«Antonio Vespucio Liberti (1901-1978)

Su amor River Plate

Su sueño un estádio

Su legado El Monumental»

As letras que o River Plate mandou inscrever na placa de bronze que se destaca no mármore da lápide onde Antonio Vespucio Liberti está sepultado são fáceis de justificar. Afinal, foi aquele homem nascido em Génova, em 1901 – também o ano da fundação do clube –, que lançou os alicerces do sucesso do River Plate.

Mas foi muito mais do que uma placa aquilo que o clube dedicou a Liberti. O nome do presidente que liderou o clube ao longo de mais de 20 anos divididos em quatro mandatos - 1933/35, 1939, 1943/52 e 1960/67 – batizou também o estádio que é casa do River Plate.

Ainda que mundialmente conhecido por Monumental, oficialmente, é Estádio António Vespucio Liberti que se chama o palco que viu a segunda mão da final da Taça dos Libertadores ser adiada duas vezes no último fim de semana, devido à injustificável violência com que alguns adeptos do River Plate receberam a equipa do Boca Juniors.

Esses atos de violência que levaram o Boca a pedir a vitória na secretaria impediram, por exemplo, que pudesse ser assinalado com um título continental o 40.º aniversário da morte de Liberti, que se assinala na próxima quarta-feira.

O clube que se tornou filho de um pai ousado

Apesar de ter nascido em Itália, à semelhança do que aconteceu com inúmeras famílias genovesas que atravessaram o Atlântico rumo à Argentina, Antonio Liberti seguiu com a família para Buenos Aires quando era ainda uma criança.

Há crónicas que referem que aos 13 anos o jovem Antonio tentou a sua sorte na formação do River Plate, mas não seria dentro da cancha que se tornaria eterno.

Liberti já fazia parte da direção – e terá sido, aliás, um dos principais responsáveis – que, em 1931, lançou a primeira pedra da política de contratações que viria a resultar na alcunha de Millonarios, que se colou até aos dias de hoje na história do River Plate.

O jogador foi Carlos Barullo Peucelle, avançado do Sportivo Buenos Aires que custou «uma fortuna» avaliada em 10 mil pesos, valor que permitiu bater a concorrência do Boca Juniors que também estaria na corrida pelo jogador.

Mas essa seria apenas a primeira loucura cometida por Liberti no reforço da equipa, ainda que seja simbólica, também, por ter sido Peucelle o primeiro jogador a marcar no que viria a ser o estádio Monumental.

Por falar em loucuras: Monumental. A maior ousadia cometida por um homem que encarava o River Plate como um filho - «não tive a sorte de ter filhos e o River tomou esse lugar» -, conforme afirmou várias vezes.

Em 1934, «contra ventos e marés», lê-se no site do River, Antonio Liberti assinou o acordo que permitiu a compra de mais de 80 mil metros quadrados, numa zona onde não existia nada.

Essa extravagância valeu-lhe a alcunha de loco. Não só pelo valor investido na compra do terreno, mas também por querer erguer o estádio em terras pantanosas que haviam sido «conquistadas» ao Rio de la Plata. E ainda porque aquelas eram terras indesejadas, numa zona de aterros, marginal às zonas nobres de Buenos Aires.

Ainda assim, apesar de todas as vozes contra, nada demoveu Liberti do seu sonho. Até porque, com o crescimento do número de adeptos que as contratações galácticas por ele introduzidas trouxeram ao clube, o estádio da Avenida Alvear y Tagle, numa zona mais central, no bairro de Recoleta, tinha passado a ser manifestamente pequeno.

Por isso, Liberti tinha um desígnio: «construir o estádio que o River merece».

A verdade é que seria sob a presidência de Liberti que viria a ser lançada a primeira pedra do Monumental, na tal zona fronteira do que hoje são os bairros de Belgrano e de Núñez. Isto, apesar de Liberti ter deixado a presidência pouco depois, também porque o dinheiro investido na compra do terreno lhe tinha deixado uma margem muito reduzida para fazer avançar as obras do estádio.

Após a saída de Liberti, em três anos ergueram-se três bancadas do novo estádio do River. Um dos topos, porém, ficou por completar, o que fez com que durante vários anos o estádio fosse conhecido como Herradura [ferradura] devido ao seu formato.

A conclusão do Monumental para o formato com que se apresenta hoje surgiria apenas em 1958, sob a presidência de… pois claro: Antonio Vespucio Liberti, a cumprir a quarta e última passagem pelo clube.

E para que aquela última bancada se tornasse realidade, muito contribuiu a venda do avançado Omar Sívori à Juventus por 10 milhões de pesos, razão pela qual a bancada recebeu o nome do jogador que faria carreira na Juve e no Nápoles.

Aí sim, o sonho de Liberti tornou-se realidade. O Monumental é, ainda, o maior estádio da Argentina – com capacidade para 76 mil pessoas -, tornou-se no palco onde a seleção albiceleste jogou mais vezes e onde se sagrou campeã do Mundo pela primeira vez, em 1978.

Unido com o rival Boca pela melhoria do futebol argentino

Outro ponto interessante da biografia de Liberti é que apesar da rivalidade que já então existia entre River Plate e Boca Juniors, o patrono do Monumental cultivou uma boa relação com Alberto J. Armando, histórico presidente dos xeneizes – e homem que dá nome à Bombonera.

O objetivo que os unia era claro: elevar a qualidade do futebol argentino, numa tentativa de promover aquilo que designavam de «futebol espetáculo», e ambos olhavam para a gestão dos clubes como se de uma empresa se tratasse. 

O desígnio de tornar melhor o futebol na Argentina, porém, terá estado na origem do afastamento definitivo de Liberti do River Plate, em 1967, num período em que o clube esteve 18 anos sem vencer o campeonato.

Nada apaga, contudo, o legado de Liberti. Além do Monumental, sob a presidência do homem que também chegou a ser cônsul da Argentina em Génova no início da década de 50, o River Plate conquistou três campeonatos (1945, 1947, 1952) e duas Taças (1945 e 1947), além de outros títulos.

Em 1978, Antonio Vespucio Liberti morreu e oito anos depois, o seu nome foi eternizado no estádio pelo qual tanto batalhou.

Uma homenagem Monumental.

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