A viagem do Ajax a Lisboa permitiu-me rever amigos que guardo há mais de vinte anos. Aaron Winter, por exemplo. Marc Overmars, que é agora diretor desportivo do clube. Ou Van der Saar, que se tornou a pessoa mais importante da direção do Ajax.

Estivemos juntos e relembrámos outros tempos.

Várias pessoas que conheci quando joguei no clube, aliás, mantêm-se em funções. É sempre um prazer voltar a encontrá-las. Vivemos juntos épocas muito agradáveis e que recordo com carinho.

Ora numa altura em que o Sporting vai anunciar um treinador holandês, que experimentou o período mais mediático da carreira no Ajax, quis também saber mais coisas sobre ele.

Nunca trabalhei com Marcel Keizer. Quando estive em Amesterdão ele representava o Cambuur, que jogava a segunda divisão. Por isso só o conheci quando chegou para treinar o Ajax sub-19.

Tinha sobre ele apenas uma ideia básica, que esta quinta-feira consegui aprofundar.

As indicações que tive, convém dizê-lo desde já, é que é um excelente treinador. Gosta de jogar bom futebol: um futebol atrativo e de qualidade. Com muita posse de bola, sim, mas uma posse de bola veloz, bem executada, com passes bem feito e receções bem realizadas. Tudo em movimento. Um pouco como faz o Ajax, mas talvez ligeiramente mais vertical.

(Artigo atualizado às 23:52 de 8 de novembro)

É um treinador que trabalha muito o treino e pensa muito o jogo. Dá oportunidades aos jovens e vai ter uma voz muito ativa no funcionamento da formação do Sporting.

Outra questão que me foi comunicada é que, porventura, ele só não é ainda treinador do Ajax porque na época passada a equipa viveu uma situação muito delicada: um jovem jogador do clube, o Nouri, caiu ao chão e teve um colapso. Esteve um ano em coma, acordou há pouco tempo, mas tem uma memória muito pouco lúcida. Não vai conseguir voltar a ser uma pessoa independente.

Não se sabe, portanto, o que vai ser do Nouri, mas o que lhe aconteceu foi algo que marcou muito a equipa. Era um grupo de jogadores jovens e que estavam juntos há muito tempo. Estou a falar de jovens como De Ligt, Zeefuik, Sinkgraven, Eiting, De Jong, Mazraoui, Van de Beek, Cerny ou Justin Kuivert. Alguns jogavam juntos desde os 13 anos. Tinham, por isso, uma relação quase de família, que em alguns casos era mesmo de família. Isso marcou muito a equipa.

Na altura o Ajax tinha decidido apostar em Marcel Keizer para a equipa principal, na expetativa de que o treinador desse continuidade ao trabalho que estava a fazer nos sub-19, e várias pessoas me disseram que o Ajax sub-19 tinha um futebol espetacular. Mas isso não foi possível.

As palavras de pessoas que estavam muito próximas da equipa nessa altura é que diariamente havia uma nuvem cinzenta em cima do grupo. A expetativa do Ajax era que Marcel Keizer tirasse o melhor daquele plantel de jovens jogadores, mas pelas circunstâncias que referi isso não foi possível. Portanto o treinador saiu em dezembro.

Diariamente a equipa estava ansiosa e muito triste. Muito compreensivelmente ele não conseguiu retirar esse peso do grupo. O que me disseram é que nesse ano o Ajax não teve paz.

O próprio Marcel Keizer já disse que aquele episódio o marcou muito, como marcou todos os que estavam na equipa. Nesse sentido acredito que chega ao Sporting um treinador muito mais forte. Mais bem preparado para todo o tipo de situações.

Se, por exemplo, lhe acontecer um episódio de contestação como aconteceu com Rui Vitória na quarta-feira, ele vai saber seguramente lidar bem com isso, porque já teve que gerir um balneário depois de um colapso de um jogador muito querido por todos, e muito importante na equipa.

A verdade é que os dirigentes do Ajax tiveram que se resignar à necessidade de prescindir de Keizer. Porque não teve nada a ver com a qualidade de jogo ou as competências do treinador.

Teve a ver com um contexto muito próprio.

Ora feito este esclarecimento, importa perguntar: que treinador pode apresentar-se agora em Alvalade? O que eu comentei com os dirigentes do Ajax é que não é de facto todos os dias que uma equipa passa a jogar um futebol tão atrativo como aquele que é desejado pelo holandês.

No Ajax, por exemplo, trabalha-se os jogadores desde muito jovens para chegar à primeira equipa e estarem preparados para jogar esse futebol atrativo. Esse trabalho é feito ao longo de todos os escalões, através de um mesmo processo para todas as equipas.

A minha dúvida é: terá Marcel Keizer esse tempo?

Mostrei estas minhas preocupações e o que me foi dito é que é fundamental para o treinador ter sucesso que a estrutura do Sporting seja forte: tem de dar um apoio estável à escolha que fizeram, porque não escolheram apenas de um homem, escolheram uma filosofia. Uma identidade.

Para isso ser possível tem que se ter a noção de que os resultados são importantes, mas esses resultados só aparecem respeitando um processo de trabalho que precisa de tempo e estabilidade.

Acredito que no imediato ele vai querer melhorar a qualidade de jogo do Sporting. Mas também estou seguro que, ao mesmo tempo, não vai deixar de trabalhar para a médio ou longo prazo impor uma filosofia de jogo muito própria. Que só é possível estabelecer quando se tem tempo.

Se houver esse tempo, há uma coisa que tenho por certa: tudo o que se fizer em Alcochete, vai ter reflexo em Alvalade.