Holandeses contra checos. 19 de junho de 2004. As bancadas do Estádio de Aveiro ainda com cheiro a novo dividiam-se entre laranja e vermelho, numa grande festa, antecipando aquele que seria o melhor jogo da fase final do nosso Euro. O cenário, ainda mais colorido que antes, estava preparado, com os holandeses, sempre prontos para a festa, em clara maioria.

As duas seleções já tinham sido adversárias quatro anos antes, e emparelhado novamente no apuramento para o Euro. Se a Laranja tinha sido mais feliz no seu país, já na qualificação foram os de Karel Brückner a levar a melhor, ganhando em casa e empatando fora, e terminando em primeiro no grupo. A sorte voltava a juntá-las.

Do lado dos holandeses, havia Van Nistelrooij, Robben, Seedorf, Davids, Cocu, Stam e Van der Sar; e ainda Van der Vaart, Kluivert, De Boer, Makaay, Overmars, Sneijder, Van Hooijdonk e Zenden. Os checos tinham uma das suas melhores gerações dos últimos tempos, já com bastante experiência. Petr Cech era a grande figura, na baliza, e mais à frente figuravam o ex-benfiquista Poborsky, Nedved, Milan Baros, Rosicky, Jankulovski e um gigante chamado Köller.

Antologia de futebol de ataque

Grande! Empolgante! A gíria obriga-nos a dizer o óbvio: um hino ao futebol! A antologia do futebol de ataque! Uma delícia para os puristas. Cinco golos, inúmeras oportunidades e adrenalina a sair por todos os poros.

A República Checa consegue apurar-se logo aí para os quartos de final e festejaria, na última jornada, o primeiro lugar do Grupo D. A Holanda agradecerá depois a ajuda dos rivais no jogo com a Alemanha e com um triunfo frente à Letónia também vai seguir em frente. Curiosamente, ambas estará nas meias-finais 11 dias depois, precisamente perante duas equipas do Grupo A: Grécia e Portugal. Serão eliminadas.

Dick Advocaat sai como réu do encontro. O selecionador holandês planeia tudo muito bem na secretária, mas borra o esboço no banco. Só que se não fossem esses erros a partida talvez a partida não teria sido tão especial. Brückner e Baros dividirão o estatuto de heróis.

Impossível? Não para mestre Brückner

Estar a perder por 2-0 e virar para 3-2 frente a uma das seleções mais talentosas do continente parece coisa do outro mundo. Os checos, liderados por mestre Brückner, fizeram-no. É impensável aos 19 minutos, quando Van Nistelrooij faz o segundo golo, começa a parecer destino no momento em que Advocaat retira de campo o homem que mais tinha desequilibrado até aí: Arjen Robben.

A revolução, só concluída aos 88 minutos, começa bem antes, com uma substituição. O lateral-direito Grygera é trocado aos 24 minutos pelo médio-esquerdo, Smicer: Nedved livra-se da linha, a que estava agarrado, e os holandeses começam a afundar-se.

O jogo não se resume aos golos. É um festival de futebol ofensivo, de criatividade, de desmarcações, de remates, de falhanços, de tudo o que qualquer futebolista imagina do jogo da sua vida.

Perante o talento holandês, os checos ainda são mais equipa. Há correria. Velocidade. Entrega. E nunca ninguém para de atacar. A Laranja puxa pelos checos, e estes respondem com o seu melhor futebol.

Primeiro round para Advocaat

Advocaat ganha o primeiro round no duelo muito particular com Brückner. Com um líbero - Cocu - os holandeses libertam dois extremos e um ponta de lança para pressionar alto a defesa contrária e ter superioridade numérica em zonas próximas da baliza. Koller falha o primeiro golpe, logo nos segundos iniciais, e a Holanda equilibra-se e fere de imediato o rival, aos três minutos. Livre de Robben, Bouma de cabeça ao segundo poste.

Grande início! Enorme! Seedorf perto do poste (6 e 15), Robben para Cech (17), Van Nistelrooij reclama penalty depois de choque com Ujfalusi (18)...  e 2-0! Davids num passe de levantar bancadas para Robben, com o extremo de cristal a encaminhar a bola para o segundo poste. Ujfalusi falha a marcação a Van Nistelrooij, e este abre os braços para a explosão de três quartos do estádio.


Decidido? Sabemos que não! Cocu trai Advocaat. Faz um passe lateral, sem olhar, que desmarca Baros (23). Baros passa Stam. Baros ganha a dividida com Cocu. Baros serve Koller. Koller remata. 2-1! Ainda estão vivos!

A jogada de mestre vem logo depois. Brückner tira o lateral-direito e aposta num médio: Smicer. O selecionador checo apela ao pulmão de Poborsky. É lateral, médio e extremo na direita. Nedved e Rosicky organizam no meio. Os checos reequilibram-se assentes num esquema desequilibrado.

A Holanda ainda não se apercebe do risco e continua o festival. Cech faz a defesa da noite a remate de Heitinga (31) e Seedorf volta a falhar por pouco (35). Davids acerta no poste a passe de Robben (42). A Holanda dura 56 minutos, com o inesperado último fôlego de Robben. Enorme cruzamento da esquerda, Cech evita com o joelho o golo de cabeça de Nistelrooij.

Advocaat farta-se de Robben?

Advocaat está farto. Só podia estar farto de tanto desequilíbrio. Tira o melhor em campo e dá o lugar a Bosvelt. Brückner, pelo contrário, não tem medo da vertigem. Quem diria? Arrisca ainda mais. Sai o médio-defensivo Galasek, entra um atacante: Heinz. E será feliz.

Van der Saar brilha, ao negar o golo a Smicer (63). Mas, oito minutos depois, nada pode fazer. Cruzamento de Nedved, Koller amortece para a entrada da área. O gigante soube sempre o que fazer. Funcionou como pivot e desgastou a defesa holandesa. O seu porte aguentou os rivais, e os pés, nada toscos, fizeram com que o resto da equipa se chegasse à frente e tudo funcionasse. Baros chega lá e fuzila. 2-2!

Brückner ainda não está satisfeito. Que moral! Reconstrói a defesa. Rozehnal por Koller, aos 74 minutos; são três defesas na zona central, à frente de Cech. E os holandeses voltam a ajudar. Heitinga é expulso por acumulação, ao travar um contra-ataque de Nedved pelo... meio.

Nedved outra vez. Assume o contra-ataque e atira à trave, novamente a partir de zona frontal, aos 85 minutos. E, finalmente, três minutos depois, Heinz remata. O tempo para. Van der Saar estica-se para defender e consegue, mas a bola sobra para Poborsky. Assiste Smicer… Golo!

Incrível! Inacreditável! 2-3, que loucura! Ufa! Será que alguém dormiu nessa noite?



HOLANDA - Van der Sar; Stam, Cocu e Bouma; Heitinga, Seedorf (Van der Vaart, 86), Davids e Van Bronckhorst; Van der Meyde (Reiziger, 79), Van Nistelrooij e Robben (Bosvelt, 59)

REPÚBLICA CHECA - Cech, Grygera (Smicer 25), Ujfalusi, Jiranek e Jankulovski; Galasek (Heinz, 62), Poborsky, Rosicky e Nedved; Baros e Koller (Rozehnal, 75)

MELHORES MOMENTOS: