[artigo original publicado a 20 de maio de 2014]

Não há jogo tão importante que tenha sido catalisador de mais sentimentos durante 120 minutos e picos. Uma final da Liga dos Campeões, um ambiente fantástico no Atatürk de Istambul, o Milan de Ancelotti frente a frente com o Liverpool de Rafa Benítez. 25 de maio de 2005. Um dia mágico para os ingleses, 20 anos depois de um desastre a todos os níveis, como foi o de Heysel.

A trama do jogo é uma reviravolta. 1-0 aos 52 segundos, 3-0 no final dos 45 minutos para os italianos. 3-3, com três golos em apenas seis minutos, após os 90. Depois, o prolongamento e o regresso da incerteza. E os ingleses, que na seleção dos três leões tanto falham dos 11 metros, a levar a melhor sobre os transalpinos, por 4-2. Shevchenko, que tinha valido a última taça europeia ao Milan, falharia desta vez.
 
O paradigma também mudava. Uma equipa italiana, a ganhar confortavelmente, tinha-se deixado apanhar no resultado e acabaria por perder mesmo no final. Se fosse frente a alemães uma máxima poderia anular a outra: a dos italianos não perderem em vantagem com aquela que diz que no final ganham sempre os alemães. Mas não. Eram mesmo ingleses, apesar de um tal de Dietmar Hamann fazer parte da ficha de jogo. 
 
Parecia impossível antes desse dia. Ou quase. Rui Costa, que Carlo Ancelotti faria entrar a oito minutos do fim do prolongamento, perderia o segundo título europeu. Mas Kaká explicaria durante o encontro, para sua infelicidade, por que era dele o papel de maestro no conjunto rossonero.

O favoritismo italiano
 
O Liverpool podia chegar ao quinto título europeu, o Milan ao sétimo. Dois gigantes, sem dúvida.
 
Os Reds tinham começado a campanha de forma periclitante, com uma derrota em Anfield frente ao Grazer (0-1, vitória por 2-0 na Áustria) na terceira pré-eliminatória e um golo nos descontos de Gerrard frente ao Olympiakos (3-1) que lhe garantiu o segundo lugar do Grupo B atrás do Mónaco e o consequente apuramento para os oitavos de final. 
 
Depois do Leverkusen (duas vitórias por 3-1), seguiu-se a Juventus (2-1 e 0-0), num reencontro histórico, 20 anos depois de Heysel. Viria aí o Chelsea, com Luis García a eliminar José Mourinho com um golo polémico em Anfield (0-0 e 1-0), e os adeptos ainda tinham menos razões para deixar o seu clube caminhar sozinho para o Atatürk. Rafa Benítez, que ganhara a Taça UEFA um ano antes ao leme do Valência, levava o Liverpool à primeira final desde Heysel.
 
A carreira do Milan foi bem mais convincente. Entrou diretamente na fase de grupos, que venceu à frente do Barcelona. Eliminou a seguir, de forma implacável, o Manchester United (dois triunfos por 1-0) e os rivais do Inter (uma vitória por 2-0 e outra por 3-0), até que o PSV obrigou a mais sofrimento nas meias-finais, tendo os italianos passado graças aos golos fora de casa (2-0 em San Siro, derrota por 3-1 em Eindhoven). 
 
Não havia dúvidas de que o Milan era favorito.

Carrossel de emoções
 
Primeiro minuto, livre de Andre Pirlo desde a direita. Maldini é o primeiro a reagir e remata com o pé direito. A bola bate no chão à frente de Dudek e passa o polaco. Aos 36 anos, o defesa tornava-se o mais velho a marcar na competição, com o golo mais rápido de sempre numa final. Tinham passado 52 segundos desde que o espanhol Mejuto González tinha dado ordem para o pontapé de saída.
 
O Liverpool reagia. Uma, várias vezes. Riise, primeiro. Depois, Hyypiä. Luis García evitaria entretanto que Crespo aumentasse a vantagem, de cabeça. Harry Kewell sairia lesionado, entrava Smicer. E Dudek conseguiria reagir a tempo a um remate perigoso de Sheva. García era o mais perigoso dos «Reds» e teria duas boas oportunidades, até que uma mão de Nesta na área motivou protestos dos ingleses. Sem confirmação por parte do juiz da partida. 
 
 
 
No entanto, o temível tridente de ataque do Milan voltaria a facturar. Soberbo passe de Kaká, Shevchenko a cruzar da direita e Crespo a emendar ao segundo poste para o 2-0. Estava-se no minuto 39, e os italianos iriam para o intervalo a vencer por 3-0. Kaká, mágico, voltaria a deslumbrar. Finta de corpo no seu meio-campo e um passe de rotura inacreditável, que colocou Crespo à frente de Dudek. Com um toque subtil, o argentino fez o terceiro. Decidido? Not yet!

Como muda tudo em seis (!) minutos
 
 
A segunda parte iria começar com uma substituição. Benítez deixava o lateral direito Finnan no banco e entrava o alemão Hammann. Passavam a ser três os defesas, cinco os médios e dois os avançados. E a reviravolta começava com carga do capitão. Steven Gerrard cabeceava para as redes a cruzamento da esquerda de Riise, à segunda, aos 54 minutos. Daí a dois, seria Smicer a facturar. O Milan chegava atrasado para a cobertura do movimento do envolvimento do rival, da esquerda para a direita. O checo rematou, Baros desviou-se e Dida parece também ele ter chegado tarde. A defesa não evitou que a bola entrasse pela segunda vez, motivando os ingleses para uma reviravolta histórica que já se adivinhava. Apesar de do outro lado estarem italianos.
 
Aos 60 , Gerrard caiu na área, queixando-se de falta de Gattuso, depois de um toque soberbo de Baros. Mejuto González não teve dúvidas e afastou os protestos. Xabi Alonso rematou com o pé direito, Dida defendeu para o lado, mas o espanhol reagiu com o pé esquerdo, fazendo a recarga vitoriosa. 3-3, parecia impensável no início da segunda parte!
 
Aos 70 minutos, tanto esforço podia ter sido desperdiçado não fosse o alívio de Traoré em cima da linha, a  remate de Sheva, mas nada parecia travar a longa caminhada para o prolongamento. Baros deu lugar a Cissé, Crespo e Seedorf trocavam com Tomasson e Serginho. Rui Costa entraria a oito minutos do fim do tempo extra como última opção de Ancelotti para evitar os penáltis. Sairia Gattuso. Uma dupla defesa de Dudek (a segunda enorme!) a remates de Shevchenko levou a partida para o desempate que quase todos detestam.

Sheva deu, Sheva tirou!
 
As duas equipas tinham ganho as últimas taças europeias nos penáltis. Shevchenko tinha marcado o penálti decisivo para os italianos dois anos antes, em Old Trafford, frente à Juventus. Era a segunda vez em três anos que uma final Champions era decidida assim. 
 
O brasileiro Serginho falhou o primeiro. Algo que Hammann não faria, mesmo com o dedo do pé partido. O elétrico Dudek, que nunca parou em cima da linha, defenderia o remate de Pirlo, e Cissé colocaria depois a vantagem em dois golos. Seria desta?
 
Tomasson marcou, e o falhanço de Riise voltaria a animar os adeptos italianos no Atatürk. Kaká e Smicer mantiveram tudo na mesma, até que Shevchenko, proibido de falhar, fez pontaria para o meio da baliza. Dudek caiu para a direita, mas deixou a mão esquerda para trás. Defendeu! O Liverpool voltava a ser campeão europeu!

Veja o jogo completo:

Apenas os melhores momentos:

 
O onze do Milan:
 
 
O onze do Liverpool: