Julen Lopetegui foi escolha inesperada para o novo ciclo que se abriu no FC Porto depois da época falhada em 13/14.

O FC Porto chegou aos quartos de final da Champions, desempenho muito positivo para uma equipa portuguesa (apesar da mancha final da derrota 6-1 em Munique), mas poderá estar a semanas de perder pelo segundo ano seguido o título nacional para o Benfica -- e caiu nas duas taças (cedo perante o Sporting, em casa, para a Taça de Portugal, e nos Barreiros, na Taça da Liga).

Que balanço se pode fazer depois de Munique e do clássico da Luz? Terá o difícil mês de abril alterado as contas ao primeiro de três anos de contrato de Lopetegui?

A Maisfutebol Total auscultou a opinião de três observadores do futebol com conhecimento profundo do universo portista. Há elogios a bons momentos mas também a falhanços em fases cruciais da temporada.

E fica a ideia de que Lopetegui teve em 14/15 um «ano I» muito marcado pelas mudanças num plantel com grandes talentos, mas ainda jovem. A confirmar-se que o título desta temporada irá para o Benfica, o «ano II», que tudo indica vai mesmo existir, terá margem bem menor para o técnico basco. 
 
O primeiro ano de Lopetegui
 
Miguel Lourenço Pereira, analista de futebol, radicado em Madrid e natural do Porto, comenta à Maisfutebol Total: «Acho que Lopetegui tem condições para seguir. Está avaliado, em primeiro lugar, por uma excelente Champions, a melhor de um clube português desde 2004. Conhece agora bem o clube e a liga, há vários jogadores na equipa pedidos por ele que cresceram ao longo do ano e, sobretudo, há no FC Porto uma necessidade de estabilidade importante que é um dos grandes trunfos do Benfica. O ano de Paulo Fonseca foi um erro, este ano foi um recomeço e interromper esse projeto só serviria para perpetuar o desnorte recente do Dragão».
 
Também natural do Porto, João Nuno Coelho, formado em Sociologia e autor de livros sobre a história do futebol e a forma como se vive a paixão pelo jogo em Portugal, aponta à Maisfutebol Total: «Sinceramente, pelo que conhecemos da forma de atuar de Pinto de Costa nestas questões há mais de 30 anos, não concebo que Lopetegui seja despedido no fim da temporada. Foi contratado por três anos, entraram com ele 16 novos jogadores, quase todos muito jovens, enfim, desde o início ficou claro que este era um projeto a longo prazo, com objetivos que vão para lá de ganhar títulos no primeiro ano. Lopetegui está no clube porque representa uma opção de fundo: é o treinador considerado adequado para manter uma estratégia bem clara - continuar a trabalhar jogadores jovens (da formação, comprados ou emprestados) para rentabilizar mais tarde, em termos desportivos e financeiros. De forma a manter o clube entre os mais competitivos da Europa, mesmo que acabem os famosos fundos ou estes tomem outras formas…»
 
Álvaro Costa, radialista e portista confesso, vê coisas positivas no global da época do dragão, mas é crítico na rota que está a ser seguida: «O que me preocupa mais nem são os resultados desportivos desta época, que teve alguns momentos positivos, mas sim o modelo que se pretende. O segundo lugar em si dá acesso à Champions. É digamos a base de cada época. A questão é a possibilidade de o Benfica arrancar para a tal hegemonia. E para um ciclo de vitórias mais regulares, o modelo Fundos, estufa/ laboratório, aliás conhecido e reconhecido, mas que não permite identificação mínima dos jogadores com «místicas» e estruturas e perfil de jogador «à Porto», o que quer que isso signifique em 2015…»
 
E ainda sobre o modelo: «Os adeptos decidirão, mais tarde ou mais cedo, que modelos pretendem, e o tal regresso aos jogadores «à Porto» é o quê? O Rúben Neves, o André André, o Gonçalo, o Leandro Silva, o Hernâni e resta o Quaresma… é isso? Porque, como dizia o meu Pai, «o futebol, filho, é bola na rede»... Aplica-se em 1969, 1978, 1987 ou 2015».
 
O que deve mudar em 15/16?
 

Álvaro Costa tem visão especialmente crítica sobre a dependência do atual plantel portista ao que considera ser «a real politik dos interesses económico dos fundos e emprestadores».
 
«Vejamos: Danilo e Jackson estão out, aparentemente Casemiro e Oliver… Se existe cláusula mais ampla em relação a Tello também pode alguém bater ao Barcelona, o que seria o mínimo para o catalão partir. Não sei como vai ficar Brahimi e Alex Sandro... e até o próprio Herrera, que pelo que sei não terá ficado muito contente com o que se passou na Luz… Se não incluir Marcano, Campaña, José Ángel, já temos, sei lá, uma equipa nova... Vejo muito comentador responsável, a falar que, sim, para o ano e tal e coisa... Mas com quem? Seria a terceira época de relançamento estilo, agora é que é? E se o campeonato ainda não acabou, gostava de dizer que o jogo do Nacional foi o momento mais lamentável e esse jogo para mim terá mesmo decidido esta época interna.»
 
O Dragão e o mito de Sísifo
 
João Nuno Coelho, também preocupado com as saídas que podem estar a preparar-se no Dragão, lembra-se de Sísifo (que, por ter desafiado os deuses, teve como punição ter que empurrar uma pedra até ao topo de uma montanha e, porque esta cairia sempre, teria eternamente que a ir buscar para voltar a fazer a escalada): «Era bom que continuassem todos, principalmente os jogadores de top e os que estão a caminho de o ser. Mas sabemos que não vai ser assim. Este é o crónico problema do Porto nos tempos que correm – os melhores jogadores estão sempre na porta de saída, porque não é possível mantê-los muito tempo dado o poder dos clubes das grandes ligas. O clube corre o risco de viver permanentemente como Sísifo: ter que construir de novo a equipa todas as temporadas.»
 
Já Miguel Lourenço Pereira vê essas alterações com maior naturalidade: «O FC Porto é um clube vendedor e aprendeu a viver com essa realidade. Para além do negócio Danilo, fechado já, é muito provável que também saia Jackson Martinez, uma promessa antiga, e ninguém se surpreenderia se Alex Sandro, que ainda não renovou e acaba contrato em junho de 2016 também seja agora vendido. São três pilares importantes aos que haveria que juntar as mais do que prováveis repescagens de Oliver e Casemiro pelos clubes de Madrid. Metade de um onze titular. Isso vai obrigar o clube a mexer-se bem e por isso é importante manter o treinador com a equipa. Será forçosa a incorporação de dois laterais e um avançado – o jogo de Munique deixou isso claro – e apesar dos rumores por confirmar das chegadas de Bueno, Sérgio Oliveira e André André, para o meio-campo, parece claro que há um défice de extremos desequilibradores, como foi Tello no seu melhor momento face à juventude de Hernâni e a inconstância de Quaresma. De como foram geridas as saídas – há um grande contingente de emprestados e alguns futebolistas como Quintero, Reyes e Adrian Lopez com um grande ponto de interrogação sobre a cabeça - dependerá muito a qualidade das incorporações sendo que não me surpreenderia nada que o modo como foi incorporado Casemiro se possa repetir com Lucas Silva ou Odegaard, dois jogadores referenciados pelo clube».
 
Lições de Munique
 
Frente ao Bayern Munique, o FC Porto terá vivido, esta época, dois momentos extremos: um dos melhores (brilhante vitória 3-1 no Dragão) e um dos piores (goleada sofrida na Baviera, 6-1).
 
Que lições ficam?
 
Lourenço Pereira elenca: «Em Munique o que houve, sobretudo, foi uma grande equipa, uma das melhores do Mundo, a jogar no máximo das suas possibilidades, sem cometer erros, a procurar ter a iniciativa e de orgulho ferido. O Bayern foi uma equipa intransponível nessa noite e nem o FC Porto que vimos na primeira mão teria evitado uma derrota. A goleada, como passou no Mineirão, no duelo entre Real e Bayern no ano passado ou entre o Bayern e o Barcelona há dois anos foi mais um estado de ânimo. Depois do terceiro golo, um hino ao futebol, a impotência tomou conta dos jogadores do FC Porto, muitos deles ainda «verdes emocionalmente» e facilitou a goleada ao Bayern. A diferença entre os dois clubes não é tão grande mas uma má noite pode acontecer a qualquer equipa, não creio que, com aquele rival, seja merecedor de um drama por parte dos adeptos e do clube».
 
Mesmo assim, o autor de «Sonhos Dourados – 20 Histórias, 20 Mundiais» aponta o triunfo portista na primeira mão como históricos: «O jogo da primeira mão não foi o melhor momento da época - foi o melhor momento dos últimos anos. Não só porque o FC Porto se superou em todos os sentidos – tanto a nível coletivo como tático, tanto o treinador como os jogadores – mas sobretudo porque o rival é uma equipa superlativa. Para colocar as coisas em perspetiva, convém lembrar que esta é a primeira vitória do FC Porto sobre um dos três maiores – creio que é consensual – clubes do mundo na competição em fase a eliminar desde que a equipa bateu o Dínamo de Kiev em 1987. Mesmo nos anos de Mourinho os rivais nunca foram equipas deste nível e contra o Manchester United em 2009 a eliminatória foi mais disputada mas sem um triunfo deste estilo. Foi uma das grandes noites europeias do futebol português, precisamente pelo elevado nível de exigência.»
 
João Nuno Coelho tem sobre a goleada de Munique leitura clara: «Antes de mais o que falhou em Munique é que a equipa do Bayern tem melhores jogadores, mais experientes, mais maduros, mais rodados, mais bem pagos. E a equipa do Porto continua a ter debilidades facilmente identificáveis, nomeadamente na sua defesa, agravadas pela ausência dos dois laterais. Acontece ainda que o Bayern fez uma primeira parte de sonho, pondo totalmente a nú as tais debilidades. Para que as coisas fossem diferentes seria necessária uma enorme capacidade de superação dos jogadores do Porto aliada a nova noite de desacerto do adversário. E já agora preencher melhor o meio-campo, e não apenas na zona central – aliás viu-se que com a entrada de Ruben e Evandro a equipa melhorou muito.»
 
«Nesse sentido», reforça João Nuno Coelho, «a vitória clara na primeira mão acabou por funcionar ao contrário do que se pensava: acicatou a equipa alemã e enganou a do Porto. As diferenças foram abismais – desde logo visíveis na forma como eles chegavam sempre primeiro à bola.»
 
Álvaro Costa aconselha a leitura da «opinião de Rob Hughes, no New York Times» sobre o que aconteceu ao FC Porto no Allianz Arena. E acrescenta: «Sem Danilo e Alex Sandro, desde logo as coisas ficaram tremidas, porque não há plano B. Há o Indi, que não me parece andar muito contente. Para a direita não faço a mínima ideia. O Opare está na Turquia e o Danilo é um fora de serie… Mas há algo de que não se tem falado muito e é simples: a partir de Braga, das duas uma: ou o Helton ainda não está bem e nem para o banco vai, ou está bem como parecia e começa a jogar. Era ele que devia ter alinhado no Allianz mas nunca e obviamente de um segundo para o outro. Destruía-se o Fabiano Freitas, o que aliás acabou por acontecer, sinal que o brasileiro é já ex futuro dono da baliza que vai pertencer e muito brevemente ao Gudiño.»
 
«O 3-1 em casa criou ilusões, fantasias e responsabilidades excessivas para este conjunto de jogadores. A gestão do Lopetegui sobre o Reyes é o sindrome Costa e Nuno Andre Coelho com resultados desastrosos, incluindo o valor de mercado do atleta», avisa Álvaro Costa.

A goleada ao Basileia e o percurso na Champions
 
O desastre de Munique não estraga o essencial da boa campanha portista na liga milionária, na visão de João Nuno Coelho: «A goleada de forma alguma apaga o percurso fantástico que o Porto fez na Champions (apenas uma derrota em 12 jogos), muito acima do esperado para a dimensão do futebol português, mas deixou uma sombra sobre esse percurso, sem dúvida. O jogo mais vistoso e espetacular da época foi, sem dúvida, o jogo com o Basileia. Mas foi com o Basileia… Ganhar convincentemente a uma das três melhores equipas do mundo terá que ser sempre o momento da época, quando não se conquistam títulos.»
 
E ainda o nulo no clássico
 
Terá sido uma surpresa, a forma como o FC Porto se apresentou na Luz? Não para João Nuno Coelho, pelo menos: «Já em Munique penso que o Porto devia ter jogado com quatro elementos no meio-campo. Provavelmente até mais do que na Luz, mas o que aconteceu na segunda mão com o Bayern deixou marcas profundas e levou Lopetegui a precisar de equilibrar mais a equipa no início do jogo da Luz. O que esperava é que, no decorrer da partida, o treinador espanhol arriscasse mais (ou, pelo menos, mais cedo), aproveitando uma atitude demasiado expectante do Benfica e, claro, porque só a vitória servia ao Porto. Mas acredito que o que aconteceu na Luz é indissociável do desastre da Alemanha.»
 
«Para uma equipa que sabia que só uma vitória, e por dois golos, lhe dava a liderança o esquema com que a equipa entrou na Luz não foi o mais correto», comenta Miguel Lourenço Pereira.
 
«Lopetegui, tal como fez contra o Lille, quis jogar a controlar o encontro a partir da acumulação de jogadores com bom toque de bola no meio-campo, mas esqueceu-se que este jogo se assemelhava mais a uma eliminatória em que a equipa partia com dois golos de atraso. Faltou verticalidade e contundência ao jogo ofensivo do Porto. Faltou, sobretudo, o mesmo querer que foi evidente na receção ao Bayern. Tendo em conta o desgaste físico e emocional desses dois jogos, acho que o Lopetegui entrou na Luz em modo de contenção de danos mais do que atrás do título».
 
Os 3-0 ao Sporting

Álvaro Costa só ficou surpreendido… «em parte» pelo modo como o FC Porto surgiu no decisivo jogo da Luz: «Estaria sempre condicionada pelo resultado de Munique e ao contexto do jogo. Se não vejamos: empatar na Luz não é um mau resultado em si, acresce que os pontos fortes foram bem controlados, mérito do mister. O "problemazito" é que era preciso algo mais: ganhar.»
 
O comunicador vê dois grandes momentos na época portista até agora, para lá do 3-1 ao Bayern, que acabaria por não ter efeitos práticos: «Os melhores momentos foram os 3-0 ao Sporting e a vitória em Braga para o campeonato. Juntava-lhe ainda o heroísmo, digamos, das segundas linhas para a Taça da Liga, em Braga.»