Só um grande como ele para ter entre as imagens-ícone da carreira uma derrota. Épica, um momento que o define. Homem de tantas batalhas e tantos feitos que davam para encher mil vidas.  São todas dele: Franz Beckenbauer, Der Kaiser, 70 anos acabados de fazer a 11 de setembro.

Esta é a imagem que Beckenbauer guarda no seu Facebook oficial a assinalar 1970 e aquele jogo no Azteca. Aquele a que chamaram o jogo do século, a meia-final do Mundial entre Alemanha e Itália.

A imagem mostra Beckenbauer de braço ao peito, com uma luxação da clavícula mas em campo até ao fim. A «Mannschaft» já tinha feito as duas substituições permitidas. Ele continuou a jogar, a subir, a liderar. Cinco golos no prolongamento e no fim ganhou a Itália, 4-3. O Kaiser, esse, tinha acrescentado mais umas linhas à sua lenda.

Ela já vinha de trás, tal como a alcunha que o define e se tornou só por si um conceito. Antes de ser Kaiser, Franz era um miúdo de Munique que gostava de futebol e até torcia pelo 1860 Munique, na altura o clube forte da cidade. Era lá que queria jogar. Mas mudou o destino aos 13 anos, quando jogava pelo SC 1906 Munchen e defrontou o seu clube do coração. Os ânimos aqueceram durante o jogo, Beckenbauer envolveu-se em confrontos físicos com um adversário e, zangado, decidiu que não iria jogar ali. Foi para o Bayern. «Foi o destino que houvesse aquele incidente no jogo e que eu acabasse por me tornar um jogador de vermelho e não de azul», analisa, frio, muitos anos mais tarde, numa memória recordada pelo site da UEFA.

Quando se estreou pelo Bayern o clube ainda jogava na segunda divisão, mas estava a crescer. O então jovem médio Franz foi rosto dessa ascensão e das vitórias que a acompanharam. Ganhou a Taça da Alemanha e a Taça das Taças em 1967 e, quando o Bayern foi campeão alemão em 1969, já usava a braçadeira de capitão. Pelo meio a seleção da então RFA. Foi ao Mundial de 1966, tinha 20 anos e jogou todos os jogos até à final perdida com a Inglaterra.

A alcunha de Kaiser surgiu por essa altura. Não é certo exatamente de onde veio, a versão que o próprio Beckenbauer gosta de contar diz que começou depois de uma fotografia que tirou ao lado de uma estátua de Francisco José I, imperador da Áustria. Kaiser ficou.

O resto é história. O homem que definiu uma posição em campo, o libero que era um defesa a fazer jogar e a sair, foi campeão da Europa em 1972 e campeão do mundo em 1974, ganhou três Taças dos Campeões Europeus com o Bayern entre 1974 e 1976, cinco títulos de campeão da Alemanha. Ao fim de 14 épocas em Munique fez um contrato milionário para rumar aos Estados Unidos. Quatro anos no New York Cosmos, três títulos, antes de um regresso à Alemanha para ser campeão com o Hamburgo. Ainda voltaria mais um ano aos Estados Unidos, antes de terminar a carreira em 1983.

E começar outra vida. Treinador agora. Assumiu a seleção da Alemanha e levou-a à final do Mundial 1986, perdida para Diego Maradona e a Argentina. Quatro anos depois levantou a taça. Campeão do mundo, o único de dois homens a terem ganho o título como jogador e treinador, o outro é o brasileiro Mario Zagallo.

Deixou a seleção depois do Mundial, tornou-se treinador de clube. Ainda em 1990 assumiu o Marselha, foi campeão de França e chegou à final da Taça dos Campeões Europeus. Depois, inevitavelmente, o Bayern Munique. Ainda que por pouco tempo no banco. Foi treinador dos bávaros entre dezembro de 1993 e junho de 1994, foi campeão nessa época, mas depois voltou a mudar de vida. Tornou-se presidente do Bayern.

Não sem mais uma passagem pelo banco. Em abril de 1996 Beckenbauer o presidente despediu o Otto Rehhagel e Beckenbauer o treinador assumiu a equipa, a tempo de ganhar a Taça UEFA.

No final da época contratou para treinador Giovanni Trapattoni, que já o tinha substituído no banco em 1994, e dedicou-se a transformar o Bayern Munique no colosso que é hoje.

Não era suficiente. Há sempre mais um objetivo para o Kaiser. E em 1998 assumiu o cargo de vice-presidente da Federação alemã, com uma meta bem definida: levar o Campeonato do Mundo para a Alemanha. Sim, foi ele o rosto do Mundial 2006, responsável pela candidatura e presidente do comité organizador.

Afastou-se entretanto do trabalho quotidiano, o seu cargo no Bayern Munique é agora honorário. Mas mantém-se ativo e mantém uma voz atenta e crítica sobre o clube, sobre o futebol e o mundo. Kaiser, um dos grandes futebolistas de todos os tempos, um dos grandes homens do desporto, sempre e até ao fim.