Semana após semana são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

Em Portugal, abril é sinónimo de liberdade. E de democracia. E como gostamos de celebrar as conquistas de abril, a Anatomia de um nome desta semana foi escolhida democraticamente pela redação do Maisfutebol.

Com o espírito democrático bem presente, a escolha fugiu um pouco ao que é habitual neste espaço. Por isso mesmo, esta semana não fomos em busca do nome de uma pessoa que tenha mudado a história de um clube, mas sim dos nomes que a revolução de 25 de abril de 1974 mudou.

«25 de abril, sempre…»

Tal como aconteceu um pouco por todo o país depois da «revolução dos cravos» – o que se percebe facilmente na toponímia de tantas cidades -, também alguns estádios foram rebatizados. Porém, nos dois exemplos que trazem a data da revolução inscrita, não foram razões políticas a mudá-los, ao contrário do que até aconteceu noutros recintos, conforme perceberemos adiante.

O Estádio 25 de abril mais conhecido em Portugal é aquele onde o FC Penafiel joga em casa. Inaugurado em 1934, o palco da equipa duriense que atua na II Liga começou por chamar-se Campo das Leiras, nome que foi buscar à zona onde foi construído.

E apesar de não ter nada que associasse o nome ao regime ditatorial que vigorou em Portugal durante mais de quatro décadas, alguns associados do clube viram na revolução a oportunidade de mudar a forma como o recinto era conhecido, homenageando a revolução.

A opção, contudo, não foi pacífica, uma vez que o estádio era municipal e vários munícipes não viam razão para o rebatizar. E aí entrou em vigor uma conquista de abril: a democracia. A proposta foi a votos numa assembleia municipal e a decisão, tomada logo em 1974, foi a de passar a chamar Estádio Municipal 25 de Abril ao campo.

Estádio 25 de Abril, Penafiel

Mais a sul, concretamente em Castro Verde, no distrito de Beja encontramos um outro Estádio Municipal 25 abril. E se no caso do Penafiel não existe uma ligação direta entre a mudança de nome do recinto com a revolução, no que é casa do FC Castense, equipa que milita na 1.ª divisão da AF Beja, essa ligação é ainda mais ténue.

É que em 1974 o estádio onde joga a equipa alentejana ainda nem existia. A explicação para o nome foi dada por Carlos Pereira, presidente do FC Castrense, em 2014, numa reportagem da SIC. «Foi em 1974, precisamente na altura da revolução, que estes terrenos foram cedidos ao clube», explicou.

«…Fascismo nunca mais»

Ora, mas se os estádios «25 de abril» pouco devem à revolução, o mesmo já não se pode dizer dos estádios «1.º de maio».

E são dois os exemplos. O mais popular deles é aquele que foi casa do Sp. Braga até 2004 – e tem sido a da equipa B, desde que a mesma foi criada - e cuja foto serve de capa a este artigo.

Inaugurado em 1950, com a presença daqueles que eram à data as duas principais figuras do Estado Novo, António de Oliveira Salazar e Óscar Carmona, presidente do Conselho e Presidente da República, respetivamente, o recinto começou por chamar-se Estádio 28 de Maio.

Como é natural, após a queda do regime, houve a necessidade de mudar o nome que homenageava o golpe que abriu o caminho para a ditadura militar, tendo a opção recaído no Dia Internacional do Trabalhador, um dos que deixara de se assinalar enquanto o regime autoritário vigorou.

Mais difícil de apagar daquele recinto é a arquitetura, tipicamente associada aos regimes ditatoriais e inspirada nos estádios que, sobretudo na Alemanha, se tornaram imagem de marca.

«É [um estádio] de inspiração clássica, com apontamentos decorativos muito comuns na estética autoritária que o regime político empregou na decoração das obras públicas», descreve Miguel Melo Bandeira, vereador da CM Braga, citado pelo jornal Sol, num artigo publicado em 2017.  

Idealizado para dar espaço à prática desportiva que ganhou dimensão na primeira metade do século XX, o estádio construído em Braga tornou-se num dos mais importantes do país e está classificado, na página de monumentos do Estado, como «um dos raros exemplares de arquitetura desportiva, do Estado Novo».

E há mais um exemplo em tudo semelhante. Quer na arquitetura, quer na importância política que assumiram, variando aqui a dimensão.

Situado bem no centro de Lisboa, o atual Parque de Jogos 1.º de Maio, inaugurado em 1959, e pertença da Fundação INATEL, que substituiu a antiga FNAT – Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho.

Parque de jogos 1.º de Maio - Foto Fundação INATEL

À semelhança do que acontecera com o estádio em Braga, também o parque de jogos da FNAT contou com a presença das mais altas figuras do Estado Novo, algo que não aconteceu, por exemplo, nos estádios dos três grandes.

Mas a importância política do recinto percebe-se também no facto de ali, além da organização de atividades desportivas, «a FNAT incluía ações de propaganda e formação de dirigentes corporativos», conforme se pode ler no artigo do Sol anteriormente citado.

E após a queda do regime, precisamente pelo simbolismo que assumira antes, aquele parque de jogos foi o epicentro das comemorações do feriado de 1 de maio de 1974, recebendo um evento popular que juntou milhares de pessoas e no qual personalidades como Mário Soares ou Álvaro Cunhal falaram pela primeira vez às massas, ficando então também com aquele dia eternizado como nome.

E o Estádio Salazar?

Ainda que não em Portugal, encontramos o caso de pelo menos mais um estádio que viu a sua história mudar devido à queda da ditadura em Portugal: o estádio que alguns apelidavam de Maracanã ou Wembley de Moçambique.

Inaugurado no dia 30 de junho de 1968, em Maputo – então, ainda Lourenço Marques -, o Estádio Salazar teve um primeiro dia memorável, com direito ao acender de uma pira olímpica e a um jogo entre as seleções de futebol de Portugal e do Brasil.

Em junho de 1975, na cerimónia de independência de Moçambique, o recinto passou a chamar-se Estádio da Machava, nome do bairro onde foi erigido.

Estádio da Machava, em Maputo

Artigo original: 15/04; 23h55

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