A imagem mostra a festa do Atlanta United e em fundo as bancadas de um estádio cheio como nenhum outro na história da MLS, a Major League Soccer. Foram 73.019 os espectadores que assistiram à consagração de um clube que fez o seu primeiro jogo no campeonato norte-americano em março de 2017 e menos de dois anos depois festeja o título de campeão, apoiado por um número nunca visto de adeptos. Há algo de novo no futebol norte-americano.

É uma incrível história de sucesso a do Atlanta United, feita de muito dinheiro, sim, mas também de uma abordagem diferente ao mercado e de uma identificação em massa do público da cidade que surpreendeu muita gente, a começar pelos responsáveis da MLS.

Basta olhar para os rostos da vitória, garantida na madrugada de domingo com o triunfo sobre os Portland Timbers. No banco Tata Martino, ex-treinador do Barcelona e da seleção argentina. No campo, uma equipa sem veteranos consagrados do futebol europeu, mas com talento, muito dele vindo da América do Sul. Entre todos Josef Martinez, avançado venezuelano de 25 anos, que jogou na Suíça e no Torino antes de rumar aos Estados Unidos e, ao marcar o primeiro golo na final, fechou em 35 a sua contagem da época. Foi o melhor marcador de sempre da MLS e foi eleito o MVP da época. Ou o médio uruguaio Miguel Almirón, outro dos destaques da época e que pode estar de saída para a Premier League. Em contrapartida, está a chegar a Atlanta outro reforço de peso: Pity Martinez, o autor do golo que no domingo selou a vitória do River Plate sobre o Boca Juniors na histórica final da Taça Libertadores.

O Atlanta United fez diferente desde início. Antes de tudo, nasceu do sonho de Arthur Blank, empresário norte-americano de sucesso, que já era dono da equipa que até agora dominava a atenção desportiva de Atlanta: os Atlanta Falcons, equipa de futebol americano. Blank conseguiu em 2014 a vaga para a 22ª equipa da MLS. E a partir daí construiu tudo: o clube e o estádio.

Para gerir o clube contratou o inglês Darren Eales, ex-diretor do Tottenham, que pôs em prática uma visão. Como repetia ainda recentemente, citado pelo Eurosport, quis «provar que se podem criar as estrelas, em vez de trazer estrelas consagradas». O responsável direto pelo futebol é o ex-internacional norte-americano Carlos Bocanegra. E o treinador eleito, desde o primeiro dia, foi Tata Martino. Um técnico reconhecido, cuja reputação ajudou a dar solidez ao projeto.

Para acolher a equipa, Arthur Blank imaginou um estádio grandioso. Ultra-moderno e muito grande. O Mercedes-Benz Stadium ficou pronto no verão de 2017, mesmo ao lado do velho Georgia Dome, até aí casa dos Atlanta Falcons e que foi também palco dos Jogos Olímpicos de 1996: recebeu as competições de basquetebol, andebol e ginástica. Foi implodido depois da inauguração do seu sucessor, que custou a enormidade de 1,2 mil milhões de euros.

Era um projeto megalómano e Don Garber, o comissário da MLS, admite que no início não acreditava que pudesse ter sucesso. «O tamanho do estádio preocupou-nos, mas o Arthur insistia em dizer que ia encher o estádio», disse Garber numa reportagem do New York Times, explicando: «Atlanta tinha reputação de ser uma cidade de passagem para pessoas de outros locais, que não estabeleciam ligação com nada a não ser o futebol universitário.»

O estádio é casa dos Atlanta Falcons e do Atlanta United FC. Tem capacidade máxima de 75 mil espectadores e originalmente estava previsto que a lotação para os jogos da MLS fosse reduzida a um máximo de 42 mil. Foi assim em alguns jogos, mas o fenómeno da rápida multiplicação de adeptos levou a que fosse batendo recordes sucessivos. Passou por oito vezes os 70 mil espectadores, tem uma média de 53 mil por jogo e superou todas as marcas com os 73.019 espectadores da final.

Foi um fenómeno de contágio e identificação, com uma enorme capacidade de mobilização entre as pessoas. O Atlanta United tem nesta altura quatro grupos de adeptos oficiais, que promovem um ambiente único no estádio a cada jogo.

Veja aqui uma amostra desse ambiente

Adeptos e equipa já criaram as suas próprias tradições, uma das quais inclui os próprios jogadores.

No ano de estreia, quando o estádio ainda não estava pronto, a equipa tinha sempre uma guarda de honra de adeptos à chegada ao estádio. Agora estagiam lá dentro antes dos jogos, mas saem na mesma para esse banho de multidão, que inclui um ritual. Os jogadores assinam uma enorme estaca dourada, que alude às origens ferroviárias dessa cidade, a qual é levada depois para o interior do estádio por um grupo selecionado de adeptos, conta o NY Times. Lá dentro, é levada para um palanque e martelada ao ritmo dos gritos da multidão a soletrar as iniciais da cidade: A-T-L.

Isto

A final deste ano teve a melhor audiência televisiva da MLS em 20 anos. O caminho é por ali, acreditam os responsáveis pela Liga norte-americana, que se prepara para mais alargamentos: em 2019 vai juntar-se o FC Cincinatti e no ano seguinte o Inter Miami de David Beckham e o Nashville. A MLS ainda não encontrou um modelo de sucesso e vai ter de mudar o paradigma, avisou Don Garber numa conferência de imprensa na véspera da final.

«Precisamos de nos tornar numa Liga mais vendedora. Como alguém que anda a vender esta liga há 20 anos, sempre acreditei que precisávamos de ter jogadores com nome no nosso mercado para servirem de exemplo aos miúdos», afirmou. «Mas andamos a comprar há muito tempo, e ao analisarmos é difícil justificar esse investimento e em simultâneo o investimento que temos de fazer no desenvolvimento de jogadores. Temos de ter algo que inverta este modelo, ou vai tornar-se insustentável.»

O Atlanta United mostrou um outro caminho, ainda que vá ter forçosamente de mudar num futuro próximo. Tata Martino despediu-se no dia da final, porque vai treinar a seleção do México, e o clube procura agora um novo treinador. 

Artigo original: 10/12, 23h50