Nos últimos dois anos, Paulo Jorge Pereira liderou a seleção nacional de andebol aos melhores resultados de sempre: 6.º classificado no Europeu, 10.º classificado no Mundial e o apuramento histórico para os Jogos Olímpicos de Tóquio.

Em entrevista ao Maisfutebol, o treinador falou da «preparação mais difícil da vida de todos» que a seleção teve de fazer para o torneio pré-olímpico, duas semanas após a morte de Alfredo Quintana, um dos pilares da equipa.

Mas olhou também para o futuro e não pôde deixar de lamentar a forma como ainda se continua a olhar para o desporto em Portugal.

Maisfutebol: Quanto tempo vai precisar de descansar depois das emoções das últimas semanas?

Paulo Jorge Pereira: Nem sei. Isto foi realmente cansativo. Houve muita gente a enviar mensagens nas redes sociais e eu tento responder a todos por uma questão de respeito e porque um simples ‘obrigado’ faz as pessoas sentirem que estamos todos ligados. Mas estou mesmo cansado e não foi só por causa da competição.

MF: Se calhar até mais pelo que aconteceu antes…

PJP: Sim, foram as semanas que antecederam a competição e que nos obrigaram a replanificar toda a preparação.

MF: Mas já arrumou o torneio pré-olímpico para começar a pensar nos Jogos Olímpicos?

PJP: O que fiz hoje de manhã foi eliminar cerca de 40 gigas de vídeos de jogos. E quando dei conta, estava a eliminar grande parte dos jogos da Croácia. E aquela sensação do ‘já foste’ é muito agradável [risos]. Há cansaço, mas também alívio.

MF: O alívio suplanta o cansaço?

PJP: Alívio, mas não porque fossemos obrigados a ganhar. Não foi o ‘agora ganhaste já não vais ser corrido da Federação’. Não é o caso. Todos sabemos a dificuldade que tínhamos nesta competição, mas sinto que foi reposta alguma justiça.

MF: Fala do jogo com a Croácia…

PJP: Sim, foi feita justiça porque já merecíamos ter ganhado à Croácia. Todos perceberam isso. Não aconteceu, tivemos de continuar a combater e não baixámos os braços. Por isso é que sentimos todo este cansaço. Mas o alívio também é espetacular por isso.

MF: Já teve tempo para perceber aquilo que aconteceu?

PJP: A qualificação foi uma coisa extraordinária. Mas eu não sou muito de ficar agarrado a estas coisas. Eu já tive tantas derrotas – felizmente tive muito mais vitórias do que derrotas -, mas estamos tão habituados a cair e levantar… e sabemos que temos de continuar a trabalhar para aumentar as probabilidades de vencer.

MF: Mas é melhor trabalhar com o sentimento de dever cumprido…

PJP: Sim. Mas ao jogar no alto-nível, nunca sabemos o que vai acontecer. Para nós já é uma felicidade abordar estes jogos de olhos nos olhos: ‘vamos tentar ganhar isto’. É excecional ver que os nossos adversários, independentemente do nível que tenham, já olham para nós como uma ameaça e não com um ‘olha, vêm ali os rapazes portugueses para jogar contra nós’. E isto não por acaso que acontece. Não é mesmo.

MF: Não respondeu se já parou para pensar que Portugal está mesmo nos Jogos.

PJP: Isto é excecional, ok. Mas não podemos fazer como se tudo tenha acabado agora. Aliás, temos de pensar é que isto apenas está a começar. E eu gostava mesmo era de ver modificações em algumas coisas, sobretudo na mentalidade das pessoas que lideram o nosso desporto. E que todos dessem muito mais importância ao desporto. Eu gosto muito de futebol, mas acho um exagero a atenção que se dá ao futebol e chega a ser uma falta de respeito para com as outras modalidades…

MF: Fala de quê, concretamente?

PJP: Eu gostava de ver, por exemplo, os pavilhões mais aquecidos no verão e mais frescos no inverno. Gostava de poder decidir um estágio sem estar a pensar se o piso é o ideal para trabalhar durante várias horas – porque há pisos que não permitem. Eu sei que não somos um país rico, mas também sei que podemos pensar melhor as coisas quando as construímos. Nós pensamos candidatar-nos a organizar um Europeu ou um Mundial e só temos um pavilhão em Portugal que reúna condições para poder receber uma dessas competições. Um pavilhão! Nós vamos jogar uns Jogos Olímpicos, fomos top-6 no Europeu e top-10 mundial e só temos um pavilhão com condições para uma grande prova.

MF: A velha e inultrapassável questão da visibilidade e apoio às modalidades.

PJP: Oxalá que tenhamos feito uma pequena parte para que as pessoas percebam que isto vale a pena. Como fazem os países nórdicos, ou a Espanha. Países onde as pessoas dão uma importância extraordinária ao desporto. Todas as televisões… Eu agora estou farto de receber convites – e ainda bem! -, mas gostava que as televisões e as pessoas mantivessem contacto connosco, mesmo quando perdemos. Porque agora há um recorde no meu país [risos]. Eu nunca tinha visto tantos jornalistas a fazerem-me perguntas. Percebi que alguma coisa de bom está a acontecer. Mas espero que não seja só nestes momentos em que fazemos coisas quase sobre-humanas. Gostaria que fossemos sempre valorizados porque somos as mesmas pessoas quando perdemos e quando ganhamos.

MF: E os Jogos Olímpicos…?

PJP: Eu tento encarar isto de uma forma muito natural. Porque sempre acreditei que podíamos chegar lá. Se eu achasse que não era mesmo possível, talvez ficasse muito encadeado. Mas mesmo com as dificuldades que tivemos - e que foram ainda maiores do que podíamos prever – eu sempre achei que era possível. Porque acredito muito no nosso potencial e no meu trabalho. Não sou o melhor treinador do mundo, mas também não sou o pior.

MF: Mas tem de ter ficado orgulhoso…

PJP: O meu maior prazer nisto tudo é saber que há muitas pessoas que se sentiram motivadas por nós para viver no dia a dia. Isso é extraordinário. E nós temos essa ferramenta e essa oportunidade. Nós sabemos que, fazendo as coisas bem, conseguimos influenciar muita gente no seu dia a dia. E isso é das melhores coisas que pode haver. A minha maior alegria é poder impactar e influenciar a vida dessas pessoas. Parece que não é nada, mas eu acho que é muito. Mesmo que seja durante pouco tempo. A nossa missão cumprida está aí.

MF: Todas as altas entidades governativas deram os parabéns pelo feito da seleção de andebol. Como recebeu essas felicitações neste momento de sucesso?

PJP: É natural que as pessoas se sintam bem e nos telefonem. E eu agradeço esses telefonemas. Mas tenho de ser honesto e dizer que gostava de ver as pessoas mais implicadas, antes do nosso sucesso. Eu já sei que eles têm dificuldades, mas tenho a certeza de que alguma coisa, todos podiam fazer melhor. Eu não sinto o andebol ser respeitado como devia ser em Portugal. Toda a gente é muito simpática e estão todos ao nosso lado. Mas na prática, sinto que estão muito longe. Devíamos fazer uma reflexão séria sobre as infraestruturas e tudo aquilo que falta para que mais gente se sentisse entusiasmada a fazer desporto. Para quem mais gente se entusiasme a fazer vida do desporto.