29 de janeiro de 2017 entra direitinho para a memória do desporto. O dia do reencontro improvável de dois gigantes, o dia do regresso do rei. Roger Federer e Rafal Nadal de novo frente a frente a decidir um Grand Slam. Roger campeão do Open da Austrália aos 35 anos e a aumentar a dimensão da sua grandeza num número, o 18, mas sobretudo numa história para a lenda. Não há melhor que isto.

A imagem diz muito, a felicidade de Federer e o olhar de Nadal em segundo plano. E há tanto, tanto por trás dela. Uma das maiores rivalidades do desporto, feita de competição intensa, mas feita também de enorme respeito mútuo. Dois grandes tenistas, dois grandes desportistas, que se tornaram maiores por causa da rivalidade e da forma como sempre a encararam. Sem tréguas no court, sem crispações fora dele.

Roger e Rafa, 32 Grand Slams entre os dois, chegaram à Austrália por baixo. O suíço fazia o seu primeiro torneio competitivo em seis meses, depois de uma lesão no joelho que o levou a decidir parar. Desde a meia-final de Wimbledon, em julho. Chegou a Melbourne como nº 17 do mundo, depois de, pela primeira vez desde 2000, ter terminado um ano sem ganhar qualquer torneio. Nadal a meio de um regresso, mais um, depois de uma lesão no pulso que o levou a desistir de Roland Garros. Voltou a tempo de ser campeão olímpico de pares no Rio de Janeiro, onde lamentava ao Maisfutebol não ter ali Federer como rival, chegou à Austrália como nº 9 do mundo.

Em outubro, Nadal abriu a sua academia em Barcelona e convidou Roger Federer. Na quinta-feira passada, quando bateu Stan Wawrinka na meia-final do Open da Austrália e antecipava uma eventual final frente a Nadal, que ainda iria defrontar Grigor Dimitrov, Federer foi buscar a conversa que ambos tiveram então, para dar a ideia do ponto em que estavam as suas expectativas nessa altura. «Fui à abertura da academia dele e disse-lhe: «Era bom que pudéssemos fazer um jogo de caridade ou algo assim». Mas eu só me aguentava numa perna e ele tinha a lesão no pulso. Estávamos a jogar mini ténis com uns juniores e dissemos: «É o melhor que conseguimos fazer agora.»

Três meses depois chegaram aqui. À final que ninguém imaginava há quinze dias e com que todos começaram a atrever-se a sonhar à medida que eles foram avançando em Melbourne. Levou a melhor Federer depois de uma intensa maratona de cinco sets. Um jogo de perseverança, no fim do qual deixou mais uma lição, quando explicou como recuperou mentalmente no quinto set: «Disse para mim próprio: «Joga livre». Tinha discutido isso com os meus treinadores antes do jogo. É jogar a bola, não o adversário.»

Ele que já era o melhor tenista de sempre, aquele que passou mais tempo como nº 1 do mundo, o que ganhou mais Grand Slams. Eram 17 até aqui, são agora 18. Atrás dele só, lá está, Rafa Nadal. Tem 14, tantos como Pete Sampras.

Só mais alguns dados para enquadrar o que Federer fez. É a quinta vitória no Open da Austrália, a que junta cinco no US Open e sete em Wimbledon, além de uma em Roland Garros, o primeiro de sempre a vencer três «Grandes» diferentes pelo menos cinco vezes. Tornou-se o segundo jogador mais velho de sempre a ganhar um Grand Slam, depois de Ken Rosewall em 1972, vencedor também do Open da Austrália aos 37 anos. Não vencia um Grand Slam desde Wimbledon em 2012. E desde 2004 que não havia um jogador com «ranking» tão baixo a vencer um Grand Slam. 

No final Federer disse que também estava bem se tivesse sido Nadal a vencer. «Teria ficado feliz se perdesse, para ser honesto. Este regresso já tinha sido fantástico. O ténis é um desporto durto, não há empates, mas se houvesse teria ficado feliz por empatar este com o Rafa.» E ainda: «Continua a jogar, Rafa. O ténis precisa de ti.»

Sendo quem são, isto não soa a condescendência de vencedor. Como não soa só a palavras de circunstância o cumprimento de Nadal ainda no court, apesar da profunda deceção pela derrota. «Parabéns ao Roger e a toda a equipa dele. Estou muito feliz por ti. Fantástico como jogou depois de tanto tempo longe do Tour. Ele mereceu um pouco mais do que eu.»

A história deles faz-se também de momentos como este: Federer a aplaudir um ponto de Nadal em pleno jogo.

Roger e Rafa é uma história com 13 anos. A primeira vez que se defrontaram foi em 2004, em Miami. Nadal, um adolescente de 17 anos, bateu Federer, 22 anos e acabado de chegar a número 1 do mundo. Havia de lá ficar por 237 semanas seguidas, nunca ninguém liderou por tanto tempo. Ao todo, Federer foi nº 1 durante 302 semanas. Bem acima, por exemplo, de Novak Djokovic, que esteve no topo 223 semanas até novembro do ano passado, quando foi ultrapassado por Andy Murray.

A primeira vez que Federer e Nadal se defrontaram num Grand Slam seria um ano mais tarde, nas meias-finais de Roland Garros. Tão novos que eles eram.

Nadal ganhou e haveria de ir até ao fim, à vitória no seu primeiro Grand Slam. Era junho de 2005 e o ano seguinte confirmou que esta iria tornar-se a grande rivalidade da década. Primeiro numa grande final em Roma, vitória de Nadal num duelo de estilos, de competitividade até ao limite e de fair play que se tornou um clássico, depois no primeiro encontro na decisão de um Grand Slam. Foi em Roland Garros, vitória para Nadal, ainda em 2006 seguiu-se Wimbledon, ganhou Federer.

Foram ao todo 34 duelos, entre eles oito finais de Grand Slam, até agora. Com seis vitórias para Nadal. A nemesis de Federer, como voltou a reconhecer agora o suíço: «O Nadal tem um lugar especial na minha carreira. Obrigou-me a tornar-me melhor. O jogo dele é complicado para mim. Representa para mim o maior desafio deste jogo.»

Esta história parecia ter acabado. Desde 2011 que não havia uma final Federer-Nadal, isto já não girava em torno deles. Mas Roger e Rafa são especiais. Ainda e sempre.