Enschede, 25 de junho de 2005. Há quase dez anos. Messi, a Pulga, começa a escrever as primeiras frases da sua própria lenda. Tem 18 anos e um dia. E ajudará a Argentina a chegar, uma semana depois, ao quinto título mundial sub-20. Um recorde.

Depois de eliminar a Colômbia nos oitavos, a estrela da seleção de Francisco Ferraro tem, ironicamente, a Espanha pela frente. Léo recusara um ano antes o convite da federação europeia para integrar a sua seleção porque sonhava vestir a camisola que imortalizou o ídolo Maradona. Já marcara na Holanda dias antes, perante Colômbia e Egipto, mas essa partida dos quartos de final terá obviamente um significado especial.

Vem aí, então, a forte Roja, construída à volta do talento de Fàbregas, e que enquadrava ainda um endiabrado Silva, o muy completo Llorente – cinco golos em três partidas na prova – e Zapater, que viria a jogar (pouco) no Sporting.

Na equipa das Pampas, além de Messi há ainda Kun Agüero e Gago, mas estão no banco. E nem vão jogar em Enschede. Já Garay, que anos depois passaria por Real Madrid e Benfica antes de seguir para o Zenit, entrou no último minuto para ajudar à festa.

Messi a começar a ser... Messi

Na camisola, a Pulga exibe um 18 contranatura. Mas será com esse número nas costas que irá ganhar o título mundial, e os prémios de melhor jogador e melhor marcador da competição.

O jovem do Barcelona, que se estreara em 2003 num particular no Dragão, ainda luta, em junho de 2005, pela afirmação no Camp Nou. Frank Rijkaard utilizara-o em sete jogos e marcara um único golo, há dois meses, a 1 de maio, frente ao Albacete. Tornara-se o mais novo de sempre a conseguir o feito na liga, até ele próprio entregar esse estatuto a Bojan, dois anos depois, com uma assistência para golo. Em 2004/05, ainda passa muito tempo na B, com 17 encontros e seis golos.

O 10 da Argentina, um número pesado para todos os d.M., os que vieram depois de Maradona, está no banco, nas costas de Patricio Pérez, hoje no Once Caldas.

Na Espanha, o numeral mágico é de Jona, que também assiste a tudo como suplente antes de ser chamado no segundo tempo por Iñaki Sáez, com o objetivo de tentar anular uma desvantagem que se revelaria fatal.

Fàbregas usa o 17, também estranho, mas que não parece assim tão importante se nos focarmos nos pés e na forma como toca na bola. O Arsenal sonha com o seu crescimento, e tem muitas razões para isso.

Cabral festeja com Ustari

Dez minutos e golo de Messi... que não conta

O embate começa com a Argentina por cima e um remate largo de Barroso. Messi, que já tinha ameaçado, parte de zona estratégica, como se fosse interior direito, para poder embalar para a baliza. No primeiro arranque, aos 10 minutos, é derrubado e assume o livre. O remate é bom e trai o guarda-redes espanhol. Os festejos são imediatos, demora-se a perceber a decisão do árbitro. O 1-0 volta a 0-0. Nil nil. Estava anulado. Barroso, em fora de jogo posicional mas sem intervir na jogada, ilude o auxiliar.

Com Cesc a maestro, à frente de Zapater e Markel, a Espanha responde à ameaça. Sobe linhas e aposta na versatilidade de Llorente. O avançado do Athletic segura bem a bola e não recusa o drible, contrariando a ideia estabelecida de que um 9 é quase sempre tosco. Mas o avançado ameaça também na visão e no cabeceamento. É um ponta de lança completo. Com Silva e Juanfran apagados durante muito tempo nas alas, é a ele que se liga Fàbregas. Aos 13, cabeceia ao lado após livre do companheiro.

No entanto, a Argentina marca mesmo, aos 19. Neri Cardozo cai muitas vezes sobre a direita, abre espaço às arrancadas de Messi pelo miolo. José Enrique, na luta, faz falta. O livre, marcado pelo próprio, sobrevoa três adversários antes de cair no meio da pequena área, com o esquecido capitão Zabaleta, médio de entrega total e não lateral como o vemos hoje em dia, a emendar com o pé esquerdo. 1-0.

A glória de Zapater

A Espanha volta novamente a crescer e chega ao empate aos 32 minutos. Arrancada e cruzamento de Molinero pela direita, com Llorente a funcionar como pivot e a amortecer para o remate forte de Zapater (sim, o tal do Sporting) para um belo golo. Ustari nada pode fazer.

Llorente festeja o golo de Zapater

Antes do intervalo, volta a gritar-se Messi. Servido entre Robuste e Enrique, ainda consegue desviar com o pé direito, ao lado.

Ao intervalo, o empate é justo. Vitti não volta do balneário, vem Oberman. Sem mexer no onze, Iñaki Sáez inverte os extremos. Silva passa para a direita e Juanfran para o outro lado. Estranhamente, face as características dos jogadores, aparecem agora mais em jogo do que no primeiro tempo. A Roja até se mostra melhor na partida.

Messi aparece em zona ainda mais central e mais adiantado, com Neri Cardozo agora mais atrás à esquerda (no lugar que era de Vitti) e Oberman à frente com Messi, mas mais descaído para o lado contrário. Muita luta, muita entrega, às vezes um pouco mais de Espanha, mas segue equilibrado.

Dois socos no estômago espanhol

É a Pulga que aparece. Aos 71 minutos, isola Gustavo Cachete Oberman com o seu pé esquerdo. O avançado do Argentinos Juniors pica a bola por cima de Ribas com um toque carregado de classe e volta a inclinar o encontro para os sul-americanos.

Dois minutos depois, uma bola que parecia perdida cai à entrada da área perto de Messi. Pé direito para dominar, esquerdo para passar o central e de novo a canhota para finalizar cruzado ao poste mais distante. Génio! Génio aos 18 anos e um dia.

Estava decidido! Jona ainda entra com ganas, tal como Gavilán e Victor, mas os argentinos não vacilam, agarram-se ao triunfo. Seguir-se-ia o Brasil nas meias-finais (2-1, um de Messi, outro de Zabaleta) e a Nigéria no jogo decisivo, em Utrecht (de novo 2-1, com dois penáltis de Messi), a 2 de julho.

A primeira página da lenda está virada!

Jona é o espelho da desilusão espanhola

ARGENTINA – Ustari; Barroso, Cabral, Paletta (Garay, 90) e Formica; Juan Manuel Torres, Zabaleta e Archubi (Gago, 63); Messi, Cardozo e Vitti (Oberman, 46)

ESPANHA – Ribas; Molinero, Ruano, Robuste e José Enrique; Zapater (Victor, 83) e Markel; Fabregas; Juanfran (Gavilán, 75), Llorente (Jona, 75) e Silva

Jogo completo, do arquivo do jornalista espanhol Julio Maldonado: