Liverpool, a besta negra. O clube da Décima, o super-Real Madrid, nunca ganhou ao rival inglês e é precisamente frente aos Reds, em março de 2009, que sofre a derrota mais pesada da sua história na Champions. 4-0, em Anfield, com El Niño Torres e Gerrard a deixarem em êxtase os adeptos que lhes cantam, em todos os matchday, que nunca caminharão sozinhos.

Em Merseyside, nesse ano,
los merengues já perseguem a 10ª Taça dos Campeões, mas ainda estão longe de consegui-la. No ano anterior, a desilusão tinha surgido cedo, nos jogos a eliminar, frente aos italianos da Roma. Duas semanas antes, no Bernabéu, um golo tardio do israelita Benayoun colocara novamente a equipa de Juande Ramos em maus lençóis. Enfrentar o frenético Anfield em desvantagem e com o peso histórico das duas derrotas anteriores, a primeira na final de 1981, no Parque dos Príncipes (1-0, Alan Kennedy), não se adivinhava tarefa fácil. 

Legenda - Os adeptos do Liverpool não esqueceram a final de 1981

O Liverpool também atravessava um bom momento a nível europeu, depois de no ano anterior ter sido apenas travado pelo Chelsea nas meias-finais da Liga dos Campeões que seria depois ganha pelo Manchester United. E, para que não entrem já em euforias, a equipa de Rafa Benítez voltará agora a cair, logo depois de golear os madridistas, de novo frente aos londrinos.

Espanhóis em maioria no... Liverpool

Quatro espanhóis no onze britânico (Reina, Arbeloa, Xabi Alonso e Fernando Torres) contra três apenas no Real Madrid (Casillas, Sergio Ramos e Raúl). Sinal dos tempos. Arbeloa e Torres recuperam fisicamente e estão aptos para a partida. Gerrard surge no lugar de Benayoun, herói de há quinze dias, Babel é aposta no lugar do suspenso Riera. O holandês Sneijder é sinal de que os
Blancos têm de tentar alguma coisa para anular a desvantagem. É Marcelo quem fica no banco.

Os visitados estão nas suas sete quintas. Acusados de serem muito defensivos na primeira mão, basta-lhes um empate para seguir em frente. Nem precisam de marcar golos. Contudo, Rafa Benítez não é só olhado com desconfiança por parte dos compatriotas. Em Anfield, crescem os rumores de que se vai embora, intensificados depois do anúncio da demissão do chefe-executivo Rick Parry.

O papel de Parry tinha sido questionado sobretudo depois da compra do clube por parte do consórcio Hicks & Gillet. Acusado de pouco agressivo no mercado e de não proteger Benítez o suficiente – apesar de ter sido fundamental na contratação do espanhol – as palavras de discórdia sucediam-se. Agora, o espanhol era colocado em dúvida, dado até como futuro treinador do Real Madrid, com Juande Ramos ainda sentado no banco merengue. Ainda aguentaria um ano no Merseyside, falhando a conquista do primeiro título em 20 anos para o Liverpool.

Para os da casa, a Liga dos Campeões é a última oportunidade dessa época. Depois de terem vencido no Bernabéu, perderam com o Middlesbrough na Premiership e ficaram a sete pontos do Manchester United. Depois, seguiu-se o Sunderland e a vitória foi arrancada a ferros. Será que os rumores em torno de Benítez estão a distrair os Reds?

Já o Real encontra-se em relativa boa forma. Os merengues tinham reduzido para seis pontos o atraso para o Barcelona, e o empate no dérbi com o Atlético interrompera uma série de dez vitórias consecutivas na liga.

Real afunda-se na vertigem

O jogo que agora descrevemos é intenso, esgotante. Pouco Real e muito Liverpool sim, com os espanhóis a serem completamente vulgarizados. El Niño Torres foi um ciclone, e não deixou Cannavaro e Pepe assentes no relvado. Gerrard um box-to-box assombroso, com dois golos marcados e tantas defesas  complicadíssimas obrigadas a Casillas, de longe o melhor dos rivais em campo. Mas também Mascherano, Xabi Alonso, Skrtel e Carragher encheram o relvado. Cannavaro, que já mostrava estar longe do seu melhor momento, e também Sérgio Ramos e o resto da defesa e meio-campo defensivo, tiveram noite de inferno. 

Assim que Franck de Bleeckere apitou para o pontapé de saída, os Reds assumem a bola. Aos quatro minutos, Casillas começa a sublinhar o epíteto de santo que tantas vezes lhe atribuíram antes. Com o pé direito, nega o golo a Torres, que tirara Cannavaro da frente com um toque de calcanhar, e se preparava para festejar um dos melhores golos da carreira. Sim, Torres já foi bom, não se deixem enganar pelos últimos tempos.

Casillas anula um tiro de Mascherano pouco depois. Um remate esquisito, com o pé esquerdo, desviado com a ponta dos dedos para canto. O segundo de três consecutivos. O Liverpool contrariava a ideia de que não precisava atacar. Era o que fazia, em vagas sucessivas, com uma intensidade incrível, em que os rivais se afundavam do meio-campo para trás.

Aos 16 minutos, 1-0. Cannavaro tenta um corte acrobático e falha, e Pepe fica no meio de Torres e Kuyt. Ao desviar do espanhol coloca no holandês, que assiste El Niño, em zona frontal, com Casillas batido!

Legenda - o erro de Pepe no primeiro golo

Mas não eram só os centrais em noite não. Oito minutos depois, Sergio Ramos perde a bola numa transição, recupera a posição, mas deixa-se ultrapassar uma segunda vez por Torres. O avançado assiste Gerrard, que em carrinho permite mais uma grande defesa ao guarda-redes titular da Roja.

Não havia sinais de reação por parte do Real. Era o Liverpool, já em vantagem por 2-0 no conjunto das duas mãos, que voltava a acelerar. Passe longo de Xabi Alonso, a sua imagem de marca, para a direita, para o compatriota Arbeloa. O lateral domina de peito, a bola foge-lhe para a frente e Heinze toca-lhe com o braço direito. Penálti! Aos 28 minutos, Gerrard faz o 2-0. Os visitantes estão KO.

Reina também mostrava recursos

O melhor que o Madrid consegue é um livre de Sneijder, portentoso, negado por Pepe Reina. E Pepe escapa a boa, ainda antes do intervalo. O internacional português fica à beira da expulsão por acumulação de amarelos, mas o árbitro belga perdoa-lhe a ousadia.

Robben por Marcelo – é assim que Juande Ramos reage ao intervalo. O holandês tinha sido zero até aí, mas poucos companheiros tinham feito melhor. Os espanhóis estavam a três golos dos quartos de final. Será que ainda era possível?

Não, não era! 3-0! Aos 47 minutos, Babel contra Sergio Ramos, de novo a dar muito espaço, com o holandês a cruzar ligeiramente atrasado para a entrada fatal de Gerrard. Incrível!

Para o Real, era já apenas uma questão de honra. Ramos, muito melhor a atacar que a defender, cruza para a melhor oportunidade em todo o jogo. Raúl desvia por cima.

Mas o Liverpool não estava saciado. Casillas volta a ser gigante, depois de um contra-ataque fantástico que tem Gerrard novamente como finalizador, à entrada da área. Depois, Babel a passar Ramos outra vez e o guarda-redes a ser obrigado a novo esforço. Torres, novamente, antes de sair para a entrada de Dossena, com San Iker a conseguir novo milagre. Só que não dá para tudo. Aos 88 minutos, Mascherano leva o contra-ataque pela direita e cruza, com Dossena, também ele, a faturar. 


Legenda - Casillas, o melhor do Real, e sofreu quatro golos

O Real saía humilhado de Anfield perante um Liverpool a acostumar-se a crescer sempre que o adversário não vinha do Association. Perderia com o Chelsea, já se disse, logo depois, e os Blues também caíram nas meias-finais perante o Barcelona, futuro campeão europeu. Mas poucos no Merseyside esqueceram essa noite mágica, em que o super-Real saiu de gatas. 

O onze do Liverpool:
    
Substituições: Xabi Alonso por Lucas (60), Gerrard por Spearing (73) e Torres por Dossena (84)

O onze do Real Madrid:

Substituições: Robben por Marcelo (46), Cannavaro por Van der Vaart (64) e Gago por Guti (77)

Veja os melhores momentos do encontro: