Muito se tem falado de reviravoltas improváveis a propósito da Liga dos Campeões. Por causa do Barcelona, a precisar de fazer algo que nunca foi feito frente ao PSG, mas não só, depois de uma primeira mão dos oitavos marcada por vários resultados fora do comum. Se não há quem tenha conseguido dar a volta a um 0-4 na Europa, aquilo de que precisa o Barça, já aconteceu por uma vez uma equipa passar depois de uma derrota por 1-5, como aquela que o Arsenal sofreu frente ao Bayern Munique. Foi o Real Madrid, nos oitavos de final da então Taça UEFA de 1985/86. Depois de sofrerem uma derrota por 5-1 em casa do Borussia MGladbach, os «blancos» venceram por 4-0 na segunda mão. Mas o Real, que nestes oitavos leva para Nápoles uma vantagem de 3-1, também já esteve do lado errado de uma reviravolta. Como em abril de 2004, cá está a foto que junta os dois grandes protagonistas desta história.

Foi uma eliminatória louca, numa edição que furou toda a lógica. É o ponto mais alto da caminhada do Mónaco até à final, onde perdeu para o FC Porto. Enquanto os dragões afastavam o Lyon nesses quartos de final, já depois de terem deixado pelo caminho o Manchester United na ronda anterior, e o D. Corunha conseguia outra reviravolta incrível frente ao Milan, de 1-4 para 4-0, o Mónaco deixava pelo caminho o Real Madrid num duelo particularmente cruel para os merengues.

O Mónaco tinha Fernando Morientes, avançado sem espaço entre os «Galácticos» do Real, treinados por Carlos Queiroz, que tinha sido emprestado em agosto ao clube do Principado, sem cláusula de impedimento. «Agora que sei que vamos jogar contra o Mónaco, francamente, seria melhor que estivesse connosco», chegou a desabafar Queiroz.

Portanto, lá estava ele quando a eliminatória começou a decidir-se, em Madrid. Num Real em crise de resultados, Morientes ganhou relevância nas discussões sobre a equipa e foi aclamado por dezenas de adeptos à chegada a Madrid.

A 24 de março de 2004, na primeira mão, o Mónaco marcou primeiro no Bernabéu, um golo de Squilacci em cima do intervalo, mas o Real reagiu: Helguera, Zidane, Figo, Ronaldo, quatro golos na segunda parte que pareciam dar tranquilidade aos «merengues. Mas, enquanto ainda se celebrava nas bancadas o golo de Ronaldo, Morientes apareceu na área e bateu Casillas. Não festejou, apontou antes para o céu, num gesto que foi uma homenagem às vítimas dos atentados de Madrid que tinham acontecido pouco antes, a 11 de março, e mataram 191 pessoas.

O resumo da primeira mão

O 4-2 (veja aqui a ficha desse jogo) dava esperança ao Mónaco e o facto de ter sido marcado por Morientes era um peso adicional para o Real. A segunda mão no Estádio Louis II chegou a 6 de abril. E marcou primeiro o Real, golo de Raúl aos 36m. Parecia resolvido. Mas então apareceu Giuly. Ludovic Giuly, o capitão do Mónaco, marcou o 1-1 mesmo em cima do intervalo. E foi toda a gente para os balneários.

Altura em que aconteceu outro dos episódios fortes desta história, soube-se mais tarde. Giuly deixou o relvado à conversa com Zidane, seu companheiro na seleção francesa. E revelou depois do jogo ao Canal Plus que, nessa conversa, quando brincou com o adversário a pedir que o Real deixasse o Mónaco marcar mais um golo, Zidane lhe respondeu assim: «Tu não vês que estamos mortos?»

Esse desabafo, disse Giuly, deu alento adicional ao Mónaco. Que marcou quase a abrir a segunda parte, aos 48 minutos. Morientes, pois. A seguir, aos 66m, foi o próprio Giuly a bisar. Assim mesmo, de calcanhar.

3-1, estava consumada a reviravolta (a ficha da segunda mão). E criado um caso bicudo entre Zidane e Giuly. O então melhor do mundo não gostou nada que o jogador do Mónaco tivesse tornado pública a tal conversa e Giuly acabou por vir mesmo a público pedir desculpa por o ter feito. «Devia ter guardado aquilo para mim. Mas não tinha má intenção nem quis criar esta confusão. Não disse isto para o «matar», mas sob efeito da euforia. Já tentei ligar-lhe para pedir desculpa», afirmou.

Reviravoltas. O Mónaco, então de Didier Deschamps, conseguiu naquele 6 de abril um resultado que, curiosamente, serviria agora ao atual Mónaco na eliminatória frente ao Manchester City. A equipa de Leonardo Jardim perdeu por 3-5 em Inglaterra, pelo que passaria se conseguisse uma vitória por dois golos de diferença, não sofrendo mais que três. Outras contas.