Há 14 anos que um clássico entre Benfica e FC Porto para a Liga não terminava com um empate a zero. Mas quem tenha seguido com atenção o embate da Luz, neste domingo, não pode ficar surpreendido com o desfecho: surpreendente teria sido o aparecimento de golos, num jogo tão pontuado pelo rigor e pela preocupação em não cometer erros nas proximidades da área defensiva. A análise realizada pelo Centro de Estudos de Futebol da Universidade Lusófona para o Maisfutebol em conjunto com os números oficiais da Liga confirmam-no em toda a linha.

O dado mais relevante do jogo da Luz prende-se com o número de faltas: 42 (17 para o Benfica, 25 para o FC Porto), quase uma a cada dois minutos, gerando nove cartões amarelos e um tempo útil de jogo sem interrupções muito abaixo dos valores médios na Liga. Ainda assim, menos do que as registadas no jogo da primeira volta, no Dragão (46, então com 18 do FC Porto e 28 do Benfica). Mas incomparavelmente mais do que em outros clássicos desta edição da Liga: a título de exemplo, o Sporting-Benfica teve 21 faltas em todo o jogo, e o Sporting-FC Porto teve 30.



Esse dado quase explica, por si só, a dificuldade em gerar desequilíbrios ofensivos por parte das duas equipas. E também que o FC Porto, a equipa que mais precisava de vencer o jogo, tenha chegado ao fim dos 90 minutos com o seu registo mais baixo em toda a Liga: apenas 5 remates conseguidos (mais um intercetado), contra, por exemplo, os 17 que tinha feito no jogo da primeira volta, no Dragão.

O Benfica, por seu lado, também teve alguns registos invulgares. Desde logo, o facto de ter terminado com uma série de 92 jornadas consecutivas sempre a marcar em casa para a Liga: desde a derrota com a Académica, em abril de 2009, ainda com Quique Flores no comando, que os adeptos encarnados festejavam pelo menos um golo da sua equipa nos jogos caseiros. Desta vez, os festejos devem-se somente à situação privilegiada na Liga, já que o golo andou longe. E dificilmente seria de outra forma, dado que a equipa passou toda a primeira parte sem visar a baliza de Helton, concentrando todos os seus sete remates entre os 50 e os 84 minutos.





Num jogo com estas características, muitas vezes são os lances de bola parada a resolver. Mas as duas equipas foram bastante cuidadosas em não cometer faltas em zona frontal. Os oito livres laterais (cinco para o Benfica, três para o FC Porto) foram bem anulados pelas estruturas defensivas o mesmo sucedendo com os quatro cantos em todos o jogo – outro valor muito baixo para os padrões da Liga.

Estes dados sublinham a boa resposta das estruturas defensivas, mas sugerem também algum desacerto na colocação da bola nas duas áreas. E, se a estes números juntarmos os dois lançamentos laterais longos de Maxi Pereira temos, ao todo, 14 situações de bola parada, que geraram somente três remates, entre eles os mais perigosos em todo o jogo, de Jackson, para o FC Porto (1ª parte) e de Fejsa para o Benfica (na 2ª).



Se é rigor aquilo que os treinadores pedem aos seus jogadores em primeiro lugar, tanto Lopetegui como Jorge Jesus podem sair satisfeitos do clássico: não só foram praticamente irrelevantes as perdas de bola de Benfica e FC Porto na zona defensiva (8% e 6%, respetivamente) como as perdas de bola em situação de finalização nas proximidades da área foram baixíssimas para os dois lados (10% para o Benfica, 7% para o FC Porto). Como consequência, este foi um jogo que, em média, teve 85% dos lances na zona intermédia, longe do perigo. Uma tendência claramente favorável ao Benfica, dada a diferença na classificação – agora reforçada pela vantagem no confronto direto, que na prática vale por um ponto extra.



O FC Porto foi a equipa que mais mexeu no onze (cinco alterações em relação ao segundo jogo com o Bayern), dado que Jorge Jesus apenas procedeu a uma mexida forçada na sua equipa habitual – Talisca pelo lesionado Salvio. Também por isso, não deixa de ser significativo que os dragões, obrigados a vencer, tenham chegado tão poucas vezes às imediações da baliza de Júlio César, mesmo tendo mais posse de bola (55% contra 45% do Benfica).

A ideia que fica a pairar é que os 6-1 de Munique tiveram algum peso na forma gradual e contida como o FC Porto planeou o assalto à Luz: como se, no subconsciente da equipa, formatado pelas opções de Lopetegui, o receio de um novo desaire impedisse o assumir de todos os riscos. E o Benfica, em versão utilitária, e bem longe da autoridade habitual nos jogos em casa, aproveitou sem sofrer demasiado: pela primeira vez, na era Jorge Jesus, os encarnados vão chegar ao fim da época sem perderem qualquer jogo com o FC Porto e, desta vez, poderá ser esse o ingrediente decisivo para decidir o título.