«Fonteyn e Nureyev, Bob Dylan no Albert Hall, a primeira noite de Sagração da Primavera, Olivier no seu auge, o Armoury Show e a Ópera de Sydney… Tudo isso em um só evento.»

O jornalista do Guardian socorreu-se das mais belas analogias para relatar aquela tarde no Hampden Park.

Não havia desinspiração que resistisse ao ver Puskás e Di Stéfano dizimarem o Eintracht Frankfurt num histórico 7-3, que sentenciaria a final mais profícua de sempre da Taça dos Campeões Europeus e diante de uma assistência recorde de 127 621 espetadores.

Contou Gento, outra glória do Real Madrid, que após uma goleada ao Vasas de Budapeste (4-0) na caminhada merengue para o título europeu de 1957/58 o húngaro Csordas entrou no balneário dos espanhóis para os felicitar antes de proferir qualquer coisa como isto: «O Real Madrid é uma grande equipa, mas não é melhor do que o Honvéd. Sabem porquê? Porque Puskás é melhor do que Di Stéfano.»

Exagero. Di Stéfano está num pedestal, mas Puskás, de facto, também estava no galarim dos imortais. Alertado, Santiago Bernabéu convidou o craque, exilado do seu país, para jogar no Real Madrid em 1958. Isto apesar das dúvidas quanto à sua forma. Valeu a insistência de Emil Osterreicher, antigo director do Honvéd, então secretário técnico do Real Madrid.

Com 31 anos e uma dezena de quilos acima do desejável, Puskás não ajudou à decisão. «Já viu como estou gordo?», respondeu com franqueza ao convite do presidente madridista. Bernabéu devolveu: «Já vi, sim. Mas isso será problema teu.»

Eventuais problemas estavam mais do que resolvidos a 18 de maio de 1960, quando o campeão em título Real Madrid defrontou o Eintracht Frankfurt.

Os alemães até se adiantaram no marcador por Richard Kress, logo aos 17 minutos, antes de enfrentarem a avalancha ofensiva do Real Madrid. Di Stéfano bisou e deu a volta ao marcador e antes do intervalo surgiu Puskás, com o golo eterno que destacamos nesta rubrica (veja o lance a partir do 1m05s deste resumo):

Bola bombeada para a área, Dieter Stinka tenta o corte numa acrobacia mal calculada, num lance dividido com Luis Del Sol. Hans-Walter Eigenbrodt acorre à zona de perigo e parece ter o lance sob controlo, quando, ao invés de um alívio, opta por tentar controlar a bola, adiantando-a involuntariamente.

É aqui que surge Puskás a contrariar toda a lógica. Puskás, o velho. Puskás, o gordo. Puskás, o craque.

Com o esplendor de frescura física de um novato, o n.º 10 do Real Madrid aparece na área a ganhar o lance na antecipação. O resto é classe e instinto goleador: com um pequeno desvio para tirar Eigenbrodt do caminho, encarando em seguida o guarda-redes Egon Loy. Ato contínuo: domínio de bola e um remate violentíssimo para o fundo da baliza. Um, dois, três toques. Aliás, dois toques e um petardo. Tudo de pé esquerdo.

Chamavam-lhe o «Major Galopante».

Nessa tarde, diante da multidão em Glasgow, ele galopou como nunca, culminando essa final com um poker – foi máximo goleador dessa edição da Taça dos Campeões de 1959/60, com 12 golos.

O Puskás do Honvéd e da seleção dos mágicos magiares, que encantaram o futebol mundial na década de 50, estava bem vivo e chegou bem chegou a tempo de escrever a sua história no Real Madrid, onde jogaria até abandonar a carreira em 1966: fez 324 golos em 372 jogos pelos merengues, foi cinco vezes campeão espanhol e três vezes campeão europeu. No total da carreira, entre 1943 e 1966, juntando-lhe Honvéd e seleção húngara, fez 511 golos em 533 jogos oficiais.

Ferenc Purczeld Biró completaria no dia 1 de abril deste ano 90 anos de idade. O seu legado no futebol é tal que desde 2009 a FIFA atribui o seu nome ao prémio para melhor golo do ano.

Nesta semana em que o Real Madrid, agora de Cristiano Ronaldo (curiosamente vencedor do primeiro Prémio Puskás), volta a entrar em campo na Liga dos Campeões para revalidar o título europeu, tal como fazia nos tempos em que dominava o futebol no Velho Continente, há seis décadas, nada como recordar o major cujo nome virou sinónimo de golos bonitos.