Wembley, 27 de outubro de 1999. Para aquele que é o mata-mata do Grupo B da Liga dos Campeões, nada melhor do que ter a catedral do futebol inglês como palco.

De um lado um Arsenal a viver os primeiros anos de glória sob o comando de Arsène Wenger e tão recheado de estrelas que no banco cabem nomes como Ljungberg, Suker e Henry. Mas do outro está uma formação viola (treinada por Giovanni Trapattoni) de pergaminhos igualmente respeitáveis. Heinrich, Di Livio, Chiesa, Battistuta, Rui Costa e, lá está, protagonista desta anatomia: Francesco Toldo.

Arsenal e Fiorentina chegam à 5.ª jornada do grupo com cinco pontos cada, já bem atrás do Barcelona de Luís Figo. A vitória de qualquer uma das equipas custa o adeus da outra à prova e serão os visitantes a sair por cima.

Aos 74 minutos, Batistuta supera David Seaman com um remate violento de ângulo. Os cerca de 70 mil adeptos ingleses que assistem ao jogo em Wembley, casa emprestada dos gunners na Champions, gelam com o 0-1 e o afastamento precoce da competição.

Os homens de Wenger apostam todas as fichas, com muitos homens no ataque. Kanu, Bergkamp, Overmars, Ljungberg, Suker…

Ao minuto 86, o avançado croata ex-Real Madrid acerta no poste direito. A bola faz ricochete num companheiro e sobra para Kanu, o tal que quatro dias virara um dérbi londrino frente ao Chelsea de 2-0 para 2-3 com um hat-trick num quarto de hora. No coração da pequena área, o avançado nigeriano roda o corpo e atira com direção ao ângulo esquerdo da baliza. Toldo, que acaba de se recompor de uma ida ao relvado após uma primeira vaga de Patrick Vieira, voa para o lado certo e nega o golo com a mão direita bem esticada.

Antes de mostrar repetições da parada do guarda-redes italiano, a realização foca em grande plano o semblante perplexo de Kanu após o frente a frente com Toldo que, curiosamente, já lhe tinha defendido um penálti no jogo da primeira volta, que terminou empatado a zero.

Toldo teve uma época de 1999/2000 notável do princípio ao fim. Em março de 2000 voltaria à seleção italiana após um hiato de quase três anos e meio e seria o dono da baliza da squadra azzurra no Europeu, consequência da fratura de um dedo de Gianluigi Buffon a poucos dias do arranque da competição. Na meia-final, defendeu um penálti no tempo regulamentar e foi decisivo no desempate da marca dos onze metros, levando a Itália até ao jogo decisivo com a França, no qual os comandados de Dino Zoff estiveram na frente do marcador até aos 90 minutos e só capitularam com um golo de ouro de David Trezeguet.

[artigo originalmente publicado às 23h54, 01-04-2019]

Outras anatomias:

Peter Schmeichel, 26 anos depois de Gordon Banks

Bogdan Lobont: o romeno que se travestiu de Schmeichel em San Siro

A dupla-defesa impossível de Coupet em Camp Nou

San Casillas repete o milagre dois anos depois no Sánchez Pizjuán

David Seaman a puxar a cassete atrás à beira dos 40 anos

Buffon mostra aos 20 anos os primeiros poderes de super-homem

Esqueçam o líbero, este é o Neuer de entre os postes e é do melhor que há

Holandês voador que realmente sabia voar só mesmo Van der Sar

Só Petr Cech é mais rápido do que um pensamento

Dasaev: uma cortina de ferro no último Mundial romântico

Camp Nou, agosto de 2011: a prova que Valdés era tão bom como os melhores

Ubaldo «Pato» Fillol, 1978: o voo que segura a Argentina no Mundial dos papelinhos

Dida: o voo para a eternidade do primeiro grande goleiro

Chilavert: o salto do Bulldog que nega o último golo a Maradona

Szczesny: o penálti a dois tempos que cala de vez Arsène Wenger

Ter Stegen: o grito «sou o nº1» numa meia-final da Champions

A tripla de Oblak, três muros levantados à frente da baliza do Atleti

De Gianluigi para Gianluigi, o rasto de gelo de Donnarumma que faz escorregar o Nápoles

A defesa da vida de Dudek que alicerçou uma reviravolta histórica

O milagre de Montgomery em Wembley'73

Quando o eterno Preud'Homme voou para travar Batistuta na Luz

Quando Tim Howard parou o tempo em Goodison Park

Kuszczak: muralha humana em Wigan antes do salto para Old Trafford

Gordon Banks: a anatomia #24 que merecia ter sido a primeira

Toni Turek: o expoente máximo do milagre de Berna em 1954