Semana após semana são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

Seria impossível tecer a história do Moreirense sem a ligar à indústria têxtil, tão importante na vila de pouco mais de cinco quilómetros quadrados. O clube nasceu do impulso da antiga Fábrica Têxtil da Cuca e teve, durante as primeiras décadas, operários como jogadores.

Além disso, foi também no ramo da indústria têxtil que «nasceu» Vítor Magalhães, atual presidente e homem que foi o principal impulsionador do crescimento do Moreirense no panorama do futebol nacional, ainda que atualmente tenha um leque de negócios mais alargado.

O que poucos poderão saber, é que também o nome mais facilmente associado ao Moreirense tem origens na indústria têxtil: Joaquim de Almeida Freitas.

O homem que se tornou casa da equipa sensação desta época na Liga construiu o seu império do zero e prosperou ao ponto de ter recebido uma Comenda de Mérito Industrial.

Viajemos então às origens do homem que não ligava a futebol, mas que incutiu na família um amor tão grande ao Moreirense que quatro dos cinco filhos chegaram à presidência do clube de Moreira de Cónegos.

Tirou o campo ao Moreirense… mas deu-lhe um novo

Nascido no seio de uma família sem grandes posses, valeu a Joaquim de Almeida Freitas a visão empreendedora que o levou a criar uma empresa têxtil. Sem sustento financeiro para o fazer, o jovem viu-se obrigado a hipotecar os bens da família.

Quem o conta é António Brás, presidente da Junta de Freguesia de Moreira de Cónegos e diretor do clube, em conversa com o Maisfutebol.

«Foi ele quem fundou a empresa António Almeida & Filhos. Como ele ia hipotecar todos os bens da família, a mãe impôs-lhe a condição de ele dar o nome do pai à empresa e dar sociedade aos irmãos. A visão da mãe foi interessante: se as coisas corressem bem, os irmãos também beneficiavam dos ganhos que tinham origem naquilo que era de todos», explica.

O risco assumido por Joaquim Almeida Freitas foi compensado e a empresa prosperou. E foi no momento da expansão que se deu o contacto decisivo com o Moreirense.

Isto, porque Joaquim de Almeida Freitas não tinha grande ligação afetiva ao futebol, apesar de se ter tornado num benemérito de várias instituições da freguesia.

«À época, o senhor Almeida não reconhecia ao futebol a relevância social que o desporto viria a ganhar», explica António Brás, revelando como Joaquim de Almeida Freitas devolveu a esperança que havia roubado aos «rapazes».

«Ele comprou os terrenos onde estava o antigo campo onde jogava o Moreirense. O campo tinha sido cedido pelo Comendador Joaquim Sousa de Oliveira, mas os filhos dele venderam os terrenos e o clube ficou sem campo. Mas depois de falarem com o senhor Almeida e de o fazerem ver que o campo era muito importante, ele cedeu um outro terreno e mandou construir um estádio novo, que foi sendo renovado conforme o clube foi crescendo», recorda António Brás.

Ainda que sem ligação direta ao Moreirense além da cedência do terreno para a construção do estádio que em setembro de 1987 passou a ter o seu nome, é inegável o legado que o empresário deixou no clube. Para o explicar, voltamos a dar voz a António Brás.

«O nosso clube é feito do espírito bairrista que ainda hoje nos caracteriza e o grande trabalho do Comendador foi fazer com que os filhos gostassem tanto do clube como qualquer outro popular», defende.

Esse amor traduziu-se na consolidação que o Moreirense conseguiu sob a presidência dos filhos de Joaquim de Almeida Freitas.

Durante 14 anos - entre 1982 e 1996 - a presidência do clube foi responsabilidade única dos irmãos José, Manuel e Orlando Almeida Freitas, conforme podemos ler no livro «Moreirense 75 anos- trabalho dedicação e história.»

Antes, por exemplo, foi na presidência de Carlos Almeida Freitas que, na época 74-75, o Moreirense começou a utilizar o estádio onde ainda joga. Já o presidente que conseguiu a primeira subida à II Liga foi Domingos Manuel de Almeida Freitas, que é apontado por António Brás como aquele que maior impulso desportivo deu ao clube, apesar de ter sido o irmão José de Almeida Freitas o primeiro a chegar a presidente dos cónegos.

Certo é que é impossível dissociar o nome da família Almeida Freitas do do Moreirense. Tão certo, como a certeza de António Brás quanto à importância do homem que deu início a essa ligação: «nada será capaz de apagar o nome do comendador Joaquim de Almeida Freitas da história do Moreirense ou de Moreira de Cónegos».

E o futebol teve papel decisivo na imortalização do nome.

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Artigo original: 04/03; 23h50