‘Jogar em casa’. A expressão é sagrada no léxico futebolístico. Sentir o conforto do povo, conhecer cada milímetro da bancada, cada tufo de relva do retângulo do jogo mágico.

O senso comum diz-nos que o 12º jogador foi, décadas a fio, fundamental em momentos específicos. A pressão sobre o adversário, o vernáculo tipificado a vilipendiar mães sem culpa nenhuma, o árbitro a ceder ao coro de assobios e apupos.

Até isso a pandemia nos tirou. A nós – os que vão ao estádio – e às equipas visitadas.

A perceção geral é simples: o fator-casa deixou de ter o peso que tinha anteriormente. Os ambientes neutros equilibraram o tabuleiro e a própria ambição. Principalmente em estádios onde, de facto, os clubes sentem (sentiam) jogar no e com o aconchego das gargantas amigas.

O barulho do Dragão, o inferno da Luz, a acústica do Bessa, o colorido de Alvalade, a paixão de Braga e Guimarães, só para dar os exemplos mais evidentes. Quais as consequências provocadas por esta orfandade imposta aos clubes nacionais?

Estádios vazios por todo o mundo, uma das imagens da pandemia

Mas será que jogar como visitado deixou de ter o peso que tinha? Não. É esta a conclusão mais forte apresentada no estudo efetuado por investigadores do IPG (Instituto Politécnico da Guarda).

«O efeito positivo de jogar em ‘casa’ parece ir muito para além da influência do público. Possivelmente, existem outro tipo de fatores contextuais que contribuem para uma maior probabilidade da equipa que joga em ‘casa’ ganhar o jogo. É o caso da familiarização com a rotina do dia do jogo, espaços do estádio (balneário, relvado), etc.», indica Pedro Tiago Esteves, docente e coordenador deste projeto, ao Maisfutebol.

De acordo com o levantamento da task force liderada por Pedro Tiago Esteves, a grande diferença está, aliás, relacionada com as equipas de arbitragem. O rigor com os clubes visitados aumentou a partir do momento em que a pandemia fechou as bancadas.

«O desempenho da arbitragem tende a ser mais influenciado pela ausência de público do que o das equipas envolvidas no jogo. Aparentemente, sem a presença de público, a equipa de arbitragem tende a ser mais rigorosa com as equipas que jogam em ‘casa’, ao nível da marcação de faltas, e menos contundente na amostragem de cartões amarelos às equipas que jogam ‘fora’.»

O IPG  refere mesmo que as equipas de arbitragem parecem ser «as mais sensíveis à pressão». Os números provam, como veremos a seguir, que a tolerância com as equipas visitadas é menor depois de as bancadas começarem a aparecer vazias.

Há muitos elementos surpreendentes, mas nem tudo a ciência é capaz de resolver. É Pedro Tiago Esteves quem o afirma, dando o exemplo do Sporting de Ruben Amorim.

«O Sporting terá beneficiado da inexistência de público? Durante grande parte da época tivemos essa certeza, mas agora até acabou por perder pontos importantes em Alvalade. É isto que torna o futebol mágico. Nenhuma estatística é capaz de prever imponderáveis.»

Cadeiras da Luz continuam vazias

Equipas da ‘casa’ ganham ainda mais: todos os números

Vamos aos números. A 8 de março de 2020 jogaram-se as últimas partidas da Liga antes da suspensão imposta pela disseminação do novo coronavírus, o maldito SARS-CoV-2. Nesse dia, o nosso campeonato teve um dia recheado com cinco jogos.

Faltavam dez jornadas para completar o campeonato nacional 2019/20. A prova regressou três meses depois, a 3 de junho, com um Portimonense-Gil Vicente (1-0) e um Famalicão-FC Porto (2-1), jogos que já sugeriam aquilo que o estudo do IPG veio a confirmar.

Sim, as equipas da ‘casa’ continuam a ganhar mais do que os visitantes. Estão, aliás, a ganhar com maior frequência. De acordo com o levantamento, a percentagem de pontos ganhos subiu de 52 por cento (com público) para 57 por cento (sem público).

Falamos de uma análise que compreende as dez últimas jornadas do campeonato anterior e as primeiras 20 da Liga 2020/21, altura em que a investigação foi partilhada.

«Este estudo permite abrir uma janela de conhecimento sobre o impacto das restrições associadas ao surto pandémico COVID-19 na performance das equipas, jogadores e árbitros», continua o professor Pedro Tiago Esteves. «Analisámos mais de 500 jogos, medimos os indicadores de desempenho – percentagem de pontos, golos marcados e sofridos, posse de bola… - e chegámos a estes dados.»

«A investigação permite capacitar os diversos agentes desportivos, como e o caso do staff técnico de apoio às equipas e aos árbitros, com informação potencialmente relevante para ser utilizada no processo de treino e, nessa medida, contribuir para um nível de performance mais elevado.»

O bonito Dragão ainda «despido» de público

Outro número relevante, até surpreendente, diz respeito às faltas assinaladas à ‘equipa da casa’. Essa média semanal subiu de 141 (com público) para 152 (sem público), dados que encaixam no tal maior rigor dos árbitros com os visitados, em comparação com o registado anteriormente.

Mantendo esta lógica, a média de cartões amarelos aos visitantes diminuiu também: de 25 para 22, números semanais. O estudo mostra que as médias de cartões vermelhos e de posse não sofreram qualquer alteração.

A equipa de Pedro Tiago Esteves faz questão de dizer que estes são «dados preliminares» e que o estudo extravasou as fronteiras nacionais. Há mais ligas analisadas mas, neste momento, «até pela envolvência pontual da liga portuguesa», foi escolhida esta divulgação.