidoso, mas pouco intenso. Tinha só 19 anos e foi convocado apenas para um jogo do campeonato. Certo dia, na Taça de Portugal, ia provocando o despedimento do pai, sem ter culpa alguma disso.

«O mister Félix decidiu dar uma oportunidade ao filho e colocou na ficha de jogo o nome do José Mourinho entre os titulares… O presidente, José Maria Pinho, não gostou nada de saber que o miúdo das reservas ia jogar de início, desceu ao balneário antes do jogo e disse para o treinador: ‘Ou tira o seu filho da equipa ou deixa de ser treinador do Rio Ave.’ Perante a ameaça de ser despedido, o Félix Mourinho lá tirou o Zé Mário (José Mourinho) da equipa», contou Baltemar Brito ao Maisfutebol, em 2015.

O mesmo não pôde dizer Jordi, filho de Johan Cruyff, durante os dois anos que trabalharam juntos em Barcelona. «Se eu cometesse um erro no treino, o meu pai gritava muito mais comigo do que com outro qualquer. Ele fazia questão de dizer que nunca me faria nenhum favor. Os meus colegas acabavam por ter alguma pena de mim, porque o meu pai conseguia ser mesmo mauzinho quando queria», revelou em 2016 à ESPN.

«A minha mãe só falava comigo sobre futebol às escondidas. Nunca a vi sofrer tanto como na altura em que ela via o filho a jogar numa equipa treinada pelo marido. Foi uma das principais responsáveis pela minha saída do Barcelona.»

Raras vezes pai e filho se juntam no mesmo balneário, quando se fala de futebol profissional. O Maisfutebol reúne alguns desses casos, todos internacionais, no DOSSIER especial que preparámos. Em nome do pai, em nome do filho.