Comecemos o Campeonato do Mundo de 1994 pelo fim para desde já apagarmos o seu último capítulo. Sim, Roberto Baggio rematou para as nuvens de Pasadena e a Squadra Azzurra viu o Mundial ir pelos ares.

Porém, este é apenas o epílogo – desolador, é certo – de um maravilhoso filme americano protagonizado pela estrela transalpina.

O 10 que tinha anjos a cantar-lhe nas pernas vivia o auge da sua carreira.

Era até estrela de anúncios, como este em que promove a lotaria de uma gasolineira à boleia do Mundial:

O Mundial dos Estados Unidos só não foi de Baggio porque Romário lhe roubou a cena

Ainda assim, foi toda dele aquela meia-final em Nova Jérsia, palco privilegiado por ser casa da imensa comunidade ítalo-descendente nos States.

O antigo Giants Stadium abarrotava com 74 mil mil espetadores nas bancadas num apoio massivo à Itália que tinha a sensacional Bulgária como última barreira no caminho para final no Rose Bowl. Era a Bulgária de Hristo Stoitchkov, mas também do trio luso Balakov, Kostadinov e Iordanov. A melhor geração do futebol búlgaro havia tombado gigantes até chegar àquele momento: França (na fase de qualificação), Argentina (na fase de grupos), a campeã em título Alemanha (nos quartos), todos caíram aos pés da seleção orientada por Dimitar Penev.

O respeitável percurso não terá importunado Baggio, que aos 25 minutos já bisava na partida e encaminhava a eliminatória.

O segundo surge de uma primorosa assistência de Albertini, mas é no primeiro que “Il Divin Codino”, o rabo de cavalo divino, faz jus à sua excêntrica imagem de artista e apela ao seu génio.

Tudo começa num lançamento de linha lateral. A bola sai e Donadoni não espera pelo lateral Benarrivo para que este coloque a bola em campo. Baggio está ali bem perto e não há tempo a perder. Roberto lança para Roberto. Donadoni descobre Baggio, que rodando tira Zlatko Iankov do caminho; já com a bola dominada encara o seu segundo marcador direto, Houbchev, tira-o do caminho com um toque subtil... O resto é o momento da verdade: sem adversário em cima e com a bola dominada quase sobre a meia-lua da área Roberto Baggio atira colocadíssimo com o pé direito junto ao poste esquerdo de Borislav Mihaylov (outro bem conhecido do futebol luso).

Seis segundos apenas entre a bola na linha lateral e a bola no fundo das redes. Um rasgo de criatividade do camisola 10 italiano num jogo que só não foi totalmente feliz porque sairia contundido aos 73 minutos com uma lesão muscular na coxa que o condicionou na final.

Ainda assim, no mês em que Il Codino celebrou meio século de vida não havia como não recordá-lo no seu melhor: num golo belo e decisivo diante dos olhos de todo o planeta.

Tudo isto antes de enfrentar a crueldade de ver o mundo desabar-lhe sobre os ombros, debaixo dos céus de Pasadena.