Budapeste pode ser a capital da Hungria, mas não é a capital húngara do andebol.

Quer dizer, neste mês de janeiro será. É ali que se vai disputar a fase final do Europeu que os magiares organizam com a Eslováquia. E é também lá que Portugal joga neste domingo o tudo por tudo na tentativa de apuramento para a Main-Round, diante da equipa da casa.

Mas para lançar essa partida, o Maisfutebol rumou a sul. Mais concretamente a Széged, a ‘capital’ do andebol húngaro (que as pessoas de Veszprém não nos leiam!).

Szeged, dizíamos. A pequena cidade que desde o início da época começou a encantar-se por um nome português: ‘Mártins’, dizem eles. Mas já lá chegaremos.

O (agora) benfiquista que é estrela no ‘Museu’

No interior do Lupo e Mugnaio, respira-se andebol. E essa respiração é ainda mais sentida devido ao silêncio cortante que invade o espaço quando o nosso jornal entra pela porta do pequeno café, a 50 metros da novíssima Pick Arena, em Szeged.

A tensão silenciosa é indisfarçável. Ninguém conversa. Apesar de as poucas mesas do café estarem todas ocupadas. Ora com adeptos sérvios… ora com croatas.

Lado a lado, as duas nações separadas por uma guerra fratricida cujas feridas teimam não sarar, aconchegam o estômago a poucas horas de as suas seleções se defrontarem na segunda jornada do Europeu.

Nas ruas, à media que o dia corre, a tensão há de aumentar (também) por culpa de um jogo que pode eliminar a ‘favorita’ Croácia, em caso de derrota.

Mas no pequeno Lupo e Mugnaio, apesar da indisfarçável tensão, reina a paz.

E aquilo que se respira de andebol no espaço não tem que ver com essa rivalidade contida entre cappuccinos e uma ou outra cerveja.

As paredes do pequeno café estão decoradas com camisolas históricas do Pick Szeged autografadas e emolduradas. E no canto, um pequeno tesouro andebolístico exposto numa vitrina de vidro.

Entre outras camisolas, de alguns dos melhores jogadores da história do clube, brilham também duas medalhas: uma de vencedor da Taça EHF, em 2014, e uma outra do título húngaro conquistado em 1986.

E aí torna-se claro o porquê da descrição do simpático Lupo e Mugnaio exibir orgulhosamente: ‘Mini Pick Handball Museum’.

Mais inesperado, porém, pode ser ouvir o entusiasta Molnár Nataniel apontar sem hesitar o objeto mais especial que tem no ‘Museu’, dado por um (agora) benfiquista.

«Aquilo que para mim tem mais significado é a braçadeira de capitão do Jonas Kallman. Aquela que ele usou no último jogo que fez pelo nosso clube», exibe, orgulhoso.

Em Szeged, o ponta esquerda sueco que no verão trocou o Pick pelo Benfica é uma lenda. Durante os oito anos que representou o clube, Kallman deixou uma marca de tal forma vincada que o clube retirou a camisola 8 quando o sueco deixou o clube.

«Fez uma carreira inacreditável e era um líder que representava tudo aquilo que um capitão deve ser», resume o nosso interlocutor.

Sob a ‘asa’ de um génio rumo aos «melhores do mundo»

Nataniel não nos fala de Miguel Martins com o mesmo entusiasmo com que se refere a Kallman ou outros ídolos do Pick Szeged. Mas reconhece-lhe enorme valor. E garante que todos os adeptos do clube já adoram o jogador formado no FC Porto.

«Aqui foi o primeiro café onde o ‘Mártins’ veio beber um café quando chegou a Szeged. O primeiro! Veio ele e a família», assegura, orgulhoso, antes de o elogiar.

«Ele é um jogador incrível: muito inteligente e algo mágico, à semelhança do que é o Bombac. Mas o Bombac chegou e conquistou logo toda a cidade, é o jogador mais mágico que existe. O Mártins, com o tempo também vai chegar lá», acredita.

Bombac. Dean Bombac.

O nome pode dizer pouco aos menos atentos ao andebol internacional, mas é reconhecido por todos aqueles que seguem a modalidade.

O central esloveno de 32 anos é um ‘génio’ do andebol. As palavras de Nataniel não são nada exageradas, apesar de o seu nome não ter constado da convocatória da Eslovénia para o Europeu.

Aproveitando a visita à cidade, o Maisfutebol tenta conversar com Bombac… que acede sem hesitar. Em cerca de 10 minutos de conversa, o jogador deixa rasgados elogios ao português de quem se tornou rapidamente amigo, apesar de ‘concorrente’ na equipa campeã húngara.

«Eu e o Miguel estamos sempre em contacto. Ainda hoje [sábado] estivemos a conversar e quando ele foi de férias para Portugal também falámos regularmente», introduz antes de apontar Miguel Martins ao topo.

«Ele tem tudo para ser um dos melhores centrais do mundo: tem muito talento e vontade de vencer, além de ser muito jovem. Digo-lhe sempre que tem tudo nas mãos dele. A carreira que vai construir só vai depender dele próprio», assegura.

Companheiros de equipa há cerca de meio ano, existia já entre os dois uma admiração mútua que nenhum deles escondia. E quando passaram a partilhar o clube, a relação fortaleceu-se rapidamente. Ao ponto de Bombac admitir preocupação em guiar o português.

«Estou a tentar ajudá-lo e ensinar-lhe o que sei. Insisto com ele na necessidade de controlar melhor o jogo. Por vezes ainda tem decisões que não o beneficiam a ele nem à equipa, e eu tento mostrar-lhe que como central ele é que tem a equipa e o jogo na mão e tem de controlar tudo. A este nível, às vezes um milímetro faz toda a diferença e eu falo-lhe muito das questões táticas que deve dominar», explica.

Com 32 anos, o esloveno admite ser hoje um jogador mais cerebral. Ainda que reconheça no português de 24 semelhanças com o ‘velho’ Bombac.

«Eu também ficava muito chateado quando perdia. Nisso somos muito parecidos: a fome de vencer é igual nos dois», admite.

Já na forma de jogar, apesar de serem ambos, sobretudo, organizadores de jogo, Bombac aponta também diferenças.

«Somos parecidos, mas diferentes na forma de jogar. Além de central, ele faz muito bem lateral esquerdo e lateral direito, tem um bom remate em suspensão e marca mais golos do que eu. É um jogador que procura mais o golo, o que tem coisas boas e coisas más», sublinha.

«Jogo com a Hungria vai ser muito difícil para Portugal»

A conversa com o central esloveno decorre na véspera do decisivo Portugal-Hungria, na segunda jornada da fase de grupos do Europeu.

Ambas as seleções perderam na estreia, Portugal com a Islândia, e a Hungria foi derrotada de forma surpreendente pelos Países Baixos, perante 20 mil adeptos magiares.

E se toda a gente concordava antes do arranque do Europeu que Portugal estava num grupo equilibradíssimo, os resultados da ronda inaugural só serviram para o comprovar de forma clara.

«Para ser honesto, a derrota de Portugal no primeiro jogo não me surpreendeu. A Islândia é uma equipa muito forte e com todos os jogadores, como está neste Europeu, considero que é a seleção mais forte do grupo», assume Dean Bombac.

Nesse sentido, o cenário para a equipa de Paulo Jorge Pereira não se apresenta nada fácil, e Bombac é da opinião de que será muito complicado ver os ‘Heróis do Mar’ na próxima fase.

«Eu e o Miguel falámos bastante sobre esse jogo nos últimos meses. Vai ser ainda mais difícil para Portugal do que eu pensava. Como a Hungria perdeu o primeiro jogo, agora precisa mesmo de vencer. Ambas as equipas precisam de ganhar, ou vão para casa. A Hungria vai ter 20 mil adeptos a puxar por eles, por isso será ainda mais difícil para Portugal. Mas se jogarem forte como já mostraram que podem fazer, claro que podem ganhar», concede.

E será que, fruto da amizade com Miguel Martins, a seleção lusa pode contar com mais um adepto?

«Nesse jogo vou apenas torcer pelo andebol», atira entre risos.

«Mas se tiver de escolher, e para ser totalmente honesto, digo que apoio a Hungria. É um país onde estou há cinco ou seis anos e que sempre me tratou muito bem. Claro que com o Miguel na equação, fico mais dividido, mas espero que vença o melhor», remata.

Menos dividido está, obviamente, o atarefado Nataniel, por entre as trincheiras de tensão que se tornaram as mesas do seu café.

Apaixonado por andebol e antigo praticante, o jovem aponta claramente a Hungria à vitória.

«A Hungria é mais forte do que Portugal e vai ganhar. Quer dizer, eu espero que ganhe. O nosso primeiro jogo foi catastrófico, mas no próximo vamos estar menos nervosos», confia.

E antes de se despedir de nós, depois de se desculpar, sorridente e nada convincente, por não ter a camisola de ‘Mártins’ exposta «porque ela está esgotada há meses!», o jovem puxa rapidamente do telemóvel e mostra-nos.

«Vê, tenho uma mensagem dele a garantir que no final da época vem aqui oferecer-me uma camisola autografa», exibe.

Não podemos deixar de sorrir com a ‘lata’ de Nataniel. Mas deixamos-lhe a provocação: o que ficaria mesmo bem naquelas paredes era uma camisola da seleção portuguesa. E melhor ainda se fosse a utilizada por Miguel Martins após uma certa vitória que quase ninguém em Szeged quer ver sorrir a Portugal.

Tratas disso, ‘Mártins’?