Semana após semana, são local de romaria. São palco para os artistas e tribuna para os espectadores de um dos espetáculos que mais mexe com as gentes. Aguentam saltos, gritos, lágrimas e sorrisos, em amálgamas de emoções tão instáveis quanto uma bola que rola mais para cá ou para lá. Todos lhes reconhecem a designação, mas poucos conhecem a história da figura por detrás e é por isso que vamos em busca da Anatomia de um nome.

«Querido Ramón, no dia seguinte à entrega do teu corpo à terra, colocaremos mãos à obra e o teu sonho de que o Sevilha FC tenha um grande estádio, será realidade. Ramón, sobe tranquilo ao céu, o teu desejo será cumprido.»

As palavras proferidas por Ramón de Carranza no dia do enterro de Ramón Sánchez-Pizjuan tornaram-se epígrafe. Aquele que é «provavelmente o presidente mais carismático da história sevilhista», como lemos no site do clube espanhol, morreu de forma inesperada quando cumpria a segunda passagem pela presidência do Sevilha, mas o seu sonho ganhou vida poucos anos depois e é hoje realidade.

Não só se tornou um sonho real, como é ali que mora o atual líder do campeonato espanhol. A casa onde André Silva se reencontrou com os golos – ele que é neste momento o Pichichi de La Liga -, além de ser desde sempre um estádio talismã para a seleção espanhola que não perdeu ali nenhum dos 25 jogos já disputados (20 triunfos e cinco empates).

Um guarda-redes que se fez presidente

Ramón Sánchez-Pizjuán y Muñoz nasceu em Sevilha no dia 21 de dezembro de 1900, cinco anos antes da fundação do clube ao qual dedicaria a vida.

O primeiro contacto do então jovem Ramón com o Sevilla Fútbol Club aconteceu aos 15 anos, quando se iniciou no desporto, como guarda-redes nos escalões de formação do clube, mas a carreira na defesa das balizas sevilhanas não duraria muito tempo – o mais alto que chegou foi à equipa secundária do clube na época 1917-1918, mas sem grande sucesso desportivo.

Ainda assim, o papel do homem que se formaria em Direito e viria a ser advogado, estava destinado a não mais se afastar do clube que presidiu durante 17 anos, em dois períodos distintos (1932-1941 e 1948 e 1956), e que conduziu à conquista de três das cinco Taças do Rei.

Ora, e foi logo aos 32 anos que Sánchez-Pizjuan chegou a presidente, já depois de ter desempenhado, desde os 23, o cargo de secretário do clube com os presidentes Manuel Blasco Garzón e com Juan Domínguez Osborne, seus antecessores.

Alicerces do sucesso erigidos em plena Guerra Civil

Naquele ano de 1932, o Sevilha andava pela segunda divisão, mas em apenas dois anos a equipa liderada por Sánchez-Pizjuan conseguiu vencer essa competição e devolver o clube ao principal escalão do futebol espanhol, naquilo que viria a ser o início da construção dos alicerces do sucesso do Sevilha.

Logo na época seguinte, em 1935, o clube conseguiu o 5.º lugar e venceu a Copa Presidente da República, antecessora da Taça do Rei, título que repetiria em 1939, quando o troféu se designava Copa del Generalísimo.

Antes desse segundo título, porém, em 1937, o presidente do Sevilha foi responsável por um ato de gestão ao qual foi dada pouca importância na altura, mas que tinha já um objetivo maior delíneado: comprou uns terrenos no mesmo bairro onde jogava já o clube, com o fim de, mais tarde, ali erigir um estádio maior e mais moderno do que o velhinho Estádio de Nervión.

Mais ou menos pela mesma altura, Sánchez-Pizjuan alcançaria uma das suas maiores vitórias, neste caso, fora de campo.

Em plena Guerra Civil espanhola (1936-1939), o presidente sevilhano conseguiu evitar que os jogadores do Sevilha fossem mobilizados para combater no conflito que opunha Republicanos a Conservadores nacionalistas e que vitimou milhares de espanhóis.

Mas seria o final da guerra e consequente ascensão de Francisco Franco ao poder que traria um dissabor a Sánchez-Pizjuan.

Uma das decisões do regime passou por nomear os presidentes de todos os clubes, sendo que Sánchez-Pizjuan não entrava nos planos de Franco e, em 1941, foi substituído por Antonio Sánchez Ramos no cargo.

Na sequência, porém, Sanchéz-Pijzuan aceitou assumir o cargo de vice-presidente da federação espanhola, acreditando poder continuar a ajudar o Sevilha, mesmo mudando-se para a capital espanhola.

O regresso democrático… no seio da ditadura

Após sete anos em Madrid, Ramón Sánchez Pizjuan aproveitaria uma diminuição da rigidez do regime no que dizia respeito ao futebol para voltar a Sevilha com a presidência do clube a ser colocada ao seu dispor por aqueles que nunca tinham esquecido o trabalho de qualidade que fizera.

Contudo, no momento de assumir o regresso ao clube, Sánchez-Pizjuan soube da vontade do seu braço-direito, António Sánchez Ramos, que o substituíra após a saída, de voltar à presidência.

E mesmo depois de as mais altas figuras do clube terem demovido Ramos da sua intenção, numa era em que Espanha vivia mergulhada numa ditadura, Sánchez-Pizjuan quis dar a palavra aos sócios do clube.

Promoveu um ato eleitoral democrático do qual saiu eleito com clara maioria, e permaneceu no cargo até ao fatídico dia 28 de outubro de 1956, quando morreu de forma inesperada.

Ramon de Carranza, que lhe haveria de suceder, fez-lhe então a promessa que abre este texto. A promessa de que o sonho da construção de um novo estádio para o Sevilha não morreria com o presidente.

E a verdade é que menos de dois anos depois, era inaugurado aquele que desde o primeiro dia foi nomeado Estádio Ramon Sánchez-Pizjuan.

Com desenho original da autoria de Manuel Muñoz Monasterio, que tinha colaborado com Luis Alemany Soler no projeto do Estádio Santiago Bernabéu, do Real Madrid, a conclusão das obras do estádio só seriam concluídas em 1974.

Daí para cá, foi palco para dois jogos do Mundial de 1982, de uma final da Liga dos Campeões Europeus, em 1986, e foi remodelado duas vezes.

O nome, porém, mantém-se inalterado e é conhecido por qualquer amante de futebol: Rámon Sánchez-Pizjuan.

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Artigo original:15/10, 23h54