«Se foi o meu último jogo, foi uma forma fantástica de terminar.»

Foi mesmo. Três dias depois de surpreender numa conferência de imprensa interrompida por lágrimas ao revelar que o Open da Austrália podia ser o último torneio da sua carreira, Andy Murray subiu ao court na primeira ronda e lutou até não poder mais. Quatro horas de um encontro que fica para a memória. Mesmo que Murray continue preso do seu dilema, a decidir se tenta ainda recuperar para jogar Wimbledon uma última vez ou se volta a ser operado, fiel até ao fim ao seu espírito lutador.

Murray, 31 anos, contou nessa conferência que está há muito limitado pelas dores na anca direita, um ano depois de ser operado. Uma dor que o condiciona até no dia a dia, em gestos simples como calçar os sapatos. Por isso, o escocês que foi o único tenista a chegar a número 1 do mundo na era dos três gigantes, Roger Federer, Rafa Nadal e Novak Djokovic, e que anda atualmente pelo lugar 229 do ranking, estava longe de ser favorito no encontro da primeira ronda com o espanhol Roberto Bautista-Agut, número 23 do mundo e num grande momento de forma, vindo de uma vitória em Doha há apenas uma semana onde deixou pelo caminho Djokovic.

Mas aquela conferência de Murray deu a este encontro toda uma outra dimensão, que levou milhares de pessoas a lotarem por completo o Melbourne Court Arena. E aquilo a que assistiram aqueles 10 mil espectadores na Austrália e que o mundo todo acompanhou foi muito para lá do guião.

Roberto Bautista venceu os dois primeiros sets, a certa altura parecia que iria ficar por ali. Mas Murray não se deu por vencido. E ganhou o terceiro no tie break.

Na bancada, os planos que mostravam a mãe Judy, a primeira treinadora de Murray, e o irmão Jamie, também ele tenista e ex-número 1 de pares, reforçavam a dimensão dramática do momento.

No campo, Andy persistia. E ganhou o quarto set e forçou o quinto, impulsionado pela sua determinação lendária e por um ambiente arrepiante nas bancadas, que culminou nesta ovação no quinto set.

O esforço sobre-humano de Murray já era demasiado evidente para o final. Tinham passado quatro horas e nove minutos desde o início do encontro quando finalmente chegou o desfecho. Ganhou Bautista-Agut, por 6-4, 6-4, 6-7 (5-7), 6-7 (4-7) e 6-2.

E ganhou Murray, mesmo perdendo. Chamado ao microfone no final, contra aquilo que é hábito, o escocês começou por dizer então que não sabe se foi o fim, mas se tiver sido não imagina melhor forma de acabar. E depois disse, dirigindo-se ao público australiano, que ainda vai tentar voltar uma última vez.

Ainda no court, estava-lhe reservada uma última surpresa. Um vídeo de homenagem dos seus pares, em que aparecia Federer a dizer-lhe que era o seu fã número 1, Nadal a agradecer-lhe tudo o que deu ao desporto ou Djokovic a recordar a «grande caminhada» que fizeram juntos, eles que têm exatamente a mesma idade: «Começámos a defrontar-nos quando tínhamos 12 anos em França, deste-me uma tareia.»

Muitas mensagens, a saudar o tenista e o homem. A saudar também a forma como sempre defendeu direitos iguais para as mulheres no ténis, assumindo-se um feminista, ele que, sendo um símbolo do desporto britânico, assumiu também, por exemplo, que votou pela independência da Escócia no referendo de 2014.

Soou tudo a despedida, menos as palavras e a atitude de Murray. Ainda lá está aquilo que o distingue e que Djokovic sublinhou também neste vídeo de homenagem: «Obrigado por deixares sempre o coração e cada gota de energia no campo.»

Ele ainda não fechou o pano sobre uma carreira que desafiou todas as expectativas, feita de uma ética de trabalho que lhe permitiu ser também grande numa era em que coincidiram três lendas: Federer, Nadal e Djokovic. Murray chegou lá, a número 1, no final de 2016, o seu ano de ouro. O ano em que ganhou Wimbledon pela segunda vez, ele que em 2013 se tinha tornado o primeiro tenista britânico a vencer o Grand Slam inglês em 77 anos. Foi em 2016 também que revalidou o ouro nos Jogos Olímpicos, depois de já ter sido campeão em Londres 2012.

Murray vai decidir em breve o que fará. Mas sabe que o fim não está muito longe. E está a tentar viver com essa mágoa. «Gostava que as minhas filhas fossem um dia ver-me jogar um jogo de ténis, talvez perceberem o que se está a passar antes de eu terminar», disse no final do jogo em Melbourne. «Mas tenho consciência que isso provavelmente já não vai acontecer. Isso deixa-me um pouco triste.»