Não é um golo, é um feriado. Um fenómeno que acontece a cada dia 19 de dezembro na cidade de Rosário, e não só, desde que em 1971 Aldo Pedro Poy voou para a eternidade, resolvendo um clássico que viria a ser decisivo para a conquista título de campeão argentino.

Ainda há semanas, lá estavam eles. A canalla, hinchada do Central, celebrava nas ruas um golo marcado 45 anos antes. «É o golo mais celebrado de sempre», dizem. Será, de facto. Nunca uma comemoração perdurou tanto no tempo, com direito a data marcada. Um hino à maravilhosa insanidade com que os adeptos argentinos vivem o futebol.

Antes de tudo, as coordenadas: Rosário tem dois grandes clubes e filhos ilustres. Se o Newell’s Old Boys forjou nas suas canchas o talento de Lionel Messi, o Rosário Central terá tido em determinado momento o apoio de Ernesto «Che» Guevara, ainda jovem, antes das suas aventuras revolucionárias.

A 19 de dezembro de 1971 o clássico de Rosário disputou-se em Buenos Aires, no Monumental Nuñez, Estádio Vespucio Liberti, casa do River Plate, que acolheu a espécie de final four que decidiu o campeonato desse ano.

Rosário Central e Newell’s encontraram-se numa das meias-finais, ambos pela primeira vez com legitimas aspirações de disputarem o título argentino.

Mesmo deslocado do seu habitat natural o dérbi fervia, mas o jogo chegou ao intervalo sem golos, até que aos 10 minutos da segunda parte o lance capital: a equipa do Newell’s tentava sair numa transição rápida quando o Central recupera a bola e apanha o adversário em contrapé. A partir daí acontece o momento mágico, Carlos Colman recuperou a bola e passou-a a Carlos Aimar, que a fez seguir do meio até ao flanco, até Jorge González. Aldo Poy aparece na área ao segundo poste e é aí que surge o cruzamento do lateral uruguaio.

Poy, que jogou toda a vida no Rosário Central e nunca perdeu um clássico com o Newell’s, estava prestes a gravar o seu nome na história do clube por conta do lance que continuamos a descrever: o avançado bigodudo escapa-se ao seu marcador direto, Ricardo de Rienzo, mergulha e cabeceia para o fundo das redes sem hipóteses para o desamparado guarda-redes Carlos Fenoy. GOLO! Um golo «à peixe», por cá, «La Palomita de Poy» no país das pampas. Decisivo para o 1-0 que apurou o Rosário Central para a final onde viria a bater o San Lorenzo de Almagro (2-1), vencendo pela primeira vez o título argentino.

As imagens do jogo são tão precárias que mal se consegue descortinar o lance; ainda assim, vale a pena recuperar o momento:

Aquele golo histórico ao eterno rival e o primeiro título nacional ficou gravado na memória dos adeptos, que desde então celebram o lance sempre na mesma data: 19 de dezembro.

Uma comemoração em que milhares de pessoas se concentram para reencenar esse golo marcado Aldo Poy. Numa encenação insólita com o seu quê de comicidade um adepto lança a bola no ar e o próprio Aldo Poy, que sempre comparece, lança-se para cabecear reeditando aquele golo histórico no Monumental.

Outro episódio sintetiza bem a importância deste lance no folclore futebolístico argentino. No dia seguinte ao jogo, De Rienzo, defesa do Newell's, teve crise aguda de apendicite e foi operado. Adepto canalla, o cirurgião extirpou o órgão inflamado, colocou-o em formol e entregou-o à organização de adeptos do Rosário Central, que o expôs com a explicação: «O apêndice mais próximo a Aldo Poy no momento da Palomita

Poy, de 71 anos, que hoje é conselheiro autárquico da cidade de Rosário, é homenageado desde há décadas pelos adeptos das mais diversas formas: o seu golo inspirou o conto «19 de dezembro de 1971» (ed. 1982) do escritor Roberto Fontanarrosa, tal como inspirou o músico Lalo de los Santos a escrever a música «Vuela, Aldo vuela» (ed. 1996).

Um golo que inspira prosa e poesia é mais do que um mero lance de futebol.

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Y se esfumó como solo lo hacen los duendes

Y se metió en el túnel de la eternidad

Y cruzó el río hacia la isla donde refugió su amor

para que se haga leyenda su gesto valiente.

Vuela Aldo, Vuela

tu vuelo hacia el gol.

Vuela Aldo, Vuela

Siempre habrá un ángel en tu corazón.

«Vuela, Aldo vuela», Lalo de los Santos