Os deuses deram-nos no passado dia 26 de maio a confirmação de algo muito esperado e desejado! José Mourinho junta-se a Pep Guardiola na Premier League.

A época 2016/17, e tal como na astronomia, em que de x em x nos deparamos com acontecimentos tão raros quanto esplendorosos, irá trazer-nos algo parecido no futebol. O encontro dos dois treinadores na cidade de Manchester e os confrontos direto e indireto entre o treinador português e espanhol têm tudo para ser um acontecimento a deslumbrar-nos, e do qual possamos usufruir sentados no sofá.

O mediatismo é tal que quase relega para segundo plano nomes vitoriosos e excecionais como António Conte, Jurgen Klopp ou muitos outros que compõem o conjunto de elevado nível de técnicos a trabalhar em Inglaterra. Felizmente para nós.

Mourinho e Guardiola são dois dos melhores treinadores que o futebol e o desporto já nos proporcionaram, e apresentam-se para a nova temporada precisamente com o mesmo número de títulos (22). Usufruir dos processos e dos resultados da liderança destes dois peritos, não apenas do futebol mas também daquilo que é a relação e sintonia entre um líder e uma equipa, continua a ser uma oportunidade única.

O reencontro surge numa fase diferente das suas carreiras. Distantes já parecem os tempos do confronto em Espanha, mas o momento em nada diminui a sua qualidade.

Tendo uma base e uma identidade muito vincadas, existem certamente aspetos e pormenores aperfeiçoados e outros escondidos nas suas mentes durante estas passagens por Munique e por Londres, parte II. Os dois aparentam ter uma excelente organização mental, o que significa que todos os passos sejam muito pensados e articulados, e observá-los uma delícia para quem gosta das áreas da liderança dos treinadores.

Para Mourinho, ser ator é algo quase intencionalmente genuíno.

As suas lideranças são diferentes, claro!

Se pensarmos que a liderança agrupa as características individuais do líder, os seus comportamentos, crenças e sentimentos e ainda as questões situacionais e contextuais percebemos que podemos encontrar padrões semelhantes em alguns treinadores. No entanto, padrões iguais é quase impossível. Neste caso é fácil afirmarmos que são distintos. E em alguns aspetos, opostos.

Guardiola mudou o seu comportamento em Munique.

Mourinho e Guardiola são perfecionistas. A este nível não existe outra hipótese. Muito focados nas regras coletivas, de modo a não se porem a jeito. São excelentes comunicadores, mas com aspetos muito distintos. Temos a noção que, para Mourinho, ser ator é algo quase intencionalmente genuíno. O português antecipa e prepara-se de modo mais pragmático. O catalão é mais puro, embora esta passagem por terras bávaras o tenha modificado um pouco no modo como comunica para fora, tendo-se tornado mais comedido.

Ao nível da gestão de conflitos, Mourinho sente-se mais tranquilo, demonstra menos ansiedade e procura retirar dividendos. Pep, pelo que fomos assistindo nos últimos anos, tenta resolvê-los antecipando-se. De modo diferente, sem existir um modo melhor ou pior, são dois treinadores que ao nível do modo de estar apresentam diferenças bem visíveis. Há quem diga que Mourinho dispara à cabeça e Guardiola ao coração.

O desafio de ter de mostrar algo mais

Por outro lado, há também um desafio para estes dois treinadores ao nível da motivação, da surpresa, do que vão proporcionar de diferente.

Para lá da qualidade técnica e tática que apresentam, é sempre esperado algo mais em termos de liderança a estes dois. Mourinho apareceu em Itália a falar italiano logo na apresentação, deixando-nos água na boca que já se preparava para o desafio primeiro do que os outros. Guardiola fez o mesmo ao ir para Munique. O português voltou a brilhar na primeira época da segunda passagem pelo Chelsea, mas falhou em algo na seguinte e em vários campos pouco habituais. Guardiola apostou – como aposta quase sempre – na inovação tática como modo de se motivar a si próprio e a quem trabalha com ele, mas não conseguiu a cereja no topo do bolo, que seria vencer a Liga dos Campeões.

É esperar para ver, mas a ideia que dá é que estes dois magos se juntaram preparando uma espécie de reunião All-Stars por Terras de Sua Majestade. Qualquer dia vamos começar também a pedir que estejam sempre por ali os melhores treinadores além dos melhores jogadores. 

Rui Lança é licenciado em Ciências do Desporto e Mestre em Gestão do Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana, e frequenta o doutoramento em Comportamento Organizacional nas áreas da Liderança, Equipas, Autonomia e Treino. Publicou cinco livros, entre os quais «Coach to Coach» e «Como formar equipas de elevado desempenho». É formador nas áreas da liderança, coaching, equipas e treinadores em diversos locais, entre eles na Federação Portuguesa de Futebol no curso de treinadores de futebol e futsal de nível III. Trabalha na vertente do treino do treinador e na área comportamental de equipas desportivas.