26 de maio de 2004, Gelsenkirchen.

A data e o local do único jogo de sempre entre Mónaco e FC Porto, que se reencontram esta terça-feira – treze anos depois –, dá-nos coordenadas daquele que é provavelmente o feito mais notável e inesperado de um clube português.

Ganhar uma Taça dos Campeões Europeus nas décadas de 60 ou 80 já havia sido uma façanha extraordinária. Mas, a Champions? Uma liga milionária desenhada para os senhores da Europa nos tempos do futebol pós-moderno não era coisa para os remediados do Velho Continente. No entanto, ali estava na Arena auf Schalke o FC Porto de José Mourinho, com a embalagem de uma emocionante conquista da Taça UEFA vencida no ano anterior, em Sevilha.

A época que curiosamente havia começado no Louis II, a perder a Supertaça Europeia diante do Milan por obra e graça de Shevchenko (1-0), terminava diante do Mónaco.

Na «estranha final», como titulava a Gazzetta dello Sport, o FC Porto ultrapassaria a equipa do principado para reclamar para si a coroa do futebol europeu.

Desde cedo ficou a impressão de que a taça estaria mais perto de vir para Portugal. Ludovic Giuly, estrela dos monegascos, saiu de campo lesionado logo aos 23 minutos. Aos 39’, Carlos Alberto aproveitou um ressalto na área para rematar à meia volta e inaugurar o marcador.

Podia ser este um golo merecedor da Anatomia. No entanto, é no minuto 71 que nos focamos. Tudo por culpa dele: Deco. Mais do que um 10: inteligência em movimento, um craque dos pés à cabeça com tanto de génio como de operário.

Era à volta dele que aquele super-Porto girava e foi por ele que se decidiu em definitivo aquela final, cujo resultado haveria de ser confirmado por Alenichev (3-0 aos 75’).

Contra-ataque… golo: a beleza das coisas simples

Voltemos então aos 71’ para recuperar o lance, que começa no meio-campo portista. Morientes recua para pegar no jogo, recebe o lançamento de linha lateral e avança no terreno. Porém, Pedro Mendes surge nas suas costas a cortar de carrinho e com a formação monegasca balanceada para o ataque (Deschamps arriscava cada vez mais) o FC Porto tem um contra-ataque de três para três e mais de meio campo para correr até à baliza adversária.

A bola chega a Deco, que galga metros, ultrapassa a linha intermediária e segura a bola até assistir no limite Alenichev. Sobre a esquerda, o russo controla-a, entra na área e levanta a cabeça, enquanto o luso-brasileiro deixa o seu marcador direto recuar em demasia e atalha para a entrada da área.

Está aqui uma das chaves do golo. Deco recebe solto na área. O resto é classe. Com três marcadores diretos e o guarda-redes a assistir, o 10 portista engana todos. Esperavam um remate para o lado esquerdo do guardião Flavio Roma? Pois o mago remata rasteiro para a direita com a bola a passar junto ao poste antes de se aninhar nas redes monegascas.

Ah, a beleza das coisas simples…

Contra-ataque pleno de sagacidade e classe: um lance que é definição perfeita do «Mágico».

Mónaco-FC Porto, 0-3: golo de Deco (ver a partir dos 42 segundos):

3-0 e a Europa aos pés do FC Porto. Nos momentos que se seguiram à conquista da Liga dos Campeões, Deco confessaria a sua noção sobre a eternidade daquele momento: «Ainda hoje estava no quarto com o Derlei e estávamos a dizer que poderíamos contar este dia aos nossos filhos. Que iríamos estar velhinhos e contar aos netos e talvez acrescentar algumas mentiras. Isso vai ficar para nós. Ia ficar gravado de qualquer forma. Podem tirar-nos tudo, mas isto já ninguém nos pode tirar.»